Ando a combater com esta mania de querer dizer as coisas como as penso em vez de as dizer dentro de uma forma que se pode classificar, nos dias que correm, como “politicamente correcta”. Sou acusada de ser frontal e bruta muitas vezes, é um karma como outro qualquer, assim fico com a fama e o proveito. O que me atormenta é o moralismo em que vivemos. Quem é que define o que é ética e moralmente correcto quando toca às coisas da sexualidade? Não, esta não é uma crónica sobre o Kevin Spacey, o Harvey Weinstein e afins. Nada disso. O que me preocupa é uma situação como esta que passo a descrever.

Na sala de aula de uma universidade decorre, num silêncio perturbado pelo choro, um exame. O professor, constrangido, aflito com a aflição da aluna, aproxima-se da mesa da rapariga e pergunta, em sotto voce, se há algum problema (bom, é evidente que há!), e a estudante continua a soluçar. O professor pede para o acompanhar e saem da sala, com o objectivo de não perturbar o resto da turma.

A rapariga lá começa a desbobinar o filme trágico que é a sua existência, perdeu o emprego, as chaves de casa, o gato teve um ataque cardíaco e mais não sei quantas coisas deprimentes e avassaladores que podem ocorrer na vida das pessoas. Está um caco. O professor tenta o consolo e uma solução: “Bom, nesse caso, se não está em condições de fazer o exame, o melhor será fazer na amanhã na outra turma...”.

A moça continua em prantos, são sete da tarde, a universidade não está a borbulhar de gente, não há testemunhos deste encontro, e o professor consola a aluna, coloca-lhe (ó meu Deus!) uma mão no ombro. Lá se consegue chegar a uma certa calma, regressam à sala de aula e a aluna recupera forças e ânimo e faz o exame. O professor conta este episódio a outros professores que o olham chocado: tu tocaste numa aluna sem testemunhas? Tu sabes que isso agora é assédio?

É triste que gestos de consolo possam ser confundidos desta forma, ou não é? Eu acho que é. Se tocar nas pessoas começa a ser pretexto para uma acusação, vamos viver amarrados, contidos, vigilantes uns dos outros e, pior ainda, vamos condenar as próximas gerações a terem uma sexualidade muito infeliz. Sim, a sexualidade deve ser vivida de forma saudável, de acordo, mas com tanto fiscalismo agora temos de perguntar: posso tocar-te? Posso beijar-te? Posso colocar a mão no teu corpo? É isto que os jovens devem fazer uns com os outros, para que estejam isentos dessa coisa perigosa que é a acusação?

Se assim é, só posso dizer uma coisa: ainda bem que nasci em 1970. O que sinto é um retrocesso civilizacional em termos de comportamento, uma obsessão pela vigilância, um discurso pelo politicamente correcto que cai constantemente num moralismo que ninguém sabe quem define ou comanda. Será isto saudável?

Uma coisa é certa, este professor nunca mais consolará aluna alguma. E os meus afilhados mais novos, quando chegarem à adolescência, e se questionarem sobre o seu próprio corpo e o dos outros ou outras, terão de fazer um percurso deveras complicado e, antevejo, perigoso.