Uma simples selfie publicada por Paul Ryan, o republicano que, por vias da maioria do partido é o Presidente da Câmara dos Representantes. Ryan está em Cleveland, para a Convenção partidária que irá certamente eleger Donald Trump como a aposta do partido à Presidência. Resolveu fazer uma grande selfie, à frente de dezenas de "pagens" (os chamados "interns", jovens que prestam serviço nos gabinetes dos representantes e senadores.) Todos sorridentes, felizes e bem vestidos – e todos brancos. É verdade, entre os pagens republicanos, rapazes e raparigas, não há sequer um tom mais escuro, muito menos um negro.

O Estados Unidos têm um Presidente negro, como todo o planeta sabe. Têm membros do Congresso (Senado e Câmara dos Representantes) negros, ministros negros e uma boa parte dos cargos de topo no executivo são exercidos por negros. Mas são todos democratas. O Partido Democrata não é historicamente o partido do integracionismo, ao contrário do que muita gente supõe por causa da presidência de John F. Kennedy, altura em que supostamente todos os racismos foram legalmente eliminados. Historicamente, basta lembrar que o Presidente Abraham Lincoln, que se meteu numa guerra civil para libertar os escravos, era republicano. Mas, o Partido Democrata é o partido das liberdades, várias, favorável aos imigrantes de todas as cores e, em geral, menos discriminatório nas questões ditas fracturantes.

Em compensação, o Partido Republicano, por albergar as forças políticas e sociais mais conservadoras, há décadas que tem uma certa dificuldade em ser visto como equitativo nestas questões, mesmo quando teve um secretério-geral negro. Desde os Bush, pai e filho, que o partido tem vindo a puxar à direita e a ficar mais radical. Os dez candidatos a candidatos presidenciais para a próxima eleição eram todos extremamente conservadores – a única coisa que variava era a religiosidade maior ou menor. Trump, que nem sequer era um militante dedicado com uma folha de serviços que se visse (Trump só se dedica a ele próprio) acabou por afastar todos os outros, inclusive Paul Ryan, com um discurso que, aqui na Europa, nem o UKIP ou o Front Nacional se atrevem.

Na política, os lugares eleitos obedecem forçosamente a uma série de critérios, e hoje em dia a imagem será dos mais importantes. Desde o candidato a vereador municipal até ao presidente, passando pelas assembleias e governadores dos Estados, tentam sempre apelar a um eleitorado o mais abrangente possível, mesmo que o façam desastradamente. Quer isto dizer que ser negro, ou hispano, ou asiático, pode ser uma vantagem para ir buscar essas minorias que, em muitos círculos eleitorais, afinal são maiorias.

Agora, quando se trata de lugares que não são eleitos, ou seja, todos os cargos de gabinete e administrativos, já estas restrições não são tão importantes, e aí é que se vê quem é o quê. No caso dos pagens do Capitólio, como são normalmente chamados, trata-se de pessoas invisíveis. São jovens, escolhidos por influências e contactos pessoais, que assim começam a sua carreira política ou de funcionários públicos. Nunca ninguém se lembraria se verificar se respeitam os equilíbrios considerados politicamente correctos de cor ou de género. Durante muito tempo eram sempre rapazes, mas essa barreira foi ultrapassada há décadas. Pelos vistos a barreira da cor, no que diz respeito ao Partido Republicano, não foi. E esta infeliz grande selfie de Paul Ryan mostra exactamente isso.

Resta perguntar: terá isto alguma influência nas eleições, quer dentro do Partido, quer nas Presidenciais? Provavelmente, não. No fundo já toda a gente sabe como está o Grand Old Party. É só ver a escolha de um candidato que quer fazer um muro entre os Estados Unidos e o México, expulsar todos os muçulmanos e recusar vistos aos filhos de hispanos nascidos no país. (Se alguma destas propostas é exequível, não parece preocupar os republicanos por ora).

Muito mais efeito nas eleições terão os constantes assassinatos de cidadãos negros pela polícia, um pouco por todo o país. Contudo, a selfie de Paul Ryan ficará para a História por representar numa só imagem milhões de opiniões.