Numa noite foi o terrorista que usou como bomba um TIR branco para, numa canalhada impensável num ser humano, massacrar as pessoas em festa em Nice. Ele usou o camião contra todos nós, para nos atropelar a todos. Na noite seguinte foi a brutalidade do estanho golpe na Turquia do sultão Erdogan. Passadas outras 24 horas, a notícia era a intolerável violência persecutória do ambicioso autocrata turco que se serve do golpe para reforçar o poder. Pelo meio, outra história, uma agitação e consternação nas redes sociais escritas em português: lastimava-se a revelação de que Liedson, o levezinho no futebol, o avançado que era um 31 para as defesas adversárias, teria morrido subitamente de AVC. Revelação nas redes sociais, sem referência a qualquer fonte. Até que apareceu o próprio levezinho, estupefacto, a avisar que continua "bem vivinho", mas sem saber como é que alguém o declarou morto aos 38 anos.

Emily Bell, diretora do Tow Centre for Digital Journalism na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, escrevia há semanas que "as redes sociais estão a engolir o jornalismo, mas não apenas o jornalismo, engolem também a política, as histórias das pessoas, até a segurança". Bell comentava que o ecossistema das notícias mudou mais nos últimos cinco anos do que em qualquer outro período dos últimos cinco séculos, desde o tempo de Gutenberg.

Há exatamente uma semana, Katharine Viner, diretora do The Guardian, publicou um essencial artigo de opinião em que analisa as profundas transformações que o jornalismo está a atravessar em consequência da consolidação das redes sociais. Viner, escolhida há um ano para substituir na direção do The Guardian o mítico Alan Rusbridger que fez o jornal britânico tornar-se líder global nas edições digitais, é uma mulher jovem mas muito experiente, competente. Ela alerta no texto publicado no dia 12 deste julho que as redes sociais, em vez de divulgar notícias que contribuem para o bem da sociedade e que são a essência do jornalismo, tendem mais para difundir o que está baseado em opiniões ou até rumores em vez de factos verificados.

Como surgiu a notícia falsa que galgou pelas redes sociais de que Liedson teria morrido?

E quando são publicadas as imagens de pessoas em agonia tombadas num passeio depois de terem sido esmagadas por um terrorista, como aconteceu na noite de quinta-feira, a liberdade está a ser respeitada?

Como comenta Katharine Viner, precisamos de meios de comunicação fidedignos, que contrastem os factos, que sejam intransigentes no rigor e que tenham sentido crítico sobre o que é noticiável.

As redes sociais trouxeram milhares de vantagens, mas tornaram mais difícil distinguir factos de não factos. Viu-se com o caso próximo de Liedson como é fácil fazer propagar uma informação que é falsa. Tal como se tinha visto na noite de 13 de novembro de terrorismo jiadista em Paris com os rumores de que, depois do Bataclan, o Centre Pompidou e o Louvre também estavam a ser atacados. Ou na quinta-feira funesta em Nice com a angústia a ser ampliada com boatos sobre tomada de reféns. Com ou sem deliberada malícia. Sem jornalismo. Com métodos que o jornalismo só pode recusar.

Vivemos tempos alucinantes. É uma era que provavelmente tem início em 2001, o ano da matança terrorista de 11 de setembro nos EUA. Vale lembrar essas horas que todos vivemos aterrados com os olhos presos aos ecrãs. Vimos em direto o impacto do segundo avião nas torres do World Trade Center. Vimos em direto o ataque ao Pentágono. Vimos em direto o desmoronamento das torres. Foi uma tarde (no horário europeu) que parecia de prelúdio ao fim de um mundo. Não se sabia o que viria a seguir, sabia-se que a Al Qaeda estava a declarar guerra total ao nosso modelo de vida.

Agora, passados 15 anos, a Al Qaeda parece ter ficado desmembrada e enterrada com a morte de Bin Laden, mas das areias do deserto emergiram grupos e grupúsculos que estão a realizar a desestabilização terrorista do Ocidente ambicionada por Bin Laden. Dois anos e meio depois do 11 de setembro, em 11 de março de 2004, foi a matança de 200 pessoas e um milhar de feridos nos hospitais com as bombas nos comboios de Madrid. No ano seguinte, em 7 de julho de 2005, foram os ataques no metro de Londres, 56 mortos e 700 feridos. Veio 2007 e fomos apanhados pelo colapso do sistema de especulação financeira – desespero para tantos milhões de pessoas. O terrorismo alastra de modo contínuo, por meio mundo. Os EUA estão massacrados por uma sucessão de episódios de violência racial. Há a infernal sequência de atentados terroristas na África central e mediterrânica, no Médio Oriente, no Paquistão, na Índia, no Bangladesh. E nem é preciso relembrar Paris e Bruxelas. Uma potência europeia decidiu sair da União Europeia. O que pode significar a separação de uma cidade universal como é Londres?

As coisas acontecem e mal temos tempo para pensar na resposta justa. Provavelmente, é o que mais convém a quem nos ataca, sendo que o pensamento sereno e a inteligência estratégica são armas fundamentais para a nossa esperança.

A informação, rigorosa, sem dramatização, sem efeitos especiais, é outra arma vital num tempo em que, como evocou David Grossman numa entrevista ao La Repubblica, "o terrorismo está com uma força imensa, capaz de paralisar uma sociedade civil e reforçar os estereótipos racistas". Grossman, grande escritor hebraico, valente militante pacifista, vive no centro de uma história dramática, a da guerra entre Israel e a Palestina, sofreu a dor da perda de um filho na guerra do Líbano, ele avisa-nos nesta entrevista ao La Repubblica: "É previsível que quanto mais uma sociedade estiver exposta ao terrorismo, tanto mais fortes se tornem as forças nacionalistas e racistas. Assim veremos nos próximos tempos a instalação de mais governos de direita que ao imporem medidas duras vão empurrar minorias para a posterior radicalização".

Nestes dias decorre em atmosfera de epopeia a entronização de Donald Trump como candidato presidencial dos republicanos e não apenas os menos moderados nos EUA. Parece evidente que o derramamento de sangue como aconteceu em Dallas ou em Baton Rouge dá votos a Trump. Também parece claro que o triunfo das ideias de Trump não é coisa boa para a democracia.

As ferramentas que tínhamos para entender o que se passa à nossa volta não estão a responder. Os media serão preciosos se forem capazes de dar a mão para fazer compreender. Isso também implica saber dar consistência ao tempo.

TAMBÉM A TER EM CONTA:

A repressão humilhante imposta pelo vencedor na Turquia. Milhares de soldados, juízes e procuradores, acusados de cumplicidade com os golpistas e com a oposição, estão na primeira linha da repressão desencadeada pelo regime de Erdogan. As imagens da agência ANSA que fazem a primeira página no L"Unità e no Corriere della Sera evocam as purgas na URSS de Estaline, na Alemanha de Hitler ou na China de Mao e Deng: centenas de militares prisioneiros, como se fossem animais lidados com desprezo, vergados, com o tronco nu, mãos algemadas atrás das costas. É a lógica do arbítrio de um regime que ameaça voltar à pena de morte.

O arrependido ghostwriter de Donald Trump: com remorso e com temores.

Faltam duas semanas para o começo dos Jogos Olímpicos. O que mexeu no Rio de Janeiro.

Uma primeira página escolhida hoje no SAPO JORNAIS: o assunto também é o calor.

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