Segundo emails enviados pela ACSS a hospitais, que hoje foram lidos na comissão parlamentar de Saúde, a ACSS pediu expressamente para que pedidos de consulta com mais antiguidade fossem “recusados” e que fossem criadas “novas referências” no sistema informático das unidades de saúde.

O bastonário dos Médicos foi hoje ouvido na comissão parlamentar de Saúde na qualidade de coordenador do grupo técnico independente que avaliou os sistemas de gestão das listas de espera e leu aos deputados emails da ACSS para os hospitais, a que teve acesso após pedido ao Tribunal de Contas, que em 2017 divulgou um relatório em que apontava para limpeza de doentes das listas de espera, “falseando indicadores”.

“Os pedidos até ao ano de 2013 (que não tenham uma indicação específica) têm como proposta ser atribuído o estado de recusa, para não estarem indefinidamente no sistema. Existem pedidos de 2013 agendados para 2016, mas, face ao tempo de resposta que isso terá como resultado, sugerimos que os mesmos sejam também recusados e sejam criados no SONHO [sistema informático] novas referências”, refere o email que foi lido hoje por Miguel Guimarães.

O deputado do PSD Ricardo Batista Leite pediu para que a comissão tivesse acesso a esses emails, mas Miguel Guimarães disse que não o poderia fazer, até para salvaguardar a identidade do emissor. O presidente da comissão de Saúde, Matos Rosa, afirmou então que esses elementos irão ser pedidos ao Tribunal de Contas.

Enquanto coordenador do grupo técnico, Guimarães recusou fazer uma “avaliação das intenções” dessa limpeza de doentes e disse ser incapaz de indicar se houve dolo nessas limpezas ou expurgos.

“Não há dúvidas das instruções da ACSS. Mas eu não julgo intenções”, afirmou aos deputados, admitindo que, “quem está de fora pode interpretar como sendo uma maquilhagem dos tempos de espera. Mas não digo que essa seja a intenção”, declarou.

Em meados de abril, quando o relatório do grupo técnico independente foi divulgado pelo Ministério, Miguel Guimarães tinha considerado que era “uma situação grave” haver doentes que foram “simplesmente eliminados das listas de espera” para consultas.

Na altura, Miguel Guimarães entendeu que a limpeza ou eliminação de doentes das listas terá acontecido para “melhorar a performance do sistema”.

“Não temos provas concretas, mas isso é evidente. Se existe um expediente para que pareça que o doente não está à espera há tanto tempo, é evidente que é para melhorar os indicadores finais que são depois apresentados”, declarou então à agência Lusa.

Esta ideia que tem sido rebatida pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e também pela ministra da Saúde.

Também dias depois da divulgação do relatório do grupo técnico, a ministra da Saúde considerou que era uma “suspeição intolerável” dar a entender que houve eliminação de doentes das listas de espera para consultas ou cirurgias e que foram usados mecanismos para mascarar os números.

Em entrevista à agência Lusa no dia 23 de abril, Marta Temido repudiou “veementemente” que tenha havido doentes apagados ou eliminados das listas de espera “com uma intenção fraudulenta”.

“A palavra eliminar parece fazer deduzir que os doentes foram apagados com uma intenção fraudulenta e é isso que se repudia veementemente”, afirmou então a ministra.

Marta Temido rejeitou qualquer manipulação de dados e “muito menos” que se tenha feito qualquer trabalho “com intenção” de mascarar os números.

“O objetivo foi sempre ter informação mais fiável a partir de instrumentos que não foram pensados na origem para dar informação do tipo que nós hoje queremos extrair deles”, indicou.

Exemplo disso é o sistema de consulta a tempo e horas que foi projetado e desenhado sem ter em conta informação que seria necessária dar aos utentes, a partir do momento em que se introduziu o livre acesso e circulação nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

Para a ministra, o relatório do grupo técnico independente que analisou os sistemas de gestão das listas de espera entre 2014 e 2016 “enferma do vício, até de linguagem, que é de classificar como limpeza, num sentido pejorativo, aquilo que são trabalhos administrativos de revisão das listas de utentes em termos de acesso”.