Foquemo-nos nos atentados na capital europeia: sabemos que os terroristas contam com a ação dos media para amplificar a sua agressiva mensagem de terror e gerar a onda de medo. Os terroristas servem-se da lógica dos media, conhecem-lhes a gramática, exploram os mecanismos psicológicos. Questão: como pode o jornalismo tratar a informação sobre os ataques terroristas sem ao mesmo tempo servir a propaganda pretendida pela perversa agenda dos agressores?

Há alguns exemplos de práticas que são bons casos de estudo. Não estão vistas, não foram exibidas, imagens de corpos devastados no 11 de Setembro em Nova Iorque. Que imagens temos desse dia? Vimos um dos aviões a aproximar-se e a chocar com uma das twin towers. Vimos as explosões - e não podemos alguma vez esquecer essas imagens. Tal como as do aterrador desmoronamento das torres. Mas quase não vimos pessoas, os corpos não foram visíveis, o seu sofrimento não foi exposto. Há imagens de pessoas, homens e mulheres que, para escapar ao inferno das chamas, se atiraram sobre o vazio a partir de andares altos das torres. Mas nunca nos foram mostrados grandes planos dessas pessoas que saltaram para outro modo de morrer. Não as vimos de perto, não lhes vimos o rosto em sofrimento. Percepcionamos esse tremendo sofrimento, mas somente na nossa imaginação. Ele não nos foi mostrado. Não era preciso exibir em grande plano essa atrocidade a que cada pessoa foi submetida. É sabido que esta ausência de corpos das vítimas do 11 de Setembro alimentou polémicas, sobretudo a especulação de que os americanos ocultaram as imagens dos corpos porque quiseram evitar mostrar que deixavam de ser intocáveis. Mas é facto que as imagens (e a sua incessante redifusão) de corpos destroçados nada acrescentariam à compreensão do que estava em causa.

A guerra iniciada nesse 11 de Setembro de 2001 está repleta de momentos de tremenda atrocidade. Também houve pudor com as imagens do 11 de março de 2004 em Madrid. Ou com a decapitação, em 2014, do jornalista James Foley: então, os media de referência recusaram-se a exibir o chocante vídeo da execução realizado pelo autoproclamado estado islâmico. Aquele vídeo era a apresentação de um troféu como propaganda dos assassinos. Foi bem evitar a difusão do espectáculo do terror.

É facto que há imagens de violência que têm a virtude de serem reveladoras. São por isso necessárias. Os vídeos do espancamento de Rodney King, em 1991, por agentes da polícia de Los Angeles, ou o do assassinato de Walter Scott, em 2015, por um polícia de North Charleston, serviram para documentar a brutalidade de algumas práticas por polícias nos EUA.

Há muitos horrores que só realizamos terem acontecido por termos visto a prova em imagens. My Lai ou Abu Ghraib são exemplos clássicos. Mas não precisávamos de ver as imagens de corpos de turistas massacrados por terroristas na praia de Sousse, na Tunísia, no ano passado, para entendermos a monstruosidade daquela matança. Tal como outras praticadas pelas internacionais terroristas.

Sabemos que propaganda é informação que transmite de modo poderoso uma mensagem. Os terroristas que atacaram em Paris, em Istambul, em Ancara ou em Bruxelas contam com o efeito de ampliação da bomba mediática que aqueles lugares produzem e que não é atingida numa matança em Bamako ou em Lahore. O kamikaze que se fez explodir este domingo de Páscoa num parque frequentado por famílias na principal cidade do Punjab paquistanês levou pelo menos 72 vidas (entre estas, 30 crianças) e feriu 340 - "vil atentado", definiu o Papa. A dimensão do massacre é muito maior que a dos ataques em Bruxelas mas o tratamento mediático é quase passageiro. Em contraste com a exploração non stop no habitual loop catódico dos ataques em Bruxelas.

Obviamente, há o efeito de proximidade. Bruxelas é uma nossa referência cultural, é a capital do que queremos que continue a ser a nossa Europa. Está lá uma parte substancial do comando administrativo da nossa vida. Estão lá dezenas de milhar de compatriotas. Morreram nos atentados de 22 de março 30 pessoas e ficaram feridas 300. É terrível, sim. Mas a cobertura exaustiva, muitas vezes tão especulativa quanto pouco profunda, tende a acabar por servir a instrumentalização desejada pelo inimigo que ataca. O apocalipse relatado, se levado ao extremo, tenderia a levar os cidadãos europeus a barricarem-se em casa e a só saírem à rua dentro de um blindado. Esta espécie de convergência entre terroristas e sistema mediático gera uma onda de medo. O poder simbólico e emotivo dos atentados contra populações civis, relatados em emissões em contínuo e dramatizadas por um sistema mediático que sabe que o terror vende, torna-se cada vez mais gerador de ânsias e medos coletivos. Este espectáculo do medo é uma armadilha. Ainda que a nossa vida de todos os dias siga igual, embora, talvez, com acrescido sentimento de insegurança.

A estatística europeia apurou que ao longo do ano 2014, no conjunto dos 28 países da EU, morreram 25.896 pessoas em acidentes na estrada. A comparação com os efeitos, também devastadores, dos atentados terroristas, não pode deixar de nos fazer parar para pensar. Estamos numa guerra e até por isso não dá para que se instale o espetáculo do medo.

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O Nobel turco Orham Pamuk constata no El País: "a crise migratória está a comer os valores da Europa". É uma entrevista para ler aqui.

A reconquista de Palmira revela que a jóia arqueológica no deserto sírio não estará tão irremediavelmente devastada quanto se temia. A cidade antiga, apesar de profanada, sobrevive à barbárie.

Mick Jagger levou a Cuba a voz que canta the times are changing. Mas também mudam nos EUA: os êxitos de Bernie Sanders mostram como a política dos Estados Unidos tem novas regras. O senador progressista continua a seduzir eleitores e a encravar a prevista marcha triunfal de Hillary Clinton. Entre os republicanos, algumas elites moderadas estão a constatar que perdem o partido para Donald Trump. Vale lembrar que o democrata Michael Dukakis, no início do verão de 88, tinha 10 pontos percentuais de avanço sobre George Bush mas, em novembro, o republicano foi quem venceu. Pode estar no horizonte um regresso ao passado?

A pessoa que dá corpo à personagem do vilão Frank Underwood: Kevin Spacey, o ator que abre portas a jovens talentos.

A primeira página escolhida hoje no SAPO JORNAIS. Luaty Beirão condenado a cinco anos e seis meses de prisão e outros 16 activistas enfrentam penas de dois a oito anos. "Só um regime covarde enjaula assim", comenta no Expresso o diretor, Pedro Santos Guerreiro. Em Angola, é mostrado assim. E assim.