"Produzimos alimento para a alma", resume à agência Lusa Qiu Zhonghui, presidente da empresa Amity Printing, fundada em 1987, com o objetivo de responder à procura interna de bíblias, depois da destruição em massa de exemplares durante a Revolução Cultural (1966-76).

Na maior fábrica de bíblias do mundo, na costa leste da China, as sagradas escrituras são impressas por operários fardados de azul, em mais de uma centena de línguas.

Pequim e a Santa Sé não têm relações diplomáticas e as manifestações católicas na China são apenas permitidas no âmbito da Associação Patriótica Chinesa, a igreja aprovada pelo Governo e independente do Vaticano.

Convictamente ateu e marxista, o Partido Comunista Chinês (PCC) proíbe os seus membros - mais de 80 milhões - de seguir qualquer religião, enquanto apela aos católicos do país para aderirem ao "socialismo com características chinesas" e funcionarem "independentemente" de forças externas.

A tradição antirreligiosa do país remonta à Revolução Cultural, uma radical campanha política de massas lançada pelo fundador da China comunista, Mao Zedong durante a qual "queimaram-se muitos livros, incluindo bíblias", explica Qiu Zhonghui.

Na época, todos os chineses tinham que ler diariamente o 'Livro Vermelho' - um manual de educação política com as citações de Mao, que ultrapassou os 5.000 milhões de exemplares.

Após a morte do líder comunista, "as igrejas começaram progressivamente a reabrir, mas o problema que surgiu então foi: não havia bíblias", lembra Qiu Zhonghui.

Desde 2003, a Amity Printing Co. começou também a produzir para o mercado externo e, das treze milhões de bíblias impressas pela empresa no ano passado, nove milhões foram para exportação.

Só em África, onde outrora Mao Zedong inspirou dezenas de movimentos comunistas, Qiu calcula que "entre 65% e 70% das bíblias foram impressas" pela Amity.

Nas instalações da fábrica, a cadência das máquinas é acompanhada pelo trabalho manual de centenas de operários, que completam a encadernação, fazem controlo de qualidade e empacotam as bíblias.

Toneladas de cópias das sagradas escrituras, em dezenas de línguas - do árabe ao português -, estão ordenadas em paletes, prontas a embarcar.

À entrada, um ecrã vai atualizando, ao ritmo de uma por segundo, o número de bíblias impressas desde a abertura da fábrica - no início de abril, superava já os 160 milhões de exemplares.

Para alguns operários, o contacto com Deus na linha de montagem resultou mesmo na conversão à fé cristã.

Xiao Sheng, de 47 anos, começou a trabalhar na fábrica em 2008. Hoje, vai à missa todos os domingos.

"A sociedade precisa de crer em Deus", diz a operária, referindo-se aos "fenómenos negativos", nomeadamente "a corrupção entre os funcionários do partido [comunista]", gerados pelo trepidante crescimento económico da China nos últimos trinta anos.

O marido de Xiao é membro do PCC, não foi batizado e diz ser ateu, mas vai à igreja com a esposa e gosta de a ouvir a ler a bíblia.

"Não é crente, mas também não rejeita" os ensinamentos de Deus, explica Xiao.

O budismo, que chegou à China oriundo da India, continua a ser dominante, mas o cristianismo é a religião que mais tem crescido no país.

Oficialmente, o número de cristãos na China continental rondará os 24 milhões, o que não chega a 2% da população. A Academia Chinesa de Ciências Sociais estima que haja cerca de 130 milhões de cristãos ligados às chamadas "igrejas clandestinas".

A acompanhar o ‘boom' do número de crentes, a Amity inaugurou em 2008 novas instalações, com capacidade para imprimir 18 milhões de bíblias por ano.

"Precisamos de duas décadas para chegar ao marco das 50 milhões de impressões", recorda Qiu. "Mas atingimos as 100 milhões em apenas cinco anos".