Em causa está uma “reclamação” que a Livraria Bertrand apresentou na autarquia de Lisboa, na sequência de uma situação ocorrida no período de Natal de 2019, na qual alega que o alargamento da feira, em dias úteis, "causou graves danos” por ter impossibilitado a entrega de livros no seu armazém, no número 17 da rua Anchieta, o que obrigou à utilização da entrada principal da loja, no número 73 da rua Garrett.

“O funcionamento da feira em dias úteis causou graves danos, uma vez que impediu durante todo esse período a circulação dos camiões de entrega de livros dos transportadores. Consequentemente, todos os livros que deveriam ser entregues diariamente no armazém da Bertrand, sito na Rua Anchieta n.º 17 (em média cerca de 4 mil livros por dia), passaram a ser entregues na entrada principal (Rua Garrett n.º 73), o que implicou o atravessamento pelo interior da loja das inúmeras caixas remetidas pelos fornecedores. Do mesmo modo, as devoluções de livros, que são regularmente recolhidas pelo transportador, não puderam ser levantadas no armazém durante esse período”, lê-se numa resposta enviada à agência Lusa, pelo gabinete de Comunicação e Imprensa da Bertrand.

“Nada temos a opor à realização da feira no dia em que habitualmente se realiza, mas entendemos que a decisão da autarquia de permitir o alargamento da feira aos dias úteis constituiu uma decisão arbitrária, uma vez que não ponderou devidamente os impactos na circulação na Rua Anchieta e nos estabelecimentos comerciais aí existentes”, lê-se ainda na nota da Bertrand, que sublinha ser “completamente falso que existam quaisquer conversações” entre "a Livraria Bertrand e a Câmara Municipal de Lisboa”, no sentido de acabar com o certame que ali decorre aos sábados.

Esta 'feira' de alfarrabistas tem sido alargada aos dias úteis na semana que antecede o Natal e na semana que coincide com o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor, que se celebra a 23 de abril.

Em declarações à agência Lusa, Paulo da Costa Domingos, editor da Frenesi e um dos alfarrabistas semanalmente presentes na rua Anchieta, disse à Lusa estar convicto, assim como outros alfarrabistas, de que “já há algum tempo que a Bertrand pretende acabar com a feira naquele local”.

Sobre o incidente referido pela Bertrand, o editor e alfarrabista disse ter tido conhecimento de um “episódio pontual”, em que um alfarrabista barrou o acesso a uma porta do armazém da livraria.

Esta situação levou mesmo a que 17 dos 20 alfarrabistas se tivessem reunido, em 28 de dezembro último, e tivessem aprovado um documento conjunto com vista a “reforçarem as boas relações existentes com a direção da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior”, assim como com as entidades associadas à utilização daquele espaço público, nomeadamente a Livraria Bertrand, a Igreja dos Mártires, os utentes dos prédios e escritórios e os restaurantes daquela área, no Chiado.

“Somos 19 ou 20 alfarrabistas e, nos 19 ou 20, existem educações diferentes, temperamentos diferentes e gente que é muito diferenciada, mas para não viciar entre nós os espaços melhores (…), temos um esquema de rotação e não estamos sempre no mesmo sítio. E acontece que alguns colegas mal formados - porque os há -, quando passam por determinada zona não se importam de pôr caixotes à frente da porta de serviço. Mas isso foi um problema que entre os funcionários da Bertrand e as pessoas que ali estão foi sempre resolvido”, disse.

Entre as medidas aprovadas pelos alfarrabistas, conta-se o funcionamento da feira entre as 09:00 e as 18:00, aos sábados, e abertura às 10:00, nos eventuais dias suplementares que sejam autorizados pela Junta. Acordaram ainda que a entrada dos seus veículos deverá ter lugar nos sábados, até às 08:30 e, nos outros dias, até às 09:00.

Entre as medidas aprovadas contam-se também a de manterem livre de quaisquer obstáculos os passeios públicos na rua Anchieta, os circundantes à Livraria Bertrand e os da Igreja dos Mártires, e de não adquirirem material oriundo de fonte desconhecida ou por pessoas estranhas aos próprios, assim como a necessidade de criarem uma comissão de representação dos Livreiros Alfarrabistas da rua Anchieta junto da direção da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior ou de qualquer outra entidade, relacionada com a actividade.

Quanto à semana de Natal, Paulo da Costa Domingos recorda um episódio em que um dos alfarrabistas montou a banca na porta das traseiras da Bertrand, e não facilitou a entrada de um funcionário dos correios, que teve de dar a volta e atravessar a livraria. O editor sublinha porém tratar-se apenas de “um episódio”.

Quanto ao compromisso assumido pelos alfarrabistas de "não adquirirem material oriundo de fonte desconhecida", Paulo da Costa Domingos afirma que a Bertrand tem também alegado que há livros que são roubados da livraria, e que aparecem nas bancas da feira.

"Não sei se isto é verdade se é mentira -- prossegue --, mas há uma coisa que eu sei: um comerciante tem de resolver os problema dos roubos entre o ladrão, se for apanhado, e a polícia, não tem nada a ver com o vizinho do lado”, frisou.

“A Bertrand não vai pedir satisfações à FNAC por roubarem livros na Bertrand”, prosseguiu, sublinhando que os alfarrabistas não são “concorrentes diretos da Bertrand”. Além do mais, após o 25 de Abril e o fim do Corporativismo (prática protecionista da ditadura), nada impede que haja dois estabelecimentos comerciais contíguos a vender o mesmo produto.

Sem acrescentar mais pormenores, o comunicado da Bertrand refere ter conhecimento de que a reclamação que apresentaram foi remetida para a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.

A Lusa contactou igualmente o presidente da Junta de Freguesia, Miguel Coelho, que disse ter tido conhecimento da reclamação da Bertrand, sublinhando que é a junta a que preside que licencia a ocupação de espaço público pelos alfarrabistas e que “está muito satisfeito com a atividade destes”.

“Não faço intenção de lhes cancelar a licença e até reconheço o bom trabalho que têm feito de divulgação daquela zona histórica da cidade”, disse Miguel Coelho, frisando que visitará a feira no sábado de manhã, caso as condições meteorológicas o permitam, a fim de ver as condições em que decorre o certame.

Sobre o alargamento da feira aos dias úteis, numa semana no natal e noutra em abril, Paulo da Costa Domingos disse à Lusa tratar-se de uma iniciativa que já se realiza há anos, e que funciona como “uma espécie de bónus” da Junta de Freguesia, uma vez que os alfarrabistas pagam licenças mensais e, nos meses de inverno, quando chove muito, chegam a não poder realizar o certame durante semanas consecutivas.

Lembrou ainda que, a Livraria Bertrand já chegou a ter banca montada na feira junto com os livreiros.

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