Não importa se o assédio foi maior ou menor, ser vítima de assédio não pode ser mensurável do seguinte modo:” ah, foi perseguida, é mais grave do que ter sido só elogiada em forma de piropo ofensivo” ou, numa outra versão, “ah, foi coagida a ter relações para subir na carreira, é pior do que ter um homem a tirar-lhe as medidas”. Assédio é assédio. O facto de ser preciso existir um escândalo​ em Hollywood para que o assunto pegue moda é, como em quase tudo o que acontece nos dias de hoje, fruto da vertigem da informação, dessa contaminação veloz que só as redes sociais conseguem. A aldeia global no seu esplendor.

A mim, dá-me igual se o dono da produtora Miramax, Harvey Weinstein, alega estar doente, se se despediu, se foi corrido da Academia e se, de repente, é o pai de todos os quem praticam o assédio na indústria cinematográfica ou outra. O que me custa, e considero hediondo, é o silêncio que várias actrizes praticaram religiosamente durante décadas. O que me custa é saber que existem outras tantas que nunca chegarão à denúncia pela simples razão de que o dinheiro (a vergonha e o medo de que a carreira fosse interrompida se se​ recusassem) falou mais alto, assinaram acordos com o dito senhor para manter essa coisa preciosa e conivente que se chama silêncio.

Custa-me também que em Portugal – ó para nós a correr atrás de uma tendência - não se faça uma reportagem séria, o chamado bom jornalismo, sobre o assunto. Faz-se uma notícia a dizer que alguém falou sobre assédio no primeiro Encontro das Mulheres nas Artes que se realizou na Gulbenkian dias 16 e 17, e contou um episódio. E pronto.

Ora, se o tema está na ordem do dia, por favor, façam perguntas a mulheres das diferentes áreas: existe assédio em Portugal? Alguma vez foi vítima de assédio? Sentiu-se prejudicada por não ceder a avanços masculinos e foi prejudicada no seu local de trabalho? Certamente que as muitas mulheres terão coisas a dizer.

Eu, para poupar já as perguntas, deixo as minhas respostas: fui assediada ao longo dos anos por colegas e superiores hierárquicos, fui acusada de ser filha de ninguém, logo não podia ter talento e era apenas uma miúda com dois palmos de cara. Como comecei cedo, havia quem dissesse alto e bom som que os meus textos não eram escritos por mim, que eu nunca seria uma jornalista de qualidade, que era demasiado bonitinha. Bonitinha é igual a burrinha, certo? Pois, é isso.

No próximo ano, faço 30 anos de carreira como jornalista e, embora afastada das redacções tradicionais, sou e serei sempre jornalista. Sou do tempo em que não havia nenhuma mulher nas direcções dos jornais; sou do tempo em que a única mulher numa chefia no semanário Expresso era a senhora do arquivo; sou do tempo em que o meu ordenado era sempre inferior ao de qualquer homem que fizesse o mesmo ou menos do que eu. Tive muitas insinuações, muitas bocas, muitos olhares da cabeça aos pés. Dei um safanão a um editor numa sala de reuniões antes que me agarrasse. Mandei à merda um outro.

O conjunto dos meus colegas homens e mulheres, vou sublinhar aqui esta parte, homens e mulheres, meteram-me na cama com A, B e C. Porque não era possível que uma mulher, que começou a trabalhar ainda menor, loirinha e magrinha, não fosse uma devassa, uma vendida. Talento? Nah. Isso seria pedir muito. Talvez não se recordem, mas eu até obtive um prémio de “alpinista do ano”, prémio atribuído pela defunta revista Kapa onde trabalhavam só bons rapazes.

Penei mais do que a maioria dos homens para ter a carreira que tenho? É evidente. Mas nunca estive calada, nunca deixei de dizer o que penso, o que quero e o que não quero. Aprendi com mulheres de enorme talento que o silêncio não é uma forma de evitar a chatice, é apenas indigno de quem eu sou.

Portanto, aqui vai o hashtag: #metoo. E vocês?

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