O mundo é um lugar violento e as pessoas têm uma natureza violenta que a socialização tende a controlar. Para além da trágica convulsão química que mata e para a qual fechamos os olhos, há outras tragédias, privadas, que desfiguram ou deformam a vida de muitas pessoas. Na violência doméstica interferem as hormonas que provocam desequilíbrios que afetam a personalidade, tornando-a mais agressiva do que aquilo que é socialmente aceite. Do que aquilo que também nós aceitamos. Interferem igualmente distúrbios psicológicos, não diagnosticados, que transformam pessoas aparentemente normais em verdadeiras bestas quadradas.

O conceito da besta quadrada aplica-se tanto a quem esbofeteia, esmurra e atinge fisicamemte outra mas, ainda, aos que têm um gostinho especial em manipular psicologicamente outra pessoa a ponto de a maltratar. São igualmente umas valentes bestas quadradas aqueles que se escondem sob o anonimato que as redes sociais permitem, inundando caixas de comentários com insultos — para o autor ou para os outros que comentam.

Estamos, portanto, perante uma violenta bestialidade. Quadrada.

Uma besta é uma cavalgadura mas, igualmente, um homem de apetites depravados ou, simplesmente, o homem, no seu aspeto mais desfavorável. A definição é absolutamente sexista porque, também elas podem ser depravadas ou animais. Ambos são, no sentido mais negativo da expressão, verdadeiramente ignorantes, burros e tolos. Já o sufixo, quadrado, respeita à sua elevação ao quadrado, superior ao comum. Imaginem o que seria uma besta ao cubo, ou seja, elevada ao cubo. Há, entre aqueles que são violentos, bestas à enésima potência. A matemática não falha: são animais descontrolados e deveriam estar enjaulados, dada a sua perigosidade.

Nunca, como agora, tantas mulheres foram notícia pelas piores razões. São famosas, figuras públicas ou celebridades e, por isso, se vítimas de violência doméstica, o facto é noticiado, amplamente partilhado e comentado nos sites de redes sociais. Somos naturalmente curiosos e os casos que envolvem estas pessoas servem como exemplo daquilo que não pode acontecer.

A violência doméstica sempre existiu e, durante décadas, foi socialmente aceite. O papel social da mulher reservava-lhe esse lugar subalterno na dependência do marido que, na maior parte vezes, tomava decisões em seu nome, punindo os seus desvarios ou castigando-a fisicamente a seu bel prazer. Esse tempo nunca deveria ter existido porque, independentemente do papel de cada membro na família e na sociedade, qualquer acto violento não pode ser normalizado. Não temos todos de ser muito bonzinhos mas também não podemos resolver a vida ao murro ou à pedrada. Podemos?

Sabemos que são as mulheres as principais vítimas de violência mas os homens também não escapam, embora o número de casos de vítimas de crimes violentos do sexo masculino seja muito inferior. Os números estão disponíveis para consulta e não enganam: continuamos a ser incapazes de refrear os nossos instintos violentos, atacando aqueles que consideramos mais fracos do que nós, pressionando (e manipulando) os que dizemos amar.

O “amo-te muito, mas…” não vale. Não serve. Não pode. Não pode, sobretudo, estar associado a lágrimas ou um olho negro. Dele. Ou dela. Mais amor, sentido, e menos amor atirado da boca para fora, reforçado com um bofetão. Obrigada.