Na noite de festejo do movimento “En Marche”, numa sala meio cheia do Palácio de Congressos da porta de Versalhes, no sul de Paris, a militância que esperava pelo discurso do vencedor era jovem, elegante, burguesa e urbana.  A nova figura da política francesa representa uma tendência supostamente anti-partidária, nem esquerda nem direita, que se quer moderna, pró-europeia assumida e liberal economicamente. Esta “tribo” e o seu representante são para muitos o símbolo abominado de uma oligarquia, de uma aristocracia republicana, que controlou o país nestas últimas décadas e que pouco ou nada fez para os pobres e a classe média. Os 24% que colocaram Macron à frente do escrutínio são, por enquanto, a primeira das minorias, pouco mais.

Quanto ao eleitorado da Frente Nacional (FN), ele é popular e rural, vive num país em crise post-industrial no leste e no norte, e é nacionalista e racista no sueste. Considera-se o principal excluído e abandonado de 30 anos de uma política económica e social estabelecida em Paris para os parisienses e com a cumplicidade de Bruxelas. São contra os chamados mundialistas e cosmopolitas e não existe para eles outra opção que não fechar as fronteiras, sair da União Europeia e da sua economia neo-liberal, assim como expulsar todos emigrantes. Estes 21,5% do votos espremidos encontram-se bastantes isolados politicamente, não tendo por enquanto condições para governar o país. Mesmo se, ano após ano, a FN vai aumentando substancialmente os seus resultados.

Por seu lado, Fillon, representa uma direita liberal conservadora, católica, que se quer herdeira do General de Gaulle, incontornável figura da história moderna francesa. O candidato republicano considera a França uma nação de prestígio internacional. Sem o Penelopegate, que revelou a relação pouco cristã do candidato republicano com o dinheiro, este grupo político teria chegado com certeza à frente da primeira volta, com pelo menos 25% dos sufrágios. Reformado e contra o casamento para todos, muito crítico da incompetência crónica dos serviços públicos, liberal economicamente e organizado à volta do movimento hiper-conservador “sentido comum”, este eleitorado mostrou uma lealdade total com o chefe, apesar de fragilizado pelos processos judiciais.

Último grupo identificável, a esquerda ligada aos movimentos sociais, liderada hoje por Jean Luc Mélenchon e o movimento da França Insubmissa. Se acrescentarmos a quota do PS, esta ala representa igualmente 25% dos votos de domingo. Urbanos e jovens, mas não só, militantes associativos, a esquerda é a única vertente política a ter um discurso abertamente ecológico, social e virado para o futuro. Esta “tribo” não deixa de estar dividida por fraturas internas, sérias, ligadas em particular com o posicionamento frente a uma União Europeia detestada por muitos. A esquerda encontra-se hoje bastante desestabilizada num momento que se anuncia histórico e fundador para as próximas décadas.

Esta apresentação sintética dá uma ideia, todavia, de uma paisagem política fragmentada e pouco governável. Numa campanha focada principalmente no receio da extrema direita chegar ao poder, e nos casos judiciais de Fillon e de Le Pen, pouco se falou de assuntos transversais como a política internacional, a educação, a ecologia ou mesmo a economia e o desemprego..

Os dois partidos que sempre governaram o país, o Partido Socialista e os Republicanos, estão hoje fora da segunda volta, e preparam-se para atravessar uma crise que lhes pode ser fatal nas legislativas previstas para junho.  O PS foi saqueado e humilhado, à sua esquerda e à sua direita, por Mélenchon e por Macron. Os “Les Républicains” perderam muita credibilidade deixando concorrer um candidato que representa para uma grande maioria de franceses o arquétipo do homem político corrupto. A derrota de Fillon abriu a guerra dos chefes, dentro e fora do partido, que se anuncia muito sangrenta.

Estes factos não implicam, no entanto, que a chegada ao poder será fácil para quem ficou na corrida. A Frente Nacional, mesmo em caso de uma vitória, não terá capacidade para obter sozinha uma maioria de governo. Macron, por outro lado, não deixa de ser um vencedor muito frágil, até suspeito, com um jovem movimento “En Marche” sem experiência de uma campanha legislativa.

É preciso sublinhar que, na segunda volta, Macron  não representará um voto de adesão, mas sim um voto por defeito, contra Marine Le Pen e o seu partido xenófobo. Numa sociedade que expressa um descontentamento profundo com a maneira de fazer política por parte dos partidos de governo, o jovem candidato não convenceu. Os seus discursos de uma retórica e gramática perfeita soam, para muitos, como vazios de sentido, com falta de enraizamento. Palavras do costume de representantes públicos que não conhecem o povo.

A desconfiança é também muito forte em relação aos principais meios de comunicação, todos controlados por personalidades do mundo económico, como é o caso de Martin Bouygues, proprietário do principal canal privado TF1 e patrão do grupo de construção homónimo, que muito ganha com mercados públicos. Seja os que votam na extrema direita, seja o eleitorado de Mélenchon, Hamon ou mesmo Fillon, todos se queixam de serviços de informação controlados e consideram que Macron foi o candidato dos media. A nação francesa está num momento de dúvida e põem em causa a integridade e a neutralidade das suas instituições.

Esta primeira volta da eleição presidencial francesa foi o primeiro acto de um drama em quatro tempos. Dia 7 de maio será escolhido o, ou a, próximo(a) Presidente da República francesa. A seguir, no mês de junho, dia 11 e 18, será a vez do escrutínio em duas voltas das eleições legislativas, que nunca estiveram tão indecisas.

Tudo parece possível nas próximas semanas, mas antevê-se sem grande risco, para os cincos anos de mandato do futuro Presidente, um contexto político instável e confuso.

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