A semana passada foi Beyoncé, esta semana Meryl Streep... Mulheres famosas roubam a atenção a todos, colocam o tema na ordem do dia e obrigam-nos a pensar, nem que sejam dois minutos. Uns, para subrepticiamente assobiarem para o lado, ignorando o cerne da questão, comentando partilhas nas redes ou desvalorizando o tema. Há também os que nos fazem perder tempo com os seus "porque sim" e alguns percebem que, mais do que Meryl Streep ou Beyoncé, o que importa é o tema, a bofetada de luva branca que Meryl deu à América de Trump, ou as pequenas vitórias que vamos alcançando com Beyoncé. Nada do que se disse em torno de Coachella foi sobre esta artista mas antes em relação ao que tantos continuam a ignorar, o chamado empowerment. A palavra em inglês é estranha e a sua tradução literal, empoderamento, ainda soa pior. Mas é, acima de tudo, esse princípio que muitas pessoas se recusam a aceitar e que contribui para uma sociedade mais igualitária, portanto, mais equilibrada.

É preciso motivar, educar, dar acesso e ferramentas. Empowering, portanto. Capacitar. É, no fundo, motivar, fazer acreditar, dar poder, responsabilizar, fazer participar nas decisões. Mudar o estado das coisas, mesmo quando já tanto foi alcançado

Nos Golden Globes, Meryl Streep começa por afirmar que perdeu a voz mas isso não a impediu de dizer algumas verdades. De facto, da mesma forma que muitos protagonistas masculinos ganham mais do que o seu equivalente feminino, também actrizes como Meryl, com um currículo mais do que reconhecido e premiado, continuam a ser escrutinadas como se precisassem, constantemente, de provar o seu valor.

“No one has ever asked an actor, ‘You’re playing a strong-minded man…’ We assume that men are strong-minded, or have opinions. But a strong-minded woman is a different animal.”

— Meryl Streep

Os factos não mentem e os estudos demonstram que, na indústria do audiovisual americano, prevalece o desequilíbrio de género: ainda que os números estejam a crescer (2% em relação a anos anteriores) em 2015 apenas 19%  de todos os directores, guionistas, produtores executivos, produtores, editores e realizadores eram mulheres. Por cá, consta que nos jornais o rácio entre directores e directoras não será melhor. Os cálculos feitos pelo Negócios podem não estar totalmente certos mas não andam longe da verdade: há mais homens na direcção dos jornais do que mulheres. Se olharmos para os operadores de rádio em Portugal verificamos que, nas rádios nacionais, as mulheres também estão sub-representadas nas direcções de programas. Há muitas locutoras, jornalistas, directoras de marketing e vendas, recursos humanos e relações públicas. São cargos de chefia, é um facto. Mas não deixam de ser cargos de apoio ao core business da rádio. E não, não chega. Na academia o cenário é semelhante e, em outros contextos e indústrias, provavelmente também. A organização das empresas deve basear-se na competência dos indivíduos, independentemente do género. Ou da raça, que também é uma questão que evitamos discutir. Talvez por isso, também se saiba que decisões tomadas sem conhecer o género do indivíduo aumentam exponencialmente a taxa de sucesso das mulheres ou eliminar o nome da pessoa no CV também aumenta a probabilidade de contratação. A sociedade tenta negar, mas ainda há (muita) discriminação baseada no género

“I no longer have patience for certain things, not because I’ve become arrogant, but simply because I reached a point in my life where I do not want to waste more time with what displeases me or hurts me. I have no patience for cynicism, excessive criticism and demands of any nature. I lost the will to please those who do not like me, to love those who do not love me and to smile at those who do not want to smile at me.”

— Meryl Streep

Sempre gostei da Meryl actriz, pelas suas brilhantes interpretações e da Meryl mulher com opinião, da mesma forma que a Queen Bey também tem mostrado ser mais do que uma pop star. Mulheres de fibra, com opinião e que vencem numa indústria male-dominated, como se diz lá nos States são um exemplo que precisamos seguir em todas as indústrias evitando que tweets como os de Trump nos possam, de alguma forma, afectar. São também discursos como o de Meryl ou aparentes pormenores com uma Beyoncé cabeça de cartaz no Coachella  que me fazem valorizar o espírito de equipa que precisamos, cada vez mais, de fomentar entre as mulheres. Para este texto, por exemplo, uma mulher ajudou a pesquisar, uma escreveu, outra procurou gralhas, uma terceira fotografou e uma quarta estava disponível para ajudar. O bullying entre as mulheres consegue ser muito decadente mas, verdade seja dita, quando decidem estar unidas por uma causa, ninguém as pára.

Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.