Kathleen Richardson tem uma visão muito clara sobre a temática em debate: este tipo de bonecas e robots objetivam sexualmente as mulheres e devem ser abolidos. A sua convicção sobre este repto é de tal ordem que a levou a fundar, em 2015, a Campanha Contra Os Robos Sexuais. Segundo indica o site do movimento, este surge porque "no decorrer das últimas décadas, a indústria [da robótica] e o mundo académico têm aumentado esforços no sentido de desenvolver os robots sexuais — isto é, máquinas em forma de mulher ou de crianças com o intuito de serem utilizados como objetos sexuais, [que são vistos como] alternativas aos companheiros humanos ou a pessoas da prostituição".

Abrir o navegador de Internet, ir a um motor de busca e carregar no botão procurar após digitar "sexo com robots" permite ter uma ideia da dimensão do que esteve em debate na Web Summit. Só no Google, obtemos cerca de 443 000 resultados (em 0,49 segundos) — isto fazendo uma pesquisa em língua portuguesa. Se o fizermos em inglês, os números crescem exponencialmente e as casas nominais começam a atropelar-se à direita: são cerca de 20 100 000 resultados (0,68 segundos).

Serve este exemplo para tentar fazer perceber a importância que a comunidade científica, tecnológica e o mundo geral está a dar ao tema. No entanto, ainda que assim seja, para Ben Goertzel, este problema "não é um assunto".

"Para mim, os robots sexuais são um não assunto porque estamos a poucos anos de desenvolver uma inteligência artificial tão sofisticada que será capaz de fazer coisas realmente importantes como emergir nas nossas células sanguíneas e tratar dos nossos corpos", começou por dizer.

"Um dos argumentos daqueles que são contra o sexo com robots, é que o acto em si pode trazer ressonâncias com aquilo que se pode fazer aos humanos. Só que o mesmo argumento pode ser feito relativamente às pessoas que jogam Grand Theft Auto [conhecido pela sigla GTA, é um jogo conhecido pelas carga de violência das suas missões], dizendo que não o podem jogar porque poderá incitar o jogador a ir para o meio da rua atropelar pessoas. Ou também às pessoas que jogam Civilization [o objetivo do título passa por desenvolver um império maior que o adversário, derrotá-lo e conquistar o seu território] porque podem ter a vontade de dominar o mundo e ter a ambição de se tornar num ditador", finalizou.

Ben Goertzel nasceu no Brasil, mas trabalha para uma empresa com sede em Hong Kong. Matemático de formação, cria e desenha robots na Hanson Robotics, conhecida internacionalmente pelo realismo dos seus produtos. Sophia, que esteve no dia anterior à conversa com o Robot Einstein no palco principal da Web Summit, é o exemplar mais conhecido.

"Se o robot não tiver um sentido de consciência, como aquele que as pessoas têm, e ainda que esteja a ser magoado por aquilo que uma pessoa lhe esteja a fazer, não vejo a necessidade do Governo vir impedir o homem ou mulher de terem sexo com aquele robot", opinou Ben.

Só que Kathleen Richardson não se conforma com esse conceito na robótica. "De onde é que saiu esta ideia de que um homem podia ter uma relação com robot? De ter uma relação íntima com um?", indagou. Doutorada pelo Departamento de Antropologia Social da Universidade de Cambridge, Richardson, que realizou um extenso trabalho de investigação sobre a fabricação de robots em laboratórios no Instituto Tecnológico do Massachusetts (MIT), considera que isto é uma extensão do "egocentrismo misógino" que continua a desprezar e a reduzir o papel da mulher.

"Chegámos a um ponto na nossa sociedade em que não conseguimos dizer o que é ou não misógino. Porque há muitos homem por aí fora que continuam a pensar afinal, para que servem as mulheres? E se nós mulheres queremos realmente [ter] a igualdade de direitos, temos de recusar uma indústria onde a nossa humanidade não é reconhecida", disse Kathleen.

Ben, por seu turno, é da opinião que os robots são a coisa menos "dramática" do futuro da inteligência artificial e que há questões bem mais pertinentes em jogo, visto que considera a evolução tecnológica o mais importante.

"Não penso que o Governo se deva meter no assunto de banir coisas proativamente. Porque senão o que acontecerá quando as pessoas tiverem uma interface cérebro-computador (ICC) ou quando existirem nano bots para melhorar a nossa saúde? As pessoas vão continuar a dizer que estas coisas são más ainda que não sejam diretamente perigosas", disse.

Mas o programador vai mais longe. Colocando a hipótese de estarem em vigor leis que banissem os robots e bonecas sexuais, Ben diz acreditar que estes não iriam desaparecer, mas sim migrar para a "clandestinidade".

"[Porque] vai contra aquilo que no ocidente se entende por liberdade e também porque não vai resultar. Se banirem estas coisas, elas vão acabar por surgir clandestinamente e [tudo] será feito ilegalmente de qualquer das maneiras. Não acho que vá melhorar a vida em qualquer aspecto. Daí considerar que nos devemos opor à tentativa de banir os robots sexuais", continuou.

E num debate em que os direitos das mulheres mereceram grande parte do foco das intervenções, foi com alguma naturalidade que Kathleen fez um ponto de chamada à robot Sophia, ainda que esta não estivesse presente, para questionar o facto desta ter recebido direitos de cidadania na Arábia Saudita, algo que considera não ser respeitoso para com as mulheres sauditas.

Em resposta, Ben Goertzel disse acreditar que foi um passo em direção à modernização — que embora admita decorrer a um ritmo muito lento, acontece.

"Achei interessante esse ponto de vista [a cidadania] ter sido trazido à discussão, pois se tudo correr como eu acredito, daqui a 5, 6, 7 anos, teremos um robot com inteligência artificial suficiente para merecer direitos de cidadania nos Estados Unidos ou em Portugal. E quando isso acontecer é bom que a sociedade já pense nisso, na cidadania dos robots e em tudo o que isso representa para a sociedade moderna. E fico contente que a Arábia Saudita tenha dado um passo na sua modernização, que inclui, embora numa escala muito pequena e de forma muito vagarosa, um aumento de equidade de género nas suas leis".

A popularidade destes robots, segundo os especialistas, será determinada pelo quão 'reais' venham a ser. Apesar de já se assemelharem aos seres humanos, os seus movimentos, discurso e linguagem corporal ainda estão muito crus, num estágio muito embrionário. Nota-se que ainda são objetos. Parecidos, mas inanimados. Ao contrário do que acontece, por exemplo, na série da HBO, Westworld, por cá transmitida no canal (por cabo) TV Séries.

De acordo com o The Guardian, existem atualmente cerca de quatro fabricantes a produzir robots sexuais, sendo que os preços oscilam entre os 4.400 euros e os 13.200 euros. A intenção, contudo, passa por reduzir os preços para um patamar mais acessível.

Entre os que criticam a tecnologia, há quem levante a possibilidade de se estar a criar um ecossistema idílico para quem sofre de perturbações mentais ou de patologias que instiguem o crime.