É domingo de Páscoa e está a chover torrencialmente. Greg Wilkinson, um australiano de 39 anos, acabado de casar, aproveita o dia de chuva para estar a renovar a casa de banho. Antes de fechar uma das paredes, porém, surge-lhe uma ideia: deixar um legado, um oráculo para os vindouros, encastrado entre o gesso cartonado e a canalização.

Não prevendo intervenções nas paredes da casa de banho que acaba de construir para os próximos 50 a 80 anos, as previsões têm de apontar para o longo prazo, para o longo plano. E, mais, têm de incluir também um pouco da atualidade, uma fotografia que, no porvir em que seja encontrada, funcione como analepse, como viagem ao passado que é o presente de Greg.

Assim faz. Senta-se diante do seu portátil 486, com 8 Mb de RAM e disco rígido de 240 Mb, “com uma entrada PC MIA para memória extra/modem/programas extra, etc.)”, abre o Word para Windows V5.0 e começa a escrever. O computador, diz, “é quase topo de gama na escala de agora. Os processadores da Pentium começaram a chegar agora, apesar de a Intel estar a ter problemas com eles.”

Depois de acabar de escrever as duas páginas e meia de previsões, Greg passa para a impressora, uma Canon Bubble jet BJ-10sx, e imprime, em três folhas A4, o oráculo cuja revelação há de ocorrer em 2060. Não dizem os escritos, porém, qual a gramagem do papel usado, tampouco o tempo que demorou a previsão a ser escrita. Podemos, todavia, adivinhar que se usou a fonte Times New Roman, tamanho 12, com os títulos a negrito.

Rumemos, agora, a esse dia 15 de abril de 1995 para uma viagem pela Austrália de meados dos anos noventa, pela mão de Greg, nessa tal analepse, ou flashback, de que falávamos.

O que se passa, o que se faz e como se pensa?

Greg explica-nos que em 1995 o grande êxito do momento é a internet: “todo o homem e respetivo cão quer navegar na internet.” Navegar na Internet, o destaque é de Gregg, que aborrecido, pede o fim das navegações na rede: “Por favor digam-me que esta expressão já morreu”, escreve o místico construtor de casas de banho.

Um pão custa 2,25 dólares e um litro de combustível custa 0,68 dólares. Paul Keating é o primeiro-ministro, à procura de fazer da Austrália uma república antes do fim do milénio.

O mundo caminha para o verde. A geração de Gregg “e a anterior são as responsáveis por arrancar todos os recursos naturais em que [pudessem] pôr as mãos, sem grandes preocupações com estado da ecologia.” Tudo parte de uma sociedade, explica-nos, “muito materialista”, que “tem um grande nível de liberdade de escolha”. Apesar da liberdade, “a SIDA está a matar milhares”, conta-nos Gregg. Sobretudo no chamado terceiro mundo, cuja população “parece estar a ser dizimada”.

No que toca ao desporto, Gregg é apoiante dos Brisbane Broncos, uma equipa de rugby da Super Liga australiana. Super Liga que é uma novidade, empurrada pela chegada da televisão por cabo à Austrália, com um “homem muito rico chamado Rupert Murdoch que está prestes a mudar a ARL (Liga de Rugby da Austrália) para Super Liga. Isto porque quer-nos a ver os nossos jogos preferidos nos seus canais por cabo.”

Como é o futuro?

Findo o retrato do presente de Gregg, que é um decalque do passado dos contemporâneos que leem este texto, passemos, então, às previsões. Previsões que, escreve Gregg Wilkinson, “não têm em mente nenhum período em particular”. Gregg previa, já dissemos, que se cumpram antes de 2060, ano em que, por ter confiança na parede que construiu, o oráculo havia de ser achado. Roslyn Green, a mulher de Gregg, menos otimista, previa que os papéis fossem encontrados em 2020.

  1. As famílias vão voltar a um dos pais a trabalhar e outro a ficar em casa a cuidar dos filhos, prevê Gregg. “Isto vai trazer uma recessão controlada, uma sociedade menos materialista com mais interação social nos subúrbios”.
  2. “O Islão vai tornar-se no próximo problema ideológico a dar origem a uma reação igual e oposta que atirará grandes partes do globo para uma ridícula “guerra santa”, com cada um dos lados a acreditar que é mais religioso/mais correto que o outro”.
  3. “A China vai semi-democratizar-se, crescer com uma superpotência económica mundial. Os Estados Unidos da América vão ser o seu maior parceiro de comércio e se eles [China] acharem que precisam de mais espaço, suspeito de que a Austrália possa ser o seu alvo”.
  4. “A Austrália vai ser cobiçada pelo mundo, independentemente do que aconteça. É um ótimo lugar para se viver e deve ficar para sempre como uma nação una e multicultural”.

Do futuro para hoje

Nem todas as previsões se concretizaram. Por exemplo, a Austrália não é uma república. No referendo de 1999, a maioria escolheu continuar a ser parte da Commonwealth, tendo a rainha Isabel II, do Reino Unido, como chefe de estado. Todavia, Murdoch continua a ser um dos mais ricos no negócio da comunicação social.

O jornal australiano Sydney Morning Herald conta que a carta foi descoberta por homens que trabalhavam em obras na casa que foi de Gregg e Roslyn, 22 anos depois de ter sido escrita.

Sasha Ilic, um dos trabalhadores na casa, partilhou as previsões no Facebook e conseguiu encontrar Gregg Wilkinson.

“Quando vi a carta no Facebook, senti-me um pouco violado. Mas quando pensei nisso e com as previsões ficou claro o progresso da Internet em 22 anos e, sem ela, como seria possível terem-me encontrado”, disse Gregg, agora com 61 anos.

“Recebi um pedido de mensagem no Facebook Messenger e um homem muito simpático perguntou-me se eu era o homem certo e mostrou-me. Lá estava. Quase me vieram as lágrimas aos olhos”, conta o homem.

“Devo parecer um espertalhão porque as previsões estão relativamente certas, mas sou um crente no equilíbrio”.