Edgard Souza Vieira é luso-descendente. Os avós nasceram na Ilha da Madeira, em Câmara de Lobos: a avó era costureira e fazia desenhos para bordados, o avô barbeiro. Tiveram cinco filhos, mas só o mais velho nasceu na Madeira. Em 1941 embarcaram para o Brasil para fugir ao Estado Novo e com medo que Portugal entrasse na Guerra Mundial. Na ilha, já tinham visto os zeppelins no céu e achavam que o mundo ia acabar naqueles dias.

Quando chegaram a Santos, os avós de Edgard iniciaram vários negócios: uma fábrica de têxteis na Madeira e outra no Brasil, onde empregaram madeirenses imigradas, e uma agência de viagens que ainda hoje existe e continua na família.

Edgard descende da segunda filha mais nova dos portugueses. Cresceu a ouvir português com um sotaque quente, por viver grande parte da sua vida no Brasil. Mas não foi isso que o impediu de manter uma relação com Portugal. Alguns familiares vivem no país e visita-os sempre que pode. Também esteve dois anos em terras lusas, entre 2001 e 2002, mas depois optou por voltar para o Brasil. “Fui para Portugal passar uma temporada de três meses e acabei encantado com Lisboa, com as suas pessoas e lugares. Na época, quis levar o meu filho recém-nascido, mas todos os familiares preferiram que ele  crescesse no Brasil, então após dois anos tive de voltar.”

Atualmente, reside em Barcelona. “Sempre fui apaixonado por skate e spots de rua e Barcelona era um sonho de criança, não só pela cultura mas por ser a Meca [o núcleo] do skate europeu. Quando morei em Portugal fui a Sevilha e a Madrid, mas não consegui ir a Barcelona. Anos depois consegui alinhar trabalhos com o sonho e fui para lá”, diz.

A sua relação com as artes começou cedo. “Sempre tive o hábito de pintar, desde criança. Mas o graffiti entrou na minha vida em 2006, quando comecei a usar outros tipos de ferramentas nos meus desenhos. Passei das canetas às latas de spray, incluindo outras técnicas e referências mais urbanas”, conta.

Foi também no mesmo ano que surgiu a sua loja, a FASE!. O nome tem uma origem curiosa. Em Santos, quando se quer “expressar que estava tudo perfeito, tudo em ordem, sem nenhum problema”, usa-se o termo, pelo que era um bom prenúncio para o projeto. Além disso, “a maioria das lojas tem o nome em inglês e sempre pensámos em colocar um nome português”, relembra Edgard.

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Ao início, a loja funcionava como um “coletivo de arte, um apanhado de diversas artes, diferentes vertentes e artistas de áreas distintas, com exposições de artistas regionais”. Era também um “ponto para trocas e divulgação de ideias entre a maioria dos artistas da cidade, chegando até a acontecer workshops para quem queria começar a pintar”. Depois, a loja passou a ser um um espaço que permitia a Edgard e aos seus colaboradores a criação de produtos próprios, como autocolantes, stencil, t-shirts, bonés, entre outros. A produção destes materiais era, no fundo, uma forma de se manterem financeiramente. “A arte era um pouco inviável da época”, refere. Até ao momento, a loja e o escritório continuam sediados em Santos, no Brasil. Após onze anos de loja aberta, direciona-se mais para o graffiti.

Tendo em conta a sua relação com o Brasil, Edgard refere que “um dos projetos mais significativos foi o do mural da Torre do Quebra Mar em Santos”. Este é um trabalho de grandes proporções, com 16 metros de altura. “Foi um projeto a que nos dedicámos bastante, envolvendo empresas, patrocinadores, fornecedores. O resultado final foi além da expetativa e foi um trabalho em que pude aprender bastante”, afirma.

Todos eram "Pesado" até que o apelido se colou a ele

Edgard assina os seus trabalhos como Pesado Dub. A ideia da assinatura surgiu naturalmente. “Sempre tive a mania de chamar os outros de Pesado, que é uma expressão da minha cidade. Além disso, sou muito ruim para me lembrar de nomes, chamava todos de Pesado. Com o tempo, esse apelido voltou-se para mim. Depois, como sempre gostei muito de música - passei alguns anos a tocar em festas, festivais e casas noturnas -, o estilo Dub era um dos que tocava sempre, pelo que levei isso para a arte que comecei a fazer pelas ruas”, conta.

Ao longo dos últimos anos, muitos têm sido os trabalhos de Edgard. Em 2016, pintou na Alemanha. “Fui convidado pelo artista Paulo Consentino, que pinta jogadores de futebol nas suas respetivas cidades natal, para realizar uns trabalhos em Berlim . Pintei na galeria Teufelsberg, um antigo centro de espionagem da II Guerra Mundial. Após o término da Guerra, todos os destroços foram jogados [lançados] para essa ‘montanha’. Com o tempo, os artistas foram invadindo e tomando o espaço para difundir e divulgar os seus trabalhos. É, hoje em dia, uma das mais importantes e visitadas galerias de arte graffiti de Berlim. Ali fizemos dois trabalhos, um interno e outro externo, com 9 metros de altura. Depois realizei outros três trabalhos no MauerPark, que é um famoso Hall of Fame de Berlim, onde existe uma grande quantidade de graffiti do mundo todo”.

O tempo que passou na Alemanha abriu-lhe portas para realizar outros trabalhos que acabaram na série em que está agora focado: pintar o nome das cidades por onde passa. “Sempre gostei de fazer letras e comecei a juntar essa ideia do lettering com as viagens e conhecer outras cidades através do que eu gosto de fazer. É uma série com que me estou identificando e gosto do resultado final. Com isto, espero poder conhecer e difundir mais a arte do graffiti noutros lugares. Ao pintar os nomes das cidades, é como se fosse uma etiqueta que diga não só por onde passei, mas que deixe uma recordação e um presente na cidade em questão. Tenho recebido boas críticas desta série, de pessoas conhecidas e de artistas que respeito”, ressalta. Neste projeto, Edgard já passou por cidades como Barcelona, Lisboa (na Galeria de Arte Urbana), Berlim e Santos, no ano de 2016.

Continuando “a trabalhar apenas com graffiti e as suas vertentes”, Edgard Souza Vieira espera, este ano, acabar de “realizar um mural de 600 m2 na cidade de Praia Grande, junto com a prefeitura local”. Além disso, há ainda mais uma parceria com “o artista Paulo Consentino, num projeto de um mural em Amesterdão, na Holanda, para a Fundação Johan Cruyff. Já estamos a trabalhar nele e terminamos no dia 10 de maio. Vamos pintar uma empena de 14 metros”, refere. O entusiasmo por este trabalho para a fundação do prestigiado jogador holandês e também treinador do Ajax e do Barcelona é notório.

São estes trabalhos em parceria que dão gozo ao graffiter. Prefere fazer trabalhos em conjunto, porque o foco agora está nos “murais gigantes e outros artistas são peças fundamentais para trabalhos desse porte, além do prazer que advém de se pintar com diferentes amigos e novas culturas”.

Ao contrário do que se possa pensar, o graffiti já não se limita às ruas. Começam a ser alguns os trabalhos interiores. Quanto ao processo de pintura, este é algo diferente. “Nos casos de trabalho interno residencial, normalmente temos como referência um tema escolhido pelo cliente. Depois fazemos a pesquisa de imagens e por fim fazemos o layout no papel, definindo quase totalmente o trabalho a ser na parede”. Aqui, além dos habituais sprays, também são utilizadas canetas. Por outro lado, na rua o ambiente é outro. “É uma linguagem bem mais livre, o que me encanta muito mais pela diversidade e identidade que posso imprimir no meu trabalho”, explica Edgard.

Quanto ao futuro, além de ter “o sonho de pintar uma empena [mural] em Portugal”, Edgard gostaria de pintar em Miami, no bairro de Wynwood, “que se tornou uma das mecas mais importantes do cenário [da arte urbana]”. Com tudo isto, o graffiter não tem grandes dúvidas: este é um trabalho a manter. “Hoje em dia, em relação ao mercado da arte graffiti, pode dizer-se que tem melhorado bastante. Mas, por se tratar de um mercado praticamente novo, não tem uma estabilidade totalmente garantida. Mas atualmente dá para viver do graffiti, sim”.

Se o graffiti enquanto 'trabalho' conhece hoje melhores dias, o mesmo se pode dizer da sua avaliação enquanto expressão artística. “Hoje em dia, com a evolução e quantidade de trabalhos que vão sendo feitos pelo mundo, vejo uma certa melhoria em relação ao preconceito com o graffiti. Claro que ainda existem muitas pessoas que não o veem como arte, mas creio que isso está mudando, principalmente em Portugal, que começa a ser uma das principais capitais de graffiti no mundo”, remata.

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