Shepard Fairey inaugura hoje, na galeria Underdogs, “Printed Matters - Lisbon”, parte de uma série contínua de exposições que é também o nome do projeto que iniciou em 2010, e foi apresentado pela primeira vez em Los Angeles.

Esta semana criou murais em Lisboa, na zona da Graça e nas Amoreiras, um destes a meias com o português Vhils.

O reconhecido artista urbano e ‘designer’ gráfico, de 47 anos, que vive e trabalha em Los Angeles, combina no seu trabalho elementos do ‘graffiti’ e da ‘pop art’, e tornou-se conhecido com o projeto "Obey", que iniciou em 1989 com um ‘sticker’ (autocolante) criado pelo artista, quando estudava na Rhode Island School of Design, e acabou por se tornar uma campanha de arte de guerrilha, a nível mundial.

“Printed Matters - Lisbon”: Obras que lançam alertas 

“Printed Matters” é parte de uma série contínua de exposições que é também o nome do projeto que iniciou em 2010, tendo sido apresentado pela primeira vez em Los Angeles, e que chega hoje à galeria Underdogs. Em cada exposição, o artista vai acrescentando obras inéditas.

Os trabalhos expostos são sobretudo impressões em madeira, papel e metal, mas há também ‘stencils’, que Shepard Fairey usou para pintar nas ruas e que, quando começam “a ficar frágeis”, são reformados “como objetos de arte em molduras”. Em comum têm as cores utilizadas - vermelho, preto, dourado e creme, que o norte-americano começou a usar “por uma questão prática”, embora haja uma série de trabalhos em azul, criados para a exposição "Earth Crisis" ("Crise da Terra") – e o teor ativista.

“Estou constantemente a tratar os temas do poder abusivo, da necessidade de questionar a autoridade, do poder abusivo do mercado empresarial, da maneira como as empresas, especialmente nos Estados Unidos, influenciam o governo, da destruição ambiental e das alterações climáticas, da vigilância e da desintegração da comunicação social. Há peças sobre esses temas, não só nesta exposição, mas em todas as que faço e estou sempre a encontrar maneiras novas de os abordar”, contou, em entrevista à agência Lusa, em Lisboa.

Shepard Fairey vê na arte “uma ótima maneira de comunicar”. “Conseguir fazer uma imagem de que estou orgulho e me dá gozo fazer, mas que também diga alguma coisa é importante para mim, porque me permite ter os dois lados da minha personalidade”, referiu.

É fã de bandas e artistas como Rage Against the Machine, The Clash, Public Enemy, Bob Marley, Neil Young, Bob Dylan, “que intervêm [politicamente] através do que fazem”. Considerando que “os músicos o têm feito mais frequentemente do que os artistas visuais”, Shepard Farey gostava de “o ver feito mais vezes nas Artes Visuais”.

Como exemplos de quem já o faz, falou do britânico Banksy, do português Vhils e do francês JR, recordando ainda o trabalho dos veteranos norte-americanos Barbara Kruger e Robbie Conal, “politicamente opinativos”.

“Gostava de ver mais disso, especialmente nos Estados Unidos, onde é importante neste momento. Mas não vou dizer aos outros artistas como devem fazer o seu trabalho”, afirmou.

Com uma exposição composta sobretudo por obras impressas, não crê “que a impressão tenha os dias contados, apesar de também usar plataformas ‘online’ e técnicas digitais”.

“Sentares-te à frente de um computador e receberes informação ou olhares para ela no teu telefone é muito impessoal, muito seguro e muito desprendido. A impressão, seja algo que podes ver aqui a três dimensões ou nas ruas, como um ‘poster’ ou um mural, uma intervenção artística na paisagem, liga-se ao que é visceral e vital em estar-se vivo, que é viver a vida e ser-se capaz de sentir coisas, e isso nunca vai desaparecer, vai ser sempre importante para as pessoas”, defendeu.

No âmbito da exposição, Shepard Fairey criou três murais em Lisboa. Um deles, na rua Senhora da Glória, é uma colaboração com Vhils.

“A minha parte do mural, metade do rosto de uma mulher muçulmana, é baseada numa série que fiz chamada ‘Universal Personhood’. Em vários países muçulmanos a mulher não era considerada uma pessoa completa até há pouco tempo, era três quintos de pessoa. A isso juntas que, no mundo ocidental, se acha que se deve ter receio dos árabes e que estes contam como menos. Quero ver ‘Universal Personhood’ [personalidade universal] para todas as mulheres no mundo, independentemente de que zona são, de que religião”, explicou.

A mulher muçulmana de Shepard Fairey e o retrato de uma outra de Vhils “convergem”. “A ideia é de que todos podemos juntar-nos. Podemos ser todos de perspetivas diferentes, mas temos todos algo em comum”, salientou.

Nos outros dois murais surgem figuras fardadas, com armas na mão de onde saem flores - no da rua Natália Correia, na Graça, uma mulher, e na rua José Gomes Ferreira, às Amoreiras, um homem.

Nestes dois murais há “uma boa sobreposição entre os Estados Unidos e Portugal”.

“O Vhils explicou-me o simbolismo da flor na arma da revolução de 1974, e é um símbolo que tenho usado no meu trabalho como símbolo pró-Paz, inspirado pelos protestos contra a Guerra do Vietname nos Estados Unidos, em que os estudantes universitários colocavam flores nos canos das armas dos militares da Guarda Nacional. A flor e a arma [foram pintados] como símbolo pró-Paz e reconhecimento da História de Portugal”, contou.

O desenho do mural da rua Natália Correia, da “guarda da Paz”, será impresso numa edição limitada a 450 exemplares, dos quais metade serão vendidos pela Underdogs e a outra metade estará disponível através do 'site' do artista, depois da exposição de Lisboa.

Para Shepard Fairey, que considera “muito importante” pintar na rua, o lado bom da impressão é poder mostrar trabalhos de que se orgulha em locais diferentes. “Em vez de apenas uma grande exposição num ano, posso fazer várias e os trabalhos têm um preço mais acessível, mas mesmo assim acho que são boas peças de arte”, disse.

Em Lisboa, será possível ver ao vivo, e de forma gratuita, esses trabalhos, entre hoje e 31 de julho e de 01 a 23 de setembro. Já os murais pertencem agora à cidade e não têm data prevista para desaparecer.

Shepard Fairey está em Portugal a convite da plataforma Underdogs, que tem como responsáveis a francesa Pauline Foessel e Vhils.

A Underdogs é um projeto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, exposições dentro de portas, no n.º 56 da rua Fernando Palha, um antigo armazém recuperado e transformado em galeria, e a produção de edições artísticas originais.

A plataforma tem também uma loja, na rua da Cintura do Porto de Lisboa, e começou em 2015 a organizar visitas guiadas de Arte Urbana em Lisboa.

Obama foi esperança, Trump é narcisismo

Seis meses depois de Donald Trump ter sido eleito presidente dos Estados Unidos, sucedendo a Barack Obama, Shepard Fairey contou, em entrevista à agência Lusa, que ainda sente “muita vergonha” de que o país tenha escolhido o empresário milionário como chefe de Estado.

“As coisas estão muito sombrias nos Estados Unidos, neste momento, e eu sinto muita vergonha que, como uma nação, tenhamos elegido Trump. Ele não ganhou o voto popular, mas, baseado na maneira como os distritos funcionam, que é parcialmente a manipulação do sistema, ele foi eleito”, afirmou à Lusa, em Lisboa, onde está a propósito da sua primeira exposição em Portugal.

Uma das obras mais famosas de Shepard Fairey, cujo trabalho tem um cunho ativista, é um retrato de Barack Obama (“Obama Hope”), a vermelho, branco e azul, espalhado pelos Estados Unidos em formato de cartaz, durante a campanha das eleições presidenciais de 2008.

Nove anos depois, e apesar do momento “sombrio” que o país atravessa, o artista mantém “esperança [hope]” no país, porque acredita que “as pessoas querem coisas que são diferentes do que o Trump defende”.

Para Shepard Fairey, “a única forma de Trump ter sido eleito, é porque o sistema não está a funcionar para muita gente”. “As pessoas estão desesperadas para tentarem qualquer coisa, mas acho que irão aprender a lição”, disse.

Além disso, “há muita apatia e ignorância nos Estados Unidos, muitas pessoas não votam e também não pesquisam [acerca de] as verdadeiras dinâmicas dos assuntos que têm impacto nas suas vidas”.

Com a arte que cria, Shepard Fairey tenta “constantemente dar um empurrão” ao que considera serem “ideias progressistas” e também de como “é importante olhar para as questões e aprender sobre elas”.

“Se sentisse que não havia esperança, não me preocupava, por isso obviamente acho que há esperança [para os Estados Unidos]”.

Num cartaz com o rosto de Donald Trump escreveria a palavra ‘Narcisismo’, disse à Lusa.

Numa entrevista recente ao jornal The Art Newspaper, o artista revelou que, para um cartaz com o rosto da adversária de Donald Trump, Hillary Clinton, escolheria "meh", interjeição usada para expressar indiferença ou aborrecimento.

Questionado pela Lusa sobre qual seria a palavra para um poster de Bernie Sanders, senador que concorreu com Hillary ao lugar de candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Shepard Fairey respondeu "Convicção".

“Apoiei Bernie Sanders porque ele tem sido consistente ao longo de 35/40 anos, e é um dos políticos mais pobres dos Estados Unidos, demonstrando que não está [na Política] em proveito próprio, está para servir a população. Acredito que tem convicção”, explicou.