Vejamos então o que sucedeu. O Tribunal dos Direitos do Homem de Estrasburgo, na análise a um caso passado na Roménia há dez anos, considerou lícito que as empresas controlem o conteúdo das comunicações electrónicas dos seus trabalhadores, desde que tal ocorra durante o horário de trabalho e sejam previamente avisados. Ainda que a decisão não obrigue os restantes países a acolherem como jurisprudência, os especialistas avisam que, em geral, é isso que acontece.

A gravidade da decisão está em si mesma, no que põem em causa sobre liberdade individual e o direito à privacidade, mas também no que diz respeito à forma como se encara o trabalho. Na verdade, qualquer de nós que tenha trabalhado no espaço físico de uma empresa, dias a fio, sabe que é impossível essa não ser também a sede de uma série de decisões e acções individuais diárias: do atraso na chegada a casa à gestão familiar de horários e refeições, no controle dos horários dos filhos como na simples decisão sobre compras de supermercado, ou mesmo na mensagem amorosa que assinala um momento especial. A empresa a que nos dedicamos, tantas vezes mais do que merece, torna-se uma segunda casa – onde muitas vezes comemos (ou será que também vão ser monitorizadas as marmitas?) -, e é impossível viver nela sem a misturar com a primeira casa... Para bem da própria empresa.

É isso que, em última analise, torna absurda a decisão do Tribunal dos Direitos do Homem: ela contém em si um corte radical entre a vida pessoal e profissional do trabalhador, com prejuízo para este último, claro, mas consequências directas para as empresas. Isto ocorre, por estranho que pareça, num momento em que a ideia de trabalho se “desmaterializa” e “desconstrói” justamente no sentido de integrar todas as frentes da vida adulta numa única vida, onde é possível trabalhar em casa ou comer no emprego, conciliar o estudo com a profissão, definir o ócio em função de uma mais ampla conjugação dos interesses entre quem trabalha e quem gere o trabalho.

Neste quadro, o respeito pela privacidade de um profissional devia ser a pedra basilar desta relação moderna entre a empresa e o trabalhador – e o correio electrónico, que é praticamente a única forma de correio dos tempos actuais, um sagrado espaço privado reservado a cada um de nós. Comunicarem previamente que vai ser violado é uma forma bem-educada de nos dizerem que vão fazer o que não devem, mas pelo menos avisam...

Faz lembrar aqueles serial-killers dos anos 80, os irmãos Cavaco. Certo dia, numa entrevista sobre as vítimas que deixaram pelo caminho, à pergunta sobre o que sentiam quando matavam alguém, um deles respondeu com assustadora candura: “Quando mato alguém fico um bocado deprimido, mas depois passa”.

As empresas que monitorizam os mails pessoais dos seus trabalhadores também devem sentir algum incómodo quando abrem o mail apaixonado de parabéns que o marido envia à mulher no dia do aniversário de casamento – mas depois passa... E ninguém diz nada. Estranho mundo este, onde se faz tanto barulho por tão pouco, e um assustador silêncio sobre tanto.

Três escolhas livres da semana

Ainda os americanos do Texas estão a tentar fazer um balanço da passagem do furacão Harvey, já os habitantes da Florida “recebem” outra ameaça de nível máximo: o “Irma”, que arrasa uma vasta região das caraíbas. Aqui se explica o que está em causa, e o que pode acontecer.

Um artigo sobre uma palavra que faz muita falta a boa parte das empresas que operam em Portugal e nos querem conquistar: empatia. Um dos segredos da comunicação e do marketing actuais, muito bem observado por Karla Cook, editora do HubSpot Marketing Blog.

Talvez a mais clara matéria sobre o que está em causa, e o que está a acontecer, na crise nuclear que opõe todo o ocidente à loucura da Coreia do Norte. Entre textos e vídeo, os elementos essenciais. The Guardian, para variar, na frente da informação.

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