Coachella é lá longe e pode significar pouco para quem, em Portugal, escuta Beyoncé ou vibra nos nossos festivais de Verão. Mas e se revertermos o facto e pensarmos nas artistas nacionais cabeças de cartaz dos nossos eventos musicais? Coachella começa a fazer mais - ou menos, dependendo da perspectiva - sentido.

Se recordarmos M.I.A. (SBSR, 2012) ou Florence and the Machine (SBSR, 2015) não vamos longe na análise porque a maior parte das mulheres - portuguesas incluídas - faz parte de uma banda ou não é cabeça de cartaz. Muito embora não pensemos muito nisso, não foi à toa que se começou a apelidar Coachella de Brochella, do inglês bro (brother, forma de tratamento masculino). Em Coachella, no ano passado, menos de um quarto do total das actuações foram de artistas femininas. Nos anos anteriores o cartaz foi ainda mais masculino, o que quer dizer que as poucas mulheres que aparecem não estão no topo da lista.

Para quem não conhece, Coachella não tem comparação com o que acontece em Portugal. É maior, tem mais concertos e pessoas por metro quadrado, tem impacto mundial, é no meio do deserto (welcome dust...) e a sua notoriedade compromete agendas ao nível da música, moda e lifestyle. Há tanto de música como de desfile de estilo e exibição nos sites de redes sociais com o Instagram a liderar as imagens made in Coachella.

Contudo, importa pensar na representação de género nos cartazes dos festivais. Não creio tratar-se de uma acção concertada para deixar as artistas femininas de fora, mas de uma cultura de tal forma inculcada, em que quem faz as escolhas nem percebe que "elas" acabam sempre no fim da lista. Tal como em outras indústrias, o poder está nas mãos de homens que interiorizaram esta cultura sexista que também nós, mulheres, defendemos. Não culpo ninguém porque também somos responsáveis pelo estado das coisas. Fomos calando demasiado tempo. Sempre discretas e (bastante) subservientes. A mudança está lentamente a acontecer e não é tão silenciosa quanto se pensa, no sentido do apoio ao artista independente do seu género. O cor. Ou qualquer coisa que se possa interpor entre a decisão e o público.

Independentemente de questões feministas ou de igualdade de género, a presença da Queen Bey nesta edição do Coachella faz todo o sentido. Não só nunca actuou (apareceu em actuações de outros artistas) neste festival, como marcou pontos com o seu "Lemonade" afastando-se (ainda mais) da conotação de fake pop star que a perseguia. "Lemonade" não é apenas mais uma colecção de canções, assumindo-se como um trabalho conceptual, que liga artisticamente a música e o vídeo, sem deixar de elogiar a música pop que lhe deu fama e notoriedade. Simultaneamente Coachella cresce num sentido mais mainstream descolando-se da imagem hippie que lhe deu origem. Ainda que sejam os mais jovens em maior percentagem, os festivais de música fazem, actualmente, parte da cena musical e do estilo de vida da maior parte das pessoas, independentemente da idade. A cultura festivaleira está a mudar e, em Portugal e no resto do mundo, os grandes eventos têm uma responsabilidade acrescida porque estabelecem o padrão a seguir: na escolha dos artistas, na qualidade das infra-estruturas, na segurança, na alimentação e, sobretudo, na relação música e estilo de vida, altamente valorizada nesta era de instant likesinstagram picsEither way, Coachella's music will be fire!

Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.

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