Não quero saber se o governo é de esquerda, de direita ou do centro. Se é PS, PSD ou Geringonça. Se quem está à frente de determinada pasta é uma senhora ministra, um senhor ministro ou assim-assim. O que importa é que se assuma. Não é disso que estão sempre a falar? Então assumam. De uma vez por todas assumam as responsabilidades.

É o que ensinamos aos nossos filhos, a não fugir com o rabo à seringa, a não se desculpar com terceiros, a chegar-se à frente. Quantas vezes, em pequena, ouvi a frase: «E se ele se atirasse ao rio, também ias atrás?» Hoje as discussões dos ministros estão ao nível das discussões dos putos da escola. Primária. Fazem-me lembrar os meus filhos: «Ele bateu-me primeiro!» Quero lá saber. E, como isto cá em casa é uma democracia até fazerem o que eu quero, ficam todos de castigo.

Mas – notícia de última hora - os ministros não são miúdos. O governo falhou em todas as frentes: no ordenamento da floresta, no combate aos incêndios e, pior de tudo, na protecção das vidas humanas. Consequências? Não há. E não há porque tudo é sempre resultado de uma fatalidade.

Em Junho, a ministra da Administração Interna falava compreensivelmente combalida perante as câmaras de televisão nas condições excepcionais em que ocorreram as trágicas 64 mortes em Pedrógão Grande.. Garantia que nunca Portugal assistiria a algo semelhante. Não era tempo de encontrar culpados, era tempo de agir. Quatro meses depois o mesmo discurso. Agora, no total, 105 mortos. E muitos feridos. Algumas feridas não vão sarar nunca. O primeiro-ministro, António Costa, pede a um jornalista que não o faça rir.

Em quatro meses não era possível ter feito tudo, mas podia ter-se feito alguma coisa. Na Pampilhosa um responsável queixava-se da falta de comunicações. E do investimento feito em calhas ao longo da auto-estrada para colocar no chão os cabos aéreos, completamente derretidos pelas chamas. As estruturas estavam feitas, faltava o resto. Porquê? Não foi falta de tempo. Apesar de estarmos em Outubro, as temperaturas continuaram elevadas, é fácil perceber que o risco de incêndio se manteve. Tal como a necessidade de prolongar os contratos de aluguer de meios excepcionais de combate a incêndios. Por exemplo. Chama-se a isso prevenção.

Muitos jornalistas, nas peças que foram apresentando ao longo de domingo e segunda-feira, falaram em gente a viver «no meio de lugar nenhum». Não, não se trata de extraterrestres, são gente que toda a vida viveu longe, isolada, e devia estar cadastrada pela Protecção Civil. A situação, no entanto, não mudou em nada desde Agosto. As dificuldades sentidas então foram as mesmas sentidas agora.

Também não houve formação para aqueles que, potencialmente, poderiam deparar-se com novas situações de risco. «Devo fugir ou devo ficar?» «A quem devo ligar?» «O que fazer em caso de perigo?» Muitas vezes, a tentativa de ajuda por parte de quem não sabe acaba em tragédia. É bonito dizer que os civis podem e devem ajudar, mas, para isso, é preciso ter alguém a coordenar. E é para isso que serve a formação, a organização, as hierarquias. Senão, só que não estorve já ajuda.

Também no Orçamento do Estado para 2018, apresentado por Mário Centeno quase à meia-noite (um disparate-espectáculo que, para mim, lhe valeria uma sala vazia), não vejo que o governo dedique mais dinheiro à prevenção dos incêndios. Todos os anos se gasta muitíssimo mais a combater do que a prevenir incêndios. Porquê?

Repito: quero lá saber quem começou primeiro. Há aqui responsabilidades criminais e políticas. No segundo caso têm a ver com falta de visão, de planeamento, de estratégia. Nos dois casos é preciso que haja consequências. E, sem consequências no domínio político, que deve ser exemplo, temo que jamais se chegue a algum lado na esfera criminal.
Os ministros, parece, não se chegam à frente e não assumem responsabilidades. Mas isto não é uma fatalidade. Podemos sempre pô-los de castigo. Temos é de nos mexer. Como dizem os nossos vizinhos: «Para lidiar toros y hacer niños hay que llegar-se». Com governo também é assim. E políticos em geral. Manifestações, votos, propostas de lei, movimentos cívicos. E aí sim, é fatal como o destino. Dos bons.

Esta noite Marcelo Rebelo de Sousa deu o primeiro grande puxão de orelhas a António Costa. E o pontapé de saída para aquilo que poderá representar uma viragem na governação do primeiro-ministro: exigiu que a Assembleia da República clarifique se apoia ou não a continuação deste executivo.

P.S. - Os acontecimentos de ontem levaram a ministra a cancelar a cerimónia de tomada de posse do novo director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Carlos Alberto Matos Moreira, marcada para ontem.

O novo director do SEF vem substituir Luísa Maia Gonçalves, demitida por Constança Urbano de Sousa por «incumprimento dos objectivos da tutela», o MAI. Ironias.

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