O mito grego parece antecipar a realidade de rapto neste século XXI. A ideia de Europa, tal como foi imaginada a meio do século XX, depois do inferno de duas guerras, por personagens generosas, audazes e visionárias como Jean Monnet, Robert Schumann, Konrad Adenauer e Alcide De Gasperi, está sequestrada. A Europa atual, declarada no papel ainda como uma União, nada tem a ver com a idealizada pelos pais da pátria europeia.

Os atuais dirigentes europeus vão encontrar-se no final desta semana em Itália para celebrarem os 60 anos do Tratado de Roma, fundador das Comunidades Europeias, precursoras da atual União Europeia. A celebração até vai poder ter champanhe, depois de no voto holandês de há uma semana ter ficado claro que naquele país, suspeito de ideias de divórcio com a União Europeia, há uma maioria clara que não quer correr esse risco do rompimento. A Holanda trouxe um alívio aos defensores da ideia de União Europeia, mas não haja ilusões: esta Europa está mesmo com alma sequestrada.

Um dos últimos políticos que participaram na redação do Tratado de Roma e que estão vivos, o ex-presidente francês Valery Giscard d’Estaing, hoje com 91 anos, defendeu esta semana numa entrevista ao L’Espresso que a salvação da Europa passa pela refundação da União Europeia, a partir de um núcleo duro constituído pelos seis países fundadores (Alemanha, França, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo) mais três países solidários com o ideal europeu: Áustria, Espanha e Portugal.

Talvez seja uma boa ideia. A verdade é que a regressão do ideal europeu começou já neste século XXI, com os sucessivos alargamentos que fizeram a União passar de 15 para 28 membros. Esta Europa tornou-se um elefante politicamente paralisado, com enormes diferenças, burocracias, injustiças e escassa solidariedade no seu interior. Está uma Europa que parece reduzida a praça de negócios, com os cidadãos castigados pelas desigualdades e com a cultura liberal reprimida. A aspiração de um espaço que partilha valores culturais, civilizacionais, de democracia e de liberdade está encalhada num muro que fratura esta Europa. Veja-se o que é a orientação política dominante em países como a Hungria ou a Polónia. Não é esta a Europa de que precisamos, muito menos a que faz sonhar.

A União Europeia representa cerca de 7% da população, 20% do PIB e 54% da despesa social no mundo.

Pergunta-se: como é possível que um projeto audaz, generoso, tão cheio de esperança, como era a União Europeia se tenha transformado numa tão impopular manta de retalhos que leva cada dia mais gente a perceciona-la como uma fonte de riscos, debilidades e inseguranças? E que fomenta o nacionalismo em caldo populista.

O alargamento da União Europeia para Leste - são 12 os países que entraram entre 2004 e 2007 -, gerido com superficialidade, talvez seja uma das causas do atual desapego. Entraram países muito mais inclinados a desfrutar as vantagens do que a partilhar os valores. Entre os novos sócios, alguns parecem conservar a mentalidade da “cortina de ferro” soviética, não respeitam os padrões europeus em matéria de direitos civis e introduziram na burocracia de Bruxelas ainda mais impossibilidade de uma linha de ação comum que possa ser estimulante. O alargamento, em vez de reforçar fez debilitar o conjunto da União. É facto que a nova configuração da Europa reforçou o papel central e a ambição da Alemanha.

Nos 60 anos do nascimento das Comunidades Europeias tudo leva a pensar que a hipótese federal de Estados Unidos da Europa, depois de ter sido uma ambição que fazia sonhar, está sequestrada pelas novas realidades. O que temos agora é um espaço de mais ou menos livre circulação de pessoas e mercadorias, uma moeda sem Estado e que nem é comum a todos, ausência de política exterior comum, grande falta de coesão e enorme disparidade na produtividade e nos rendimentos. Para muita gente esta União Europeia parecer gerar mais danos do que benefícios e a austeridade que irrompeu neste século agravou crises sem as resolver. No entanto, a existência desta União tem permitido evitar guerras e mais fome, e promover o desenvolvimento de países mais atrasados, como era o caso de Portugal.

O regresso dos líderes esta semana a Roma pode ser uma oportunidade para ser tentada a libertação da Europa. A ideia de Giscard d’Estaing de regresso às origens com um núcleo duro que ele vê com nove países talvez seja um avanço corajoso. Nove países apenas parece demasiado pouco, fica difícil aceitar que a Irlanda, a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia ou a Grécia fiquem de fora. Perturba excluir outros, embora tenham sido eles a levantar barreiras e a pôr-se de fora.

O retorno às pequenas pátrias é perigoso. A evolução requer audácia, visão e ponderação, sempre tendo em conta que a União Europeia significou, depois de duas terríveis guerras mundiais, paz, desenvolvimento e bem-estar. A que se juntou, depois da queda do império soviético, ampliação da democracia. Mas, agora, há retrocessos.

No verão de 1914, após o atentado de Sarajevo, era óbvio para os dirigentes europeus que o cataclismo da guerra estava pela frente, mas eles continuaram sonâmbulos. Um século e três anos depois, a celebração em Roma do tratado que garantiu a paz em todo este tempo pode ser uma ocasião para tentarem salvar a Europa. Mas é preciso muito otimismo para acreditar que essa audácia seja possível.

Também a ter em conta:

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