O normal, como todos estamos habituados a ver, é a eleição que só tem vencedores; os que ganharam porque tiveram mais votos, os que perderam mas aumentaram a sua percentagem, ou apenas sobreviveram, ou, em último recurso, porque ganharam moralmente. (Ou, no recente caso norte-americano, porque perderam no colégio eleitoral mas tiveram mais votos populares.) Também já assistimos a eleições em que os que perderam acabaram por ganhar, graças a arranjos pós-eleitorais; o caso português, a funcionar bem, é o exemplo mais à mão.

Ontem os ilhéus futuros-ex-europeus conseguiram dar um passo em frente: perderam todos! A democracia é realmente um regime elástico e flexível, onde todas, mas mesmo todas as hipóteses são possíveis.

Os conservadores, para começar. Theresa May convocou eleições antecipadas com um objetivo bem claro: aumentar a sua percentagem parlamentar para ter mais margem de manobra nas negociações do Brexit à sua maneira – maneira essa não completamente esclarecida até poder manobrar melhor, diga-se de passagem. A matemática eleitoral e as sondagens tudo indicavam que seria esse o resultado; os trabalhistas estavam no ponto mais baixo da sua história, Corbyn nem os seus convencia, o UKIP tinha esgotado a sua razão de ser, e os democratas liberais, únicos opositores oficiais ao Brexit, remavam na contra-maré. Quando anunciou as eleições intercalares, a 18 de abril, May tinha uma vantagem de vinte pontos percentuais nas sondagens e um rácio de 10/1 nas casas de apostas. O tema da campanha seria o Brexit, uma espécie de segundo referendo, e os eleitores, ainda enganados quanto às vantagens da saída da União Europeia, não deixariam de referendar fortemente o nacionalismo saudosista da Inglaterra imperial. A maioria absoluta eram favas contadas.

O que ninguém esperava é que três atentados terroristas mudassem radicalmente o tema da campanha. Não se falou em Brexit, nem hard nem soft. A segurança foi o tema dominante, e em segurança o currículo da senhora é muito fraco, como logo lembraram os opositores. Antes de ser Primeira Ministra, Theresa May foi Ministra do Interior, e nessas duas qualidades reduziu o orçamento de segurança e despediu vinte mil polícias. Tutelou as secretas, o famigerado MI5, que tem andado a apanhar bonés. E, já no final da campanha, colocou tropa nas ruas e ameaçou reduzir substancialmente as liberdades individuais, atitudes que caem muito mal na cidadania britânica. Nem polícia armada os ingleses querem, apesar das bombas.

Também caiu muito mal a atitude quase subserviente de May em relação a Trump, que é particularmente odiado no Reino Unido. Quando o homem laranja atacou o edil de Londres, a propósito do último atentado, interpretando erradamente um comentário de Sadiq Khan, quem o defendeu foi Corbyn e May calou-se. A cobardia é muito mal vista nas ilhas.

O resultado é que os conservadores perderam 12 lugares no Parlamento e continuam sem a almejada maioria absoluta. Quedam-se agora nuns débeis 316 deputados. Dá para governar? Dá, mas só se os opositores não se coligarem, à maneira portuguesa. E mesmo que não se coligem, certamente que se unirão pontualmente para dificultar a legislação conservadora de May e enfraquecer as suas opções nas negociações com Bruxelas.

Os trabalhistas são os segundos perdedores. Ganharam 29 lugares no Parlamento, o que não deixa de ser uma surpreendente vitória para um líder tão fraco como Corbyn, que apresentou um programa de nacionalizações pré-Tatcher. Valeu-lhe as preocupações sociais dos eleitores, assustados com os cortes no SNS propostos por May. Mas, mesmo com mais 29, ficaram-se pelos 261 deputados, um número que não dá para nada. Mesmo coligando-se com os democratas liberais e os escoceses não chegam ao número mágico da maioria – e essa coligação parece impossível, dadas as divergências ideológicas e práticas entre eles.

E os democratas liberais, que ganharam quatro deputados, também perderam, pois agora ficam com apenas 12, um número que mal chega para fazer ouvir os seus apupos na câmara. Continuam a ser um partido irrelevante, o que também demonstra que os britânicos querem mesmo o Brexit – ainda não lhes caiu a ficha sobre onde se vão meter.

Finalmente, a grande derrota do Partido Nacionalista Escocês e de Nicola Sturgeon. Antes desta eleição, tinha todos os lugares, menos três, da quota escocesa no Parlamento. Perdeu 21, o que quer dizer que os scots não querem a independência e preferem ficar orgulhosamente sós com os britânicos, galeses e irlandeses do Norte. Sturgeon provavelmente irá resignar.

De certo modo, a Europa também perde com este resultado. Será muito mais difícil negociar o Brexit com um governo britânico fraco e acossado. Bruxelas já tem o dossier da separação pronto, até aos mínimos detalhes; os ingleses só agora é que irão pensar a sério no assunto.

Alguns analistas prevêem que May cairá dentro de seis meses. Não é impossível, mas é pouco provável. Apesar da sua falta de jeito para a coisa, a senhora gosta muito do posto que lhe caiu no colo pela tibieza dos seus colegas conservadores, que pregaram o Brexit mas não querem o ónus de executá-lo. Não será uma dama de ferro à la Tatcher, nem sequer uma boneca de chumbo, mas lata não lhe falta.