Uma peça que o encenador escolheu por considerar que se coaduna muito bem com o museu, “um espaço fragmentário que tem muito a ver com o movimento artístico de que este texto do dramaturgo francês Alfred Jarry [1873-1907] é precursor”, mas também porque lhe permitiu “fazer a caricatura de um ditador”, explicou António Pires à agência Lusa, na semana antes da estreia.

Quando escolheu fazer “Ubu rei”, António Pires nunca pensou que seria uma peça “tão atual, tão pertinente, na comparação com o que se passa no mundo”.

“Com [Donald] Trump, por exemplo, ou com outros ditadores que neste momento estão a aparecer cada vez mais, ou, se existiam, pelo menos agora estão mais nítidos, mais sem vergonha e a fazerem as coisas como o rei Ubu”, referiu António Pires, sublinhando ter escolhido a peça ainda antes da eleição do atual presidente dos Estados Unidos da América, em novembro de 2016.

A escolha passou antes por caricaturar uma pessoa com poder, “que ganha o poder por um truque, por um golpe de esperteza, digamos assim, e que, depois, quando chega ao poder, começa por matar os nobres, depois mata as pessoas das finanças e depois mata os juízes, e depois passa ele a fazer as leis. Até que chega ao povo que o elegeu e acaba por cobrar tanto imposto ao povo que há uma revolta”, sublinhou.

No entanto, o encenador, que é também um dos diretores do Teatro do Bairro, advertiu que não é apenas o ditador que lidera os EUA que o público pode rever na peça.

“O Trump é o mais direto, mas há outros”, adiantou, escusando-se, todavia, a enunciá-los, preferindo que seja o espectador a descobri-los.

A peça gira em torno do rei Ubu, do modo como este assassina o rei Venceslau para usurpar o trono da Polónia e na figura monstruosa em que se torna, num texto em que o autor francês pretendeu expor o nível de crueldade e desumanidade e que o ser humano pode chegar a partir de uma mera situação de poder.

Com um elenco de 15 atores, a peça que vai estar em cena no Museu Arqueológico do Carmo, até 20 de agosto, com espetáculos de terça-feira a domingo, às 21:30, baseia-se na versão e tradução de Luís Lima e Alexandre O´Neill.

Encenar no Museu Arqueológico do Carmo, ao abrigo de um protocolo entre este organismo e o Teatro do Bairro (uma peça por ano no verão), é também uma forma de o encenador explorar novos espaços, observou.

A interpretação é de Alexandra Rosa, João Barbosa, Mário Sousa e Rafael Fonseca, juntamente com Filipa Louceiro, Joana Flora, João Redondo, Mafalda Berenguer, Margarida Alves de Brito, Maria Vitorino, Mariana Branco de Sousa, Miguel Carvalho Pinto, Renato Terêso, Rita Ramos Mendes e Vera Moura, da Act School.

A conceção cenográfica é de António Pires e do produtor Alexandre Oliveira (codiretor do Teatro do Bairro), o figurino de Dino Alves, a caracterização e direção de produção de Ivan Coletti, o desenho de luz de Rita Louzeiro, a banda sonora de Paulo Abelho, o movimento de Paula Careto e a ilustração de Joana Villaverde.