Nos corredores de uma antiga sede governamental da Alemanha socialista está hoje uma escola superior de gestão. Não há alunos a entrar e a sair, é verão e as aulas ainda não começaram. Mas sente-se uma azáfama que não se ouve. Vemo-la nos rostos concentrados (e, por estes dias, tensos) daqueles que abdicaram do sol para conquistar as estrelas.

Aqui só se fala inglês, mas a acentuação carregada denuncia-os. Turcos, polacos, espanhóis, lituanos, israelitas, portugueses. Fazem parte das nove startups escolhidas para o METRO Accelerator for Retail powered by Techstars. Ou, simplificando, estas equipas e projetos foram escolhidos (a dedo) para participar, em Berlim, na aceleradora de negócio montada pelo oitavo maior retalhista mundial (METRO) em conjunto com aquela que, dizem-nos várias vezes os empreendedores, é a “melhor aceleradora de startups do mundo” (Techstar). O que se pretende aqui é “encaixar um ano de trabalho em três meses”. Como? Dedicação, contactos e exposição, como nos explica Sebastian Campos, um dos responsáveis pela gestão deste programa.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Só dez startups conquistam, em cada ronda, um lugar neste “foguetão”. Desta vez, apenas nove o conseguiram. Para entrar é obrigatório "ter um produto minimamente viável e não apenas uma ideia”. Só para encontrar estes nove projetos, a equipa da METRO e da Techstars visitou treze cidades em apenas um mês, Lisboa incluída, e reuniu pessoalmente com vários empreendedores. Da cidade das sete colinas para Berlim embarcaram a Sensei e a Sensefinity. Uma vez na capital alemã, as startups têm três meses de viagem pela frente em “fast forward”.

"Não esqueçamos que as grandes empresas não se tornaram grandes por serem avessas à mudança, mas antes por aprenderem rápido… E todas foram startups em algum ponto do percurso."

“As startups basicamente passam aqui o tempo”, diz-nos Sebastian. “No primeiro mês eles estão focados em conhecer cerca de 100 mentores, 10 por dia, com quem têm reuniões privadas, e a trabalhar sobre o feedback que recebem. O segundo mês é de execução: pegar no que ouviram e construir, e isso pode significar experimentar com clientes reais. No terceiro mês dedicam-se ao pitch, a apresentação que terão de fazer perante os investidores, e aprendem estratégias de financiamento”.

“Sinto que somos capazes de ter, nestes três meses, encaixado um ano de trabalho”, diz-nos Mickey Balter, CEO da Oriient, um dos felizardos.

Ao longo deste período, além dos mentores, as startups podem contar com uma equipa de suporte que integra gestores, designers, profissionais de marketing e de conteúdo, e até atores. Cabe a estes últimos, por exemplo, garantir que no dia da apresentação aos investidores cada empreendedor sabe como se mover em palco, que gestos fazer, como projetar a voz. Está tudo estudado para convencer.



“Uma das grandes vantagens deste programa é o facto das ligações permanecerem depois da aceleração”, salienta Sebastian. Na Techstar, por exemplo, temos mais de 8000 pessoas ativas na rede a quem podes contactar e que te podem ajudar em qualquer momento. A Techstar apoia-te, por exemplo, quando precisas de negociar com um investidor. Depois, há que referir a possibilidade de trabalhar com a equipa do METRO, que opera na indústria do retalho e têm muito boas relações com marcas. Por fim, temos pessoas muito qualificadas a lidar diretamente com as startups, que são os mentores. Estes acabam também por criar relações fortes com estas empresas e isso continua para lá dos três meses”.

E, no terreno, é isto que as startups destacam. “O programa de aceleração é uma ótima oportunidade para conhecer profissionais da indústria. O METRO em si mesmo é um dos maiores retalhistas do mundo e a rede de contactos que tem é incrível. Conhecemos tanta gente que nos pode ajudar a crescer. Não os conheceríamos de outra forma”, diz Pawel Kolacz, CEO da I am Bot. “Entrámos numa família de startups”, salienta Carlos Martinez, CEO da Epinium, com um sorriso no rosto. “Posso dizer-vos que a Techstar é a melhor aceleradora do mundo e estamos felizes por fazer parte disso”.

Além do capital de credibilidade, o facto é que tanto a METRO como a Techstar investem efetivamente dinheiro nestas empresas. Aliás… o almoço que hoje chega em caixas para estes empreendedores que mal têm tempo para almoçar é de um projeto de edições anteriores e em que a retalhista decidiu apostar", conta-nos Sylvia Dudek, responsável pelo desenvolvimento de negócio entre as startups e a METRO.

“Queremos que as nossas startups tenham o maior sucesso possível”, diz-nos, salientando que a retalhista tem não só um programa nesta área como na área de hotelaria. Quando lhe perguntamos porque é que uma multinacional como esta decidiu apostar em programas de aceleração para startups, explica-nos que o principal objetivo é “trazer a inovação digital” aos clientes da empresa nas áreas de hotelaria e retalho, “para os tornar mais eficientes”.

“As startups são disruptivas, veem coisas que as grandes empresas podem não estar a ver e agem sobre isso. Isto pode ser recebido de forma negativa ou como algo natural que deve ser abraçado, de forma a melhorar o negócio. Não esqueçamos que as grandes empresas não se tornaram grandes por serem avessas à mudança, mas antes por aprenderem rápido… E todas foram startups em algum ponto do percurso. Portanto, claro que estão interessadas em ver o que os outros estão a fazer”, acrescenta Sebastian.

Orlando Remédios (CEO), da portuguesa Sensefinity, partilha desta visão. “Nós, como startups, somos a chave para as empresas evoluírem. Algumas empresas são mais aventureiras, entendem essa necessidade e começam assim que possível a colaborar com startups. E a postura do METRO é reflexo disso, mostra que prefere ser disruptor do que sofrer com a disrupção”.

"Não sei se estou nervoso, mas estou definitivamente a sentir a pressão”

O ponto alto deste programa de aceleração é o “Demo Day”, o momento de subir ao palco, aquele que está a tirar horas de sono a estes empreendedores.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

“Não é a primeira vez que faço um pitch, mas há muito mais pressão aqui do que no passado. Estou a trabalhar nisto há duas semanas e ainda não parece suficiente. Acho que precisava de mais duas semanas para deixar isto perfeito. Não sei se estou nervoso, mas estou definitivamente a sentir a pressão”, confidencia-nos Vasco Portugal, CEO da Sensei.

Já Carlos Martinez, da Epinium, não tem pejo em o assumir. “Estou um pouco nervoso, acho que ficarei mais nervoso quando estiver na altura, mas sinto-me confortável porque estamos a preparar tudo”.

Existem na realidade dois eventos “Demo Day”, o primeiro para clientes e funcionários do grupo METRO, onde são esperadas cerca de 200 pessoas e, depois, para investidores, mentores e famílias das startups… mais uma centenas. É esse o peso que lhes sentimos no sorriso nervoso, no olhar cansado, na expressão focada, mas há também uma grande excitação em torno destes dias. “Estamos excitados, é de loucos que tenha acontecido tudo tão rápido. E estamos ansiosos por ver de novo os mentores e conhecer os investidores. Será divertido”, diz Eva Hoefer, COO da Kptn Cook.

“Acreditamos que a Justsnap vai brilhar no Demo Day, estamos orgulhosos do nosso produto e do nosso negócio e temos uma grande equipa. Só precisamos de uma oportunidade”, diz-nos, por sua vez, Halil Kutlutürk, CTO da Justsnap.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

“Quanto menos tempo para o Demo Day, mais stressante é para todos, acho. Mas a equipa está a lidar muito bem com isto. Cada um tem responsabilidades definidas e, desde que sejam cumpridas, toda a gente se vai manter calma”, diz Emile Gozelskyte (COO) da mio. Ela, tal como Halil, não vão subir ao palco, são antes a ancora daqueles que estão prestes a aventurar-se mar adentro. É isso que a sua equipa precisa neste momento. E, claro, a preocupação em dizer a coisa certa no momento certo está por estes dias mais do que apurada.

"Atualmente não vejo a minha recém-nascida porque estou a trabalhar"

O maior receio para quem vai subir ao palco? “Espero lembrar-me do meu pitch…”, confidencia-nos um dos visados com uma gargalhada, seguida de um pedido para refazer a resposta. Deixamos. Está a gravar.

Sebastian, o tutor, deixa um conselho: “Lembrem-se do vosso treino. Qualquer um ficaria intimidado, não é fácil, mas lembrem-se do vosso treino, todos têm trabalhado imenso para o Demo Day. Treinaram não só o que vão dizer, mas também como gesticular e se mover em palco. Então, subam ao palco e divirtam-se”.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Com esta exposição, as startups procuram sobretudo novos clientes e investidores. “Claro que ninguém investe depois de ouvir um pitch, mas conseguir bons contactos e ter a oportunidade de falar com eles durante o Demo Day de forma a continuar a relação depois disso é o que procuramos”, resume Emile.

“Hoje não sei a que país chamar casa”

Mas o sucesso tem um preço, e eles sabem-no. “Gerir uma startup é muito difícil, sobretudo nas fases iniciais em que tudo recai sobre ti e os teus parceiros, e tem um custo. Eu fui abençoado com uma família que me apoia bastante e acho que não conseguia fazê-lo de outra forma. São muitas horas e muitas viagens”, diz Mickey.

"Quando tens uma startup tens sempre dias incríveis em que achas que vais ser a próxima Google, e depois tens dias em que te sentes completamente destruído e questionas o que estás a fazer. Mas isso faz parte da viagem."

Quando questionamos Olcay, CEO da Whole Surplus, sobre o investimento pessoal que fez na sua ideia, responde-nos com um sorriso e um suspiro. “Esta é a parte difícil. Pessoalmente investi muito”, diz. “Enquanto trabalhava na Whole Surplus eu tive uma filha e atualmente não vejo a minha recém-nascida porque estou a trabalhar. Também estive a fazer vários trabalhos para garantir a minha subsistência quanto trabalhava à noite na Whole Surplus para que ela fosse um sucesso. Nos últimos dois anos não tive férias nem fins de semana, mas é bom ver os resultados e perceber que as pessoas beneficiam com a nossa ideia, ao mesmo tempo que criámos uma solução para empresas.

“Ser empreendedor é desafiante, eu sempre o quis e quando perguntava ou lia sobre sobre isso diziam-me o quão difícil é, mas não podes entender até experimentares. Por outro lado, é muito divertido, é uma viagem extraordinária, sobretudo se tiveres as pessoas certas à tua volta. Mas tens de estar preparado para sacrificar muito e o teu negócio tem de ser uma prioridade para ti, caso contrário não vai funcionar”, avisa Emile. “Hoje não sei a que país chamar casa”, confessa, minutos antes de nos dizer que até gostaria de ficar por Berlim, mas que há ainda muito por percorrer. A próxima paragem será o Reino Unido.

“Quando tens uma startup tens sempre dias incríveis em que achas que vais ser a próxima Google, e depois tens dias em que te sentes completamente destruído e questionas o que estás a fazer. Mas isso faz parte da viagem. Se continuares a acreditar no que estás a fazer e fores rápido a perceber o que deves mudar, certamente chegarás lá”, garante Vasco.

E eles acreditam.

De louco para louco

“Just fucking do it. Don’t think about it, just do it”. A frase é de Pawel. A resposta é rápida, sem meias medidas, sai num impulso. Se têm uma ideia e estão dispostos a dedicar-se a ela “façam-nos. Não pensem muito, façam-no”.

Mais comedido, o conselho de Olcay “caminha” no mesmo sentido. “Quem quer iniciar uma startup deve ser resiliente e tem simplesmente de... começar. Há um ditado na Turquia que diz que se começares a caminhar verás o caminho, e eu acredito nisto”.

"Tens de ser um pouco louco para criar uma startup"

Já Eva aconselha que ao longo do percurso se “fale com várias pessoas e se adquira o maior conhecimento possível sobre o mercado onde está a operar e, talvez, se ainda não os tiver, que se procurem cofundadores”, porque nestas coisas a equipa é fundamental.

No mesmo sentido, Orlando salienta a importância de “estar o mais próximo possível do mercado que se deseja servir”, e “se ele ou ela tiverem a possibilidade de entrar numa aceleradora como a Techstars, isso seria igualmente um bom conselho”, acrescenta.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Emile, por sua vez, reforça: “não tenham medo de pensar grande. Isto é talvez um dos maiores erros que os empreendedores fazem, por vezes perdem a visão global”.

Para Mickey “tens de ser um pouco louco para criar uma startup. Os empreendedores deviam ter um escudo para se protegerem do mundo [risos], para os prevenir de pensar em tudo o que pode correr mal e focarem-se apenas no que pode correr bem, senão nunca mais começas a viagem. Tens de acreditar muito na ideia e filtrar o feedback que recebes porque no caminho muitos te dirão que é uma má ideia. Tens de ouvir, aprender, mas no final tens de filtrar e ficar só com a parte útil, entender porque é que a pessoa está a dizer o que está a dizer e afinar a ideia”.

"Não penses em inovação, pensa em resolver problemas”

Já Carlos aconselha a ter os pés bem assentes na terra. “Queremos sempre criar um oceano azul, mas isto é o mais difícil porque precisas de pensar mais no que o mercado precisa do que naquilo que queres fazer. Quando alinhares os dois, vais ficar feliz. Eu diria a alguém que está a começar agora: não penses em inovação, pensa em resolver problemas”.

E há que ser persistente nesta busca, diz Vasco. “Eu conheci várias startups e sei que no fim nunca é a primeira ideia que faz o negócio. Então, o melhor conselho que posso dar é persistência: encontras o mercado, tentas entender o mais possível sobre esse mercado porque há sempre ineficiências, há sempre locais onde podes acrescentar valor. Certamente encontrarás um problema e uma tecnologia que o pode resolver”.

Sebastian, no entanto, alerta que “ser perseverante nem sempre significa ser rápido, às vezes as startups têm de ser pacientes. Algumas têm de trabalhar em coisas que não são muito interessantes, como burocracias, mas isso é importante para depois chegares onde queres. Em todo o processo é importante manterem-se positivos”, remata.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

E o que faz uma startup brilhar no mundo vasto das ideias? “Magia”, diz Emile. “Claro que há a estrutura do pitch, há finanças e margens, mas também é muito importante ter aquilo que podemos chamar de ‘magia’, algo especial que te torna extraordinário, diferente dos outros negócios, que possa mostrar que vais conseguir crescer muito e muito depressa”.

Estas nove startups - Sensei, Sensefinity, mio, Oriient, Epinium, I am Bot, Whole Surplus, Kptn Cook e Justsnap - vão estar debaixo dos holofotes a 1 e 5 de setembro. Querem revolucionar o setor do retalho e esta é a sua oportunidade. Se será um salto para o sucesso ou não, só o tempo dirá. Porque ser empreendedor implica muitas vezes falhar antes de vencer.

*Os jornalistas viajaram a Berlim a convite do METRO Accelerator for Retail powered by Techstars