Mesmo em plena época da semana da Moda (Nova Iorque terminou ontem, Milão a começar e Paris a seguir) pode parecer fútil escrever sobre vestidos e tendências. De facto, é. Da mesma forma que perder tempo com cremes, produtos de maquilhagem, cabelos e sapatos também é intelectualmente pouco estimulante.

Se é certo que há preocupações maiores - porque há - também é verdade que deve haver espaço na nossa vida para de tudo um pouco, incluíndo uma gargalhada. A maior parte das pessoas leva-se demasiado a sério, com uma vida tão regrada e complexada (diferente de complicada) que tudo se torna um valente enfado.

Nunca é um vestido. Ou par de mãos com unhas vermelhas, uns sapatos de salto alto ou um apontamento que faz a diferença numa roupa cinzenta. É tanto o que projecta como a segurança que nos dá para enfrentar o mundo. A questão que se coloca é simples: porque razão dependemos tanto da imagem que projectamos no outro, e porque razão essa imagem, para além de determinante, nos consome tanto tempo.

Consta que estas questões da igualdade de género, do salário igual para trabalho igual, dos direitos da mulheres, e outras questões associadas, são conversa de feministas burguesas que não têm mais o que fazer. Não é verdade. Essas supostas feministas têm, normalmente, bastante com que se entreter e escolhem dedicar-se, também, a dar o seu contributo para mudar o estado das coisas, em defesa das mulheres, essas outras que não são feministas ou burguesas, e que não têm tempo para reflectir sobre estas questões ou disponibilidade para o fazer. Porque trabalham muito, sendo esse muito em volume e número de horas. Umas aterram na cama por exaustão, outras aterram na cama exaustas. Em qualquer um dos casos, há um excesso que convém combater: física e intelectualmente. Aplica-se também aos homens, esses que não gostam de mulheres que se defendem e apoiam, porque consideram nada haver a discutir. São, também eles, vítimas da ausência de consciência, da falta de tempo e disponibilidade para ver as coisas como elas são ou, simplesmente, falta de noção, que também acontece bastante.

Isto para dizer que trabalhamos muito (demais?), com pouco tempo para quem somos e os que nos rodeiam. Se para os homens a questão se coloca essencialmente ao nível do ritmo frenético e da excessiva exigência para uma remuneração que não cresce, para as mulheres o problema é o mesmo com a agravante que outras questões também e colocam: dos filhos à exigência com a aparência, não faltam questões para debater e que, invariavelmente terminam no vestido que usamos. Se é curto ou comprido, liso ou às flores. Como se um vestido determinasse quem somos, o que fazemos ou a nossa competência para tal. Não define, muito embora possa parecer que sim.

O grau de exigência com a aparência, para muitos homens, resume-se ao fato, gravata, cabelo e barba aparada. Para uma mulher, nunca há opções verdadeiramente consensuais e a panóplia variada torna tudo bastante mais difícil. Para além do cabelo, unhas, sobrancelhas e outras pilosidades inimigas da perfeição. Ela é linda sem make up, não tenho dúvida. O movimento poderá ter feito algumas agirem em conformidade, adoptando uma postura mais simples e real, resultado de um movimento em torno de padrões de beleza irreais fomentados durante décadas pelos media e a indústria da moda.

O estereótipo para a mulher define-a em várias categorias e perde tanto em exactidão como actualidade. Na verdade, a sociedade evoluiu tão rapidamente que a questão da roupa que vestimos não pode continuar a definir a profissão que temos, ou assumir-se como determinante para o emprego que desejamos conquistar.

Se a indústria da moda já o entendeu, politizando a sua mensagem nos grandes desfiles, apoiando a diversidade e integrando a diferença, falta que as organizações reconsiderarem a forma como enquadram os indivíduos, baseando-se no seu aspecto. Talvez por isso, seja tão importante reforçar a mensagem de que um vestido é (mesmo) apenas um vestido enquanto artistas, actrizes ou modelos como Alicia Keys, Cindy Crawford, Katie Holmes, Gwyneth Paltrow, Cameron Diaz, Sharon Stone, Salma Hayek aparecerem publicamente de cara lavada e vestidas normalmente - para nos relembrarem que somos todos pessoas normais e que não é nem a roupa ou a maquilhagem que determina o nosso sucesso.

Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.

Artigo corrigido às 18h06

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