As histórias e a edição são cativantes, mas o que dá a vitória ao programa é Ljubomir Stanisic e a sua personagem de chef militarizado. “Ljubo” não tem reservas em ser violento com a insipiência da hotelaria nacional. Talvez por ser estrangeiro seja tão bem acolhida uma arrogância, uma brutalidade verbal, uma frontalidade marcial que não seria aceite com tanto embevecimento pelo público em caso de apresentador patrício. Mas afastando-se de forma natural de uma certa gratuitidade no insulto, quase má-criação e exagero de personagem de Ramsey, Ljubomir (nome que significa “paz e amor”) conquista audiências com o seu tough love e, se às vezes é ríspido com os nossos muito acarinhados tasqueiros, assentimos que está cheio de razão. Para além de que é enternecedor observar alguém que não nasceu em Portugal ser tão criterioso na escolha do produto nacional, tanto dos ingredientes como dos palavrões.

Como é óbvio, “Pesadelo na Cozinha” não é um documentário, porém acresce ao efeito de entretenimento o mérito de instigar a uma discussão sobre a viabilidade das tascas verdadeiramente nojentas e o pedestal mitológico onde têm vindo a sobreviver desde sempre. Eu gosto de tascas, mas não posso hoje deixar de temer que me sirvam um ovo estrelado proveniente de uma frigideira tão antiga que Cronos cozinhou lá os filhos. É que uma boa parte das tascas são microclimas de deixa-andarismo, pardieiros de falso conforto, incubadoras de incompetência, centros de formação low cost para alcoólicos, bolsas de especulação das baixas expectativas, lobbies da comida oleosa, think tanks de bitaites futebolísticos e antros de revivalismo da salubridade medieval. Por agora, ainda lhes guardamos um carinho quase irónico, contudo os pesadelos de “Ljubo” talvez nos façam acordar.

A culpa não é só dos proprietários, é também da nossa falta de exigência. Vangloriamo-nos aos turistas de que se come bem e baratíssimo por cá, como se isso não revelasse ao mesmo tempo as margens ridículas e insustentáveis que uma boa parte da nossa restauração aufere. É a chamada prática comercial do dumping farta-brutosPorque 500 gramas de carne por 5€ só pode significar que o empresário está a perder dinheiro e que não tem gastos com limpeza, controlo de qualidade, formação ou modernização. Por nós tudo bem, até porque o português não gosta de pagar por aquilo que não está a ver. Imaginem, somos uns Albertos Caeiros económicos. Pelo menos, até agora.

Recomendações:

Esta semana só recomendo stand-up em Lisboa.

Overdose de Tourette”, no Teatro do Bairro, hoje, às 22h.

Carlos Vilhena e amigos, de terça para quarta-feira, no Teatro A Barraca, às 00h.

“O Estúpido Ao Vivo” , primeiro solo de Daniel Carapeto, no Teatro do Bairro, dia 24 (véspera de feriado).