Longe vão os tempos em que a mulher casava e vivia para cuidar da casa e dos filhos. Se o faz, é por opção, uma liberdade conseguida pela sua própria emancipação e evolução dos papéis sociais. No que respeita à maternidade, ainda que seja a mulher a amamentar, creio que pais e mães estão igualmente habilitados a cuidar dos seus filhos, especialmente a partir do momento em que a criança não depende da amamentação. Não vale a pena discutir quanto tempo deve - ou não - um bebé beber leite materno. Defendo que depende do comportamento, necessidades e saúde da criança. E da mãe. Não vamos criar regras para algo que é excepcional (de maravilhoso, não de excepção) e único.

Os pais assumem cada vez mais esse papel de cuidadores, que lhes esteve socialmente vedado durante muito tempo. Por estranho que possa parecer, eles, com as suas mãos grandes e aparente falta de jeito, são naturalmente perfeitos. Quando seguram um recém nascido com uma mão, apoiando parte do corpo da criança no braço para o fazerem boiar na banheira, deixando a criança relaxar, quando mudam as fraldas ou os acolhem nos braços para dar a papa. Quando os seguram pela mão, lhes pegam ao colo com sacos e mochilas e tudo o que aqueles braços e costas conseguem carregar, quando ajeitam os totós delas ou apertam os atacadores deles. São, em (quase) tudo, iguais a nós, com a diferença que são mais relaxados - sem serem inconscientes; mais pacientes - porque não estão a braços com a maternidade e o desequilíbrio hormonal, as mamas a explodir e o corpo a recuperar; mais carinhosos - porque se concentram no essencial, sem pensarem 24/7 se a criança está, ou não a respirar.

Tive um pai que nunca se preocupou com essa coisa do homem da casa e uma mãe inconscientemente feminista que sempre lutou pelos seus direitos, mesmo quando não sabia que o estava a fazer. Banho, fraldas, refeições... Está tudo registado na memória deles e em imagens que me simulam a memória de um tempo que não consigo recordar. As suas descrições da aventura que era alimentar-me, das fraldas de pano ou do adormecer ao seu colo com a mantinha. A minha mantinha. O seu colo. 

Licença parental? Naquele tempo não havia. Mas havia a consciência de que um filho tem pai e mãe e que, se ambos se envolverem é mais fácil para todos, e melhor para a criança. Também tenho um pai que nunca teve qualquer problema em dividir tarefas, mesmo quando ambos se referiam a isso como o politicamente incorrecto, ajudar em casa. Sempre vi o meu pai fazer tudo e, hoje, se tiver que o deixar com a neta sei que irá fazer tal como eu ou a minha mãe fazemos. Com mais excessos, inclusivamente, porque o avô deixa tudo. Ou quase tudo...

Isto para dizer que é urgente mudar mentalidades porque há muitos homens que gostariam de participar mais na vida dos filhos mas, não o fazem, porque receiam prejudicar a sua carreira. Ou simplesmente, perder o emprego. Estudos comprovam que os homens são mais facilmente questionados relativamente ao seu desempenho quando se envolvem nas tarefas em relação aos filhos |ler|. A relação trabalho-família depende da percepção em relação trabalho, aspecto que a crise económica, com maior desemprego e emprego precário, não tem facilitado nos últimos anos.

Estudos indicam que esta relação deve ser prioritária para as organizações porque trabalhadores com elevados níveis de bem-estar produzem mais e melhor, desenvolvem trabalho em equipa e contribuem para a eficiência da organização. Ou seja, investir nesse bem-estar através da relação trabalho-família é um investimento na própria organização. Verifica-se, em relação a esta questão, que muitos mentem sobre as suas responsabilidades familiares porque, de facto, é comum a mulher sair para ir buscar as crianças à escola ou faltar porque o filho está doente. Apesar de cada vez mais vulgar, não é, ainda, tão usual, ouvir o pai afirmar o mesmo. E porque os pais querem mesmo envolver-se neste processo, isto tornou-se uma fonte de stress, entre aquilo que são os seus desejos, o que consideram ser parte da sua responsabilidade familiar e parental, os papéis sociais e o que as empresas esperam deles.

Há muito que se discute a questão do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, com o foco, muitas vezes, na mulher, na forma como tem de gerir as várias dimensões da sua vida: pessoal, profissional, familiar. Tenho para mim que nos esquecemos deles, especialmente aqueles que sentem esse apelo (e apego) para cuidar dos filhos. O envolvimento do pai é fundamental, porque garante maior realização para o casal e os seus filhos.

Marcos Piangers acredita que um pai presente muda tudo. Eu também. Acredita que não são treinados para isso e que sentem falta de representatividade nesse meio. Eu também. Marcos acredita que um pai participativo pode melhorar a vida da mãe, do filho e dele mesmo. Eu tenho a certeza. Como tenho a certeza de que isto de trabalho e família é para gerir a dois, independentemente de viverem, ou não, na mesma casa, de partilharem, ou não a mesma vida. Porque terão sempre uma vida em comum: a dos filhos.

Nós, por cá, partilhamos. Não é negociável. Somos pai e mãe, não há razão para um cuidar e outro brincar ou passear. Cuidar exige tempo e paciência. Cuidar é fazer crescer e educar. Dizem os psicólogos que, a par com a brincadeira, cuidar de forma partilhada contribui para crianças mais equilibradas. Pela minha experiência, não deixa nenhum dos dois sobrecarregado, o que permite que ambos estejamos presentes. E não apenas de corpo presente.

No Dia Internacional da Mulher mostrei homens que não receiam as tarefas domésticas e que não têm problemas em admiti-lo publicamente. Parece-me que esta - da divisão das tarefas ou da divisão das responsabilidades com os filhos - será mais uma questão de bom senso do que de feminismo ou machismo. Se um de nós tem mais tempo disponível ou maior flexibilidade, porque razão há-de estar o outro sobrecarregado? A mulher já não fica em casa, sem fazer nada como gostavam de afirmar. Da mesma forma, há muitos homens cujo trabalho, em regime freelancer, permite conjugar o trabalho, a casa e a família, pelo que essa coisa do lugar da mulher ser na cozinha tem de acabar. Porque o lugar do homem também é a trocar fraldas.

Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.

Artigo corrigido às 15h56, com a alteração da expressão "licença de maternidade" para "licença parental"