As generalizações são potencialmente injustas e esta que vou fazer não será uma excepção. Fechado o processo orçamental deste ano e conhecido o Programa de Estabilidade e Crescimento que temos pela frente, estou convencido que a solução governativa PS+3 é mais um projecto de comunicação do que um projecto de governação.

Anuncio já alguns dos potenciais injustiçados. Acredito na nova geração Simplex e nos bons resultados que dali podem sair. Maria Manuel Leitão Marques já mostrou o que pode fazer quando liderou a primeira geração, no primeiro governo de José Sócrates. É verdade que se deve fazer muito mais do que passar da burocracia do papel para a burocracia electrónica, mas esta, pelo menos, tornou a vida menos pesada para cidadãos e empresas que não podem escapar-lhe.

Também acredito nas ideias e na capacidade de execução da área do Ministério da Economia que está entregue a João Vasconcelos. O país precisa de um choque de empreendedorismo, precisa de muita gente que testa, falha e volta a tentar sem estar à espera do subsídio ou do negócio rentista acertado nos salões de hotel.

O secretário de Estado da Indústria já mostrou do que é capaz no contributo que deu para colocar Lisboa e, com ela, o país no mapa global das "startups". Ainda esta terça-feira a BBC falava disso. E esta publicidade positiva não tem preço.

Haverá outras áreas da governação promissoras e capazes de entregar bons resultados mas refiro-me, na generalização, ao essencial da política orçamental e económica. Aquilo que estamos a observar em Portugal é, salvaguardando as devidas proporções, semelhante ao que se passou na Grécia do Syriza: muitas ameaças, muitas promessas de um "tempo novo" para depois acabar tudo pior ou, quanto muito, quase igual. As proporções são diferentes porque o ponto de partida é muito diferente - cá com um único resgate e uma saída limpa e lá com uma sucessão de empréstimos e de doses de austeridade - e o radicalismo das promessas políticas foram também muito diversas - não temos por cá um Varoufakis e Mário Centeno está mais próximo da via da responsabilidade orçamental do que muitos suspeitariam ou gostariam.

Descontando a diferente intensidade, o que se está a passar é semelhante. As declarações de fim de austeridade, de renegociação de metas orçamentais, de projectos de reestruturação da dívida, de um "novo ciclo", um "tempo novo", de umas verdades que Bruxelas ia ter que ouvir e afins deram origem, afinal, a um Orçamento do Estado para este ano que cumpre as metas impostas pela Comissão Europeia.

Entre o esboço orçamental e o documento que está em vigor vão umas léguas de diferença. E, não tenhamos dúvidas, mais medidas de contenção serão implementadas se e quando a derrapagem acontecer ao longo do ano. O decreto de execução orçamental, que dá plenos poderes ao ministro das Finanças - parece decalcado dos que levaram a assinatura de Vítor Gaspar -, é disso um sinal que não engana.

Mais gritante ainda é o PEC. As trajectórias que são agora apontadas pelo governo até ao final da década estão muito próximas das que constavam do PEC elaborado há um ano pelo governo PSD/CDS, diabolizadas por toda a esquerda por representarem, diziam, um prazer pela austeridade, o radicalismo ideológico e a falta de sonho e por materializarem a errada visão de que "não há alternativa". Afinal, olhando para este PEC, parece que não há mesmo alternativa.

Compare-se este documento com o plano inicial do PS, elaborado há um ano pela equipa de economistas liderada por Mário Centeno, e veja-se como essa alternativa não passou de um documento bem intencionado. Mas nada disto impede que o governo mantenha e vá repetindo as suas mensagens.

Que a sua política alternativa valoriza mais o crescimento quando, afinal, o que é previsto para o aumento do PIB não difere do que há um ano previa o anterior governo e a generalidade das agências internacionais e muito distante do que então era garantido.

Que a austeridade é passado mas, baralhando e voltando a dar, se sobem alguns impostos para aliviar outros e se faz contenção de despesa em áreas sociais como a Educação e a Saúde para aumentar mais depressa os funcionários públicos.

Que a prioridade é o emprego mas este teima em não aparecer e se mantêm as regras apertadas de admissões na função pública.

Que o investimento é uma aposta mas as previsões, sobretudo para este ano e para o próximo, são uma miragem do que eram nos planos eleitorais.

Pode dizer-se que a culpa é de Bruxelas, que não permite grandes desvios da sua cartilha. Ainda que seja verdade, não era o PS quem prometia que iria à Comissão defender aquilo que pensava serem os interesses do país, contra a linha do aluno obediente? Aguarda-se então uma efectiva mudança de política económica, assente no crescimento, no investimento e na criação de emprego e despojada de austeridade. Os números agora apresentados não a confirmam e, para já, só temos palavras cada vez mais afastadas da realidade.

Outras leituras

- Espanha vai novamente para eleições. Conclusão: "geringonça" não consta do dicionário de castelhano.

- Já se percebeu que o BCE teve um papel fundamental no desfecho da liquidação e venda do Banif. Agora ficamos a saber que esse protagonismo não pode ser verificado ou questionado. Algo de muito errado se passa quando há poderes públicos que não podem ser sindicados.