A frase "Portugal não é a Grécia" encerrava todo um conjunto de convicções que alguns portugueses têm sobre o nosso imenso Portugal. E que vão além da convicção linear de que se os gregos pediram dinheiro emprestado e não fizeram bem as contas, só têm é que pagar o que devem. Qualquer outra derivada, nomeadamente sobre os respeitáveis políticos europeus que desenharam, em parceria com os desonestos políticos gregos, os extraordinários planos que garantiram à Grécia uma ruína social e económica, não interessava para nada. Este tipo de análise vem das mesmas cabeças bem pensantes, cordatas e sempre em linha com os poderes dominantes que durante anos também não viram qualquer sinal de alarme nos negócios do BES ou tão pouco na expansão galopante da Ongoing. Enquanto se ostenta o ceptro, tudo está bem – porque se vive bem nessa doce harmonia das certezas inabaláveis.

Mas o que interessa isso agora neste tempo novo em que falar de troika e da Grécia é tão 2012? Tudo isto vem de repente à memória na semana em que o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) consegue "pôr o Sequeira no sítio", em que taxistas declaram nova guerra à Uber e em que se assinalou o 42º aniversário do 25 de abril.

Começando pelo 25 de abril. É um facto que a data não passa bem na garganta de uma certa direita. É um facto que é celebrada em regime de monopólio por uma certa esquerda. Descontando os desagravos pessoais, que é impossível não existirem numa História ainda tão recente, a diferença em qualquer uma das alas chama-se cultura política e cívica. Não se obtém com o grau académico nem por pertencer a uma casta. Cultiva-se ouvindo os outros, criando o hábito de discutir ideias e, em virtude destas duas premissas, acaba-se por ser menos binário e mais efectivamente interessado no país. E o país precisa de ter mais destas pessoas e menos do grupo histriónico, que vive de certezas inabaláveis e que sabe sempre o que vai dizer na segunda-feira.

Passando para a batalha entre taxistas versus Uber (mais uma). O mérito – e o dilema – da discussão está no raio deste mundo virado do avesso em que todos vivemos e onde todos procuramos reencontrar o nosso lugar. Não é um problema de taxistas – é de taxistas, de fotógrafos, de hoteleiros, de designers, de jornalistas, como provavelmente um dia destes será de outras profissões que se têm mantido a salvo da grande onda que tudo abala. Aquilo que é um problema de taxistas é a forma como este grupo confronta Portugal com a sua aspiração e a sua realidade. Aspiramos a ser um povo de pessoas educadas, honestas, inovadoras e bem-sucedidas. Não toleramos pensar que possamos ser malcriados, desonestos, preconceituosos e sempre a contar os tostões. Não somos taxistas, como também não éramos gregos.

Mas, esperem lá, quem são (também) os taxistas? São reformados, são desempregados, são algumas pessoas sem outra qualificação que não seja conduzir um carro. Ganham pouco, arriscam bastante, têm muitas contrariedades e poucas expectativas. Soa-vos familiar a Portugal? Nasce daí uma raiva contra esse Portugal que não queremos ser. Um Portugal herdado, um Portugal com um passado mal resolvido e logo agora que somos modernos, estamos na crista da onda do turismo e do empreendedorismo. Somos livres, não voltaremos atrás – não era assim que trauteava a música da gaivota em pleno PREC?

E chegamos assim a Domingos Sequeira e à (brilhante) campanha do MNAA em parceria com o Público, a Fuel, a RTP e a Fundação Millennium BCP intitulada Vamos Pôr o Sequeira no Lugar Certo. Uma campanha que angariou, através de um crowdfunding bem comunicado, 600 mil euros para que o museu possa adquirir o quadro A Adoração dos Magos e assim ter aquela que é tida como a obra-prima do pintor.

Não será injustiça dizer que a esmagadora maioria dos portugueses não fazia ideia de quem foi Domingos Sequeira e, por inerência, da importância da obra em causa. O que fez com esta iniciativa fosse interessante por várias razões. Por um lado, trata-se de uma obra do século XIX, o que já permite que se fale de património e de História, deixando a esquerda/direita orfã de uma das suas discussões favoritas (deve ou não o Estado apoiar a cultura). Por outro lado, mediante a inteligência do MNAA e dos seus parceiros, a comunicação foi de tal forma envolvente e cativante que conquistou pessoas fora da franja da elite cultural que naturalmente seria a base de apoio – ou seja, democratizou a arte que é a única forma, efectiva, de a tornar património de todos. Pode parecer um movimento óbvio – só que não é. E, muitas vezes, porque essa franja ou elite cultural quer preservar o seu status quo, tornando a arte uma espécie de santo cálice impossível de alcançar pela plebe.

No balanço final, de acordo com os dados comunicados, participaram 15 mil cidadãos e 172 instituições, entre as quais escolas, associações, fundações e algumas, mas não muitas, empresas. Entre as grandes instituições, destacou-se uma: a Fundação Aga Khan com uma contribuição de 200 mil euros.

Pessoas, juntas de freguesia, alunos de escolas. Se calhar um, dois taxistas. Este foi, em boa medida, o Portugal que se mobilizou para por o Sequeira no sítio. Pobre Sequeira, que passou uma vida à procura de reconhecimento e que encontrou, brevemente, com os liberais de 1820 algum do conforto que tantas vezes lhe escapara. Quase 200 anos depois, não é o liberalismo que o traz ao sítio, no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Esse liberalismo à americana ou inglesa em que quem mais ganha, devolve à sociedade, não está na mesma prateleira do liberalismo que conhecemos por cá.

Na realidade, quando se defendeu que Portugal não é a Grécia talvez se quisesse defender que Portugal não é Portugal. E isso até tem um lado bonito. É aquele lado em que não nos deixamos encaixar em generalizações, nos esquecemos de ser de esquerda ou de direita, taxista ou empreendedor Uber, e fazemos simplesmente o que achamos estar certo.

Isto do 25 de abril já não ser a justa medida para todas as clivagens sociais é muito aborrecido. A vida era bem mais fácil antes.

Tenham um bom fim de semana

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