É mais um capítulo de uma crise que não é de hoje. Dura há uma década e meia e já antes ceifou títulos como “O Independente”, o “24 horas” ou o “Tal & Qual”. E de então para cá já provocou despedimentos colectivos no “Público” e no grupo do “Diário de Notícias”, “Jornal de Notícias” e TSF. Foram já algumas centenas os jornalistas que perderam o emprego nos últimos anos.

Em Portugal não somos dados a estatísticas rigorosas para tudo e mais alguma coisa como acontece nos Estados Unidos. Senão, é provável que a fotografia que os números mostram fosse semelhante à que se tira por lá: o número de trabalhadores na indústria americana de jornais caiu 36% desde o final dos anos 80 (passou de quase 57 mil para 37 mil). O mesmo se está a passar na generalidade dos países desenvolvidos.

É um facto indesmentível. O mundo dos media mudou com as novas tecnologias e a internet. Mudou para muito melhor para os utilizadores, leitores e consumidores de informação e de conteúdos. E mudou para muito pior para os grupos de comunicação social, para os seus donos, gestores e trabalhadores. Sobretudo para os que são feitos em papel, os jornais e as revistas.

É fácil perceber porquê. O leitor está seguramente a ler este artigo no seu computador, tablet ou smartphone. Não pagou nada por ele nem para ler nenhum outro que está aqui, no SAPO24. E o mesmo se passa com a generalidade das notícias que lê por todo o lado em milhares de sites. Duas vantagens para si: não paga pela informação essencial que lê e não tem o incómodo de se deslocar a um quiosque para comprar um jornal.

Esta é uma verdade que todos conhecemos não há cinco anos, não há dez anos, mas pelo menos há duas décadas, quando a internet se instalou para ficar e a chamada economia real começou a transitar para o mundo digital. E de então para cá, com mais ou menos determinação e sucesso, o mundo da imprensa anda a tentar encontrar fórmulas para recuperar receitas da publicidade que perdeu abruptamente. Mais um número: entre 2005 e 2014 a perda de receitas de publicidade nos jornais americanos caiu 65%. Sim, não é engano. São mesmo 65%. Passaram de 47,4 para 16,4 mil milhões de dólares. Obviamente: se os leitores foram embora o que é que os anunciantes lá ficavam a fazer? No mesmo período, as receitas da publicidade digital, nos sites dos jornais, subiram de dois mil milhões para 3,5 mil milhões. É fácil perceber que a subida destas não compensa a queda daquelas.

Quando acontece uma nova desgraça nos jornais portugueses tendemos a disparar em várias direcções. Claro que é difícil aceitar estas decisões. São as vidas das pessoas despedidas que estão em jogo. E não é fácil para estes profissionais, muitos deles competentes, encontrarem alternativas num mercado que está a passar por uma profunda reestruturação na base do seu negócio. Tenho vários amigos e muitos conhecidos em todas essas redacções e o assunto é-me muito próximo.

Tendemos também a diabolizar os patrões e accionistas ou os gestores dos jornais. Há-os competentes e incompetentes. Bem e mal intencionados. Como, aliás, sempre houve. Nos jornais ou em qualquer outro sector.

Mas o que está em causa nesta crise é diferente, como facilmente se percebe. E abordar este terramoto dessa maneira, apontando aos suspeitos do costume de forma pontual e isolada, só nos desvia do centro do problema e desfoca-nos do que é essencial. E o essencial é que o mundo dos jornais mudou radicalmente nas últimas décadas, o da televisão está a mudar e o da rádio também vai mudar. Porque a tecnologia a isso levou, como há mais de um século o aparecimento do automóvel estragou a vida dos empresários e trabalhadores das carruagens puxadas por cavalos.

O problema que se coloca ao jornalismo é simples de enunciar e difícil de resolver: quem o vai pagar no futuro? Como se vai financiar o sector? De onde virão as receitas, pagas por quem e de que forma?

A questão não é corporativa. Esqueça lá essa do “cá está mais um jornalista a defender a classe, a zelar pelo emprego e pelas empresas que lhe pagam o ordenado”.

É uma questão de qualidade da democracia e da sociedade onde vivemos e que queremos deixar aos nossos filhos e netos. O jornalismo e a informação independente são um bem público absolutamente essencial para uma democracia saudável e plural. Isto nem é nada de novo. Já Thomas Jefferson, um dos “founding fathers” dos Estados Unidos, dizia há mais de 200 anos: “Se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último”.

O financiamento do jornalismo e da informação é, então, o tema. E mais uma vez, não podemos continuar na nossa habitual esquizofrenia.

Se chegam angolanos e compram jornais, investindo dinheiro que vão perder, são mal vistos e só podem estar ali por motivações insondáveis. Se desinvestem e vão embora, como agora está a acontecer na Newshold, são uns malandros porque provocam despedimentos.

A Sonae e Belmiro de Azevedo mantêm o “Público”, colocando lá milhões de euros todos os anos? É o capitalismo a controlar os media.

Pinto Balsemão, o “Expresso”, a SIC, a “Visão”? Claro, é para fazer o jeito a alguns amigos políticos.

António Carrapatoso e alguns empresários investem e criam o “Observador”? Pois, é um projecto político de direita que está ali só para servir fins ideológicos.

É claro que pode haver mil e uma motivações para investir num projecto de comunicação social, nem todas boas. Mas tenho para mim que a independência dos jornais e dos jornalistas se faz essencialmente nas redacções, muitas vezes contra vontades externas e algumas vezes até contrariando accionistas. O poder de uma direcção editorial e de uma redacção na defesa das linhas editoriais é maior do que se pensa. Assim o queiram e saibam utilizar.

O que não faz sentido é diabolizar quem investe em jornais e, depois, arrasar os mesmos quando desinvestem para não perder mais dinheiro. Ou fazer discursos bonitos em defesa da diversidade e pluralismo de opiniões e depois atacar o pluralismo e a diversidade quando eles acontecem e se materializam. Cada um só lê o que quer e por que quer. Mas é bom poder escolher entre o “Correio da Manhã” e o “DN”. Ou entre o “Público” e o “Observador”. E entre a “Sábado” e a “Visão”.

As democracias terão, rapidamente, que encontrar modelos de financiamento sustentados para a informação.

Pode ser através da filantropia e de fundações privadas. Já repararam na quantidade de apoios que a arte e a cultura têm de entidades privadas? Ou nos projectos de inovação e intervenção social que são financiados com lucros de empresas? Ou de causas ambientais? Ainda bem que assim é. As empresas começam a aprender a devolver à sociedade uma parte daquilo que esta lhes dá.

O “branded content” também começa a ser utilizado por vários media, como o “New York Times”, para atrair anunciantes e financiar o jornalismo.

Por todas as razões e mais algumas, o Estado deve ser mantido fora da equação do financiamento. Mas pode regulá-lo. Um exemplo? Lá mais acima escrevi uma meia verdade, quando disse que o leitor não está a pagar nada para ler este artigo. Na verdade, está. Está a pagar ao seu operador de telecomunicações pela ligação à internet do seu computador, tablet ou smartphone. Paga o acesso, mas não paga o conteúdo. E o operador lucra com um conteúdo onde não investe um cêntimo. Quem pagaria o que paga pelo acesso à rede só para mandar e receber emails e sem conteúdos na rede para ler e ver? Tal como os operadores de televisão por cabo pagam para ter os canais nos seus pacotes, por que não colocar também os fornecedores de acesso à internet a pagar pelos conteúdos?

Há, certamente, várias fórmulas. Nenhuma é fácil e não há “balas de prata”. Mas o modelo de financiamento da informação independente tem que mudar. Porque ninguém estará disposto a perdê-la depois de a ter experimentado.

OUTRAS LEITURAS