Temia-se que alguma chuva miudinha abençoasse a manhã de sexta-feira em Paredes de Coura, ou pelo menos os websites de meteorologia assim o indicavam. Mas foi puro equívoco; o sol voltou a espalhar a sua graça e levou milhares de pessoas até à beira-rio, onde se puderam deleitar com o jazz que brotava do palco ali especificamente montado para o efeito. Esse mesmo sol não abençoou, no entanto, os Beach House, que em palco se vestiram de um negro profundo.

O efeito é quase obrigatório para que possamos apreciar a música da dupla convenientemente. Os Beach House são profetas de uma pop delicodoce e flutuante, um eclipse sonoro que teve início num disco homónimo, em 2006, e culminou na edição de um álbum de lados B já este ano. A Paredes de Coura, a dupla constituída por Victoria Legrand e Alex Scally trouxe alguns dos seus maiores êxitos – se é que isso seja sequer possível ao falarmos de uma banda indie –, como a belíssima “Walk In the Park”, repescada a “Teen Dream”, ainda hoje o disco dos norte-americanos que mais corações conquistou.

Nem o atraso de cerca de 35 minutos impediu que o público português voltasse a sonhar com e por causa dos Beach House, ainda que vários tenham abandonado o espetáculo a metade para ou beber, ou acorrer aos seus sacos-cama, ou esperar pela eletrónica servida no palco after-hours. Os norte-americanos serviram uma boa dose de melodia e magia, música para corações afetados pelo amor (aqui e ali, alguns casais entregaram-se à ternura; de outra forma não seria um concerto de Beach House). Só o final, inesperado e anti-climático, retirou algum brilho à sua prestação – o mesmo presente por via das lâmpadas acesas em “PPP”.

Lâmpadas, mas não tantas quantas as vislumbradas durante a atuação dos BadBadNotGood, a pedido explícito de Alexander Sowinski, baterista incansável que quase parece saído de uma sessão do aclamado “Whiplash” e que impulsiona todo o restante grupo. Formados em 2010, os canadianos tornaram-se conhecidos pelas suas versões jazz de temas bem conhecidos do hip-hop e da eletrónica atuais, mas em Paredes de Coura optaram por apresentar sobretudo material original, naquele que foi, sem sombra de dúvida, o melhor concerto até agora observado. Não o poderia ser de outra forma quando em palco está um conjunto dotado de uma precisão técnica invejável, um quarteto que se estreou em Portugal para ensinar o jazz a muitos que antes não o conheciam, e que dentro desse mesmo jazz, de sabor particularmente bebop, muito fizeram dançar. Para sempre ficará na memória o momento em que Sowinski pede ao público que se baixe, para no one, two, three, four... por si contado se levantar em sobressalto. Disseram eles que Portugal é um país lindo e que se sentiam contentes por aqui estar; dizemos nós que queremos que eles regressem. O mais rapidamente possível, por favor. Até porque nunca hão-de ter tido um público como o de Coura. Tal como o jazz nunca viu mosh assim.

Se os BadBadNotGood espalharam uma boa dose de uma feliz loucura em palco, o público afeto aos Japandroids fê-lo fora dele. Naquele que foi o terceiro concerto da banda em Portugal em apenas três meses (atuaram no Primavera Sound portuense e no Maus Hábitos, também no Porto, num concerto especial ocorrido esta quinta-feira), os canadianos obrigaram ao levantar de uma imensa poeira e de um enormíssimo mar de corpos. A dada altura, eram às dezenas as pessoas que iam fazendo crowdsurf, impulsionadas pela energia rock da dupla, melhor descrita como um cruzamento entre a alma de Bruce Springsteen e a energia do punk rock. O mote foi “Near to the Wild Heart of Life”, álbum editado este ano, e casa para temas tão épicos quanto cativantes como “North East South West” - cujo videoclip, revelaram, foi gravado recentemente no Porto. O final, com “The House That Heaven Built”, deixou milhares de pessoas a salivar por mais uma faísca que fosse daquela guitarra e bateria. Ou então estavam só a tentar cuspir o pó que engoliram...

Antes disso, os Young Fathers fizeram com que muitos se abanassem ao som de um hip-hop em constante sobressalto, como que fugindo a uma perseguição policial, sem se esquecer de dançar no processo. Temas como “Get Up” ou versos como white men are black men too – que dá o nome ao seu segundo trabalho – foram bem recebidos por um público bem composto mas ainda longe da enchente que se viria a verificar. Apesar da qualidade, ficou no ar a ideia de que num palco mais fechado, claustrofóbico, a sua música teria resultado melhor. Dos Moon Duo, banda de rock psicadélico (mais uma!...) autora de discos a roçar o kraut e o ruído, pouco rezará a história. Fica para uma próxima.

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