"As desvantagens, em determinadas faixas etárias, de não regressar às escolas são muito evidentes, e penso que, quando colocadas em contraponto com os riscos concretos para a criança, a balança está muito desequilibrada no sentido das vantagens de a criança regressar à escola". A afirmação é do diretor da unidade de Psiquiatria do Centro Clínico Champalimaud, Albino Oliveira-Maia, e resume bem um conjunto de conversas do SAPO24 com especialistas em diversas áreas.

A questão sobre prós e contras de deixar os filhos ir à escola é levantada por muitos pais e educadores, aflitos com a possibilidade de os filhos poderem contrair Covid-19, numa altura em que as aulas presenciais vão recomeçando um pouco por todo o país.

O diretor do departamento de Pediatria do Hospital Beatriz Ângelo, Paulo Oom, ilustra este receio: "Tenho pais de crianças completamente normais e saudáveis que já tiveram grandes conversas comigo ao telefone sobre se a criança deve ou não ir para a escola. Mais, tenho crianças perfeitamente normais e saudáveis, já crescidas, a chorar porque não querem ir para a escola com medo de apanhar Covid". São miúdos de nove, dez, onze anos.

"É menos provável serem as crianças a passar a doença aos adultos, é mais provável serem os adultos a passar a doença à criança"Paulo Oom

Para o pediatra, parte da angústia deve-se ao desconhecimento e, por isso, começa por deixar alguma informação relevante: "Hoje, ao fim de seis meses de pandemia, sabemos que, de facto, aquilo que se temia inicialmente, que era que a Covid-19 fosse um bocadinho como a gripe, não é assim. Todos os anos a gripe espalha-se nas escolas e das escolas passa para casa. É por isso que nas urgências de pediatria há um pico de gripe normalmente quinze dias antes do pico da gripe dos adultos. Todos os anos. Quando na pediatria começamos a ter dias e dias só com gripe, avisamos os colegas dos adultos: começou a gripe nas crianças. E é exactamente duas semanas depois que eles começam a ter o pico da gripe nos adultos".

Habitualmente, isto acontece em novembro. "Sendo o coronavírus um primo da gripe, encerrar as escolas não foi uma má ideia, foi sensato e prudente num primeiro momento. No entanto, hoje sabemos que não é assim. Devido às características do vírus, a transmissão é muito mais entre adultos do que entre crianças. Nas crianças a doença é muito mais leve do que nos adultos, não tem comparação. A maior parte das crianças é assintomática, se não é assintomática tem sintomas leves, e a grande maioria fica em casa à espera que a doença passe. Mas, claro, sabemos sempre daquele caso, um caso em um milhão, em que a coisa correu muito mal e foi notícia. A verdade é que esse caso é a exceção da exceção da exceção", garante.

"É claro que algumas crianças se vão contaminar e algumas vão levar a doença para casa. Mas, apesar de tudo, sabemos que ao trazerem a doença para casa também é menos provável serem as crianças a passar a doença aos adultos, é mais provável serem os adultos a passar a doença à criança. Isto porque o que transmite muito o vírus é a tosse e os espirros, que os adultos têm muito mais presente".

Este é um primeiro ponto e tem a ver com a transmissão.

A psicóloga clínica e investigadora do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Margarida Gaspar de Matos, subscreve a necessidade de reabrir escolas e os benefícios do ensino presencial. "Fomos um país exemplar a confinar, todos fizemos o que achámos que era melhor na altura, apesar das muitas informações contraditórias, porque se estava a veicular o que era verdade em cada momento. Agora temos de fazer o processo ao contrário, porque não vamos ficar para sempre nas nossas casas. Mesmo que venha uma segunda vaga, provavelmente virá mais atenuada, porque já há outros cuidados, já há máscaras, já se lavam as mãos, desinfetam-se materiais, não nos colamos uns aos outros", diz. Para a investigadora, a palavra-chave é confiança. "Cada um de nós tem de ter confiança em quem toma conta dos diversos setores, o país não pode ficar cheiinho de treinadores de bancada. Cada um tem de trabalhar para o bem comum, mas na sua área de especialidade, e cabe aos epidemiologistas e aos especialistas da Direção-Geral de Saúde dar diretrizes".

"O ambiente em casa é muito importante, mas a escola é o veículo fundamental para as crianças se relacionarem e não se transformarem em zombies digitais"Paulo Oom

E lembra: "As escolas estão desde junho a preparar a reabertura. Isto não quer dizer que não haja uma escola execrável que tenha um diretor desinteressado ou tresloucado, que devia estar noutro lado qualquer. Pode acontecer e é preciso reportar. Mas, no geral, vejo as escolas a tentar que isto corra o melhor possível e temos de acreditar. Podemos ficar infetados em qualquer lado, o que podemos é baixar a probabilidade de isso acontecer. E é isso que as escolas estão a fazer, baixar probabilidades, cumprindo as recomendações de acordo com as suas possibilidades, ajustadas à sua realidade concreta".

Mas há outro ponto, e tem a ver com o desenvolvimento e a saúde mental das crianças e adolescentes. "As crianças precisam muito da parte presencial do ensino. Para as mais novas, sobretudo, da creche ao primeiro ciclo, o ensino à distância foi um desastre, porque uma criança precisa de estar em contacto com as outras para se desenvolver, é através do convívio que cresce, que percebe os seus limites, onde acaba a sua liberdade e começa a dos outros. O ambiente em casa é muito importante, mas a escola é o veículo fundamental para as crianças se relacionarem e não se transformarem em zombies digitais. Estamos há anos a dizer que é preciso uma dieta digital, porque os miúdos estão a ficar completamente agarrados aos ecrãs: a média em Portugal já ultrapassa as seis horas por dia e nos Estados Unidos ultrapassa as oito horas por dia, uma coisa inacreditável. Portanto, estamos há anos a falar em dieta virtual, mas surge uma pandemia e mandamos tudo para casa para o Zoom e para o Skype. Ou seja, além de não os mandarmos fazer dieta, ainda os estimulamos: não fiquem tristes, falem com os amigos pela Internet. Voltámos para trás, mas agora está na altura de fazer o caminho inverso, é obrigatório o contacto uns com os outros para fazerem um desenvolvimento normal", assegura Paulo Oom.

"Uma criança pode ir para a escola mais cedo ou mais tarde; não deve ir até ao ano, ano e meio para não apanhar doenças e infeções, mas a partir do ano e meio, dois anos tem de ir. Três anos é o limite dos limites, se não foi até essa idade, tem de ir. Isto são as recomendações pelo mundo inteiro, porque é fundamental para o desenvolvimento da criança o contacto com os pares. Hoje vemos crianças, essas, que ainda não tinham ido para a escola, mas que já têm quatro anos, às vezes mais, que são uns zombies, não se sabem relacionar, veem outra criança e não sabem o que hão de fazer, ficam paradas a olhar. Portanto, as consequências de não ir para a escola são gravíssimas nos mais pequenos. Os mais crescidos têm problemas de ansiedade, e há vários relatos em revistas científicas pelo mundo fora".

"As crianças têm necessidades que dificilmente terão resposta se estiverem fechadas durante seis meses ou um ano num apartamento, por mais saudável que seja a relação com os pais ou com os irmãos" Albino Oliveira-Maia

Margarida Gaspar de Matos fala de um estudo ligado à Organização Mundial de Saúde que se faz em Portugal de quatro em quatro anos, o último, de 2018. "As crianças diziam que não gostam da escola e o pior são as aulas e as cantinas. Do que mais gostam na escola é dos intervalos. Portanto, eles têm saudade da escola, dos recreios (e agora, se calhar, até das aulas). Mas a escola também é isso", diz.

Numa investigação mais recente, 700 miúdos entre os 14 e os 18 anos confessaram "ter umas saudades loucas da escola e dos amigos". A psicóloga clínica não tem dúvidas quando afirma: "Uma geração ficar um ano sem escola presencial, com certeza que acabava com o vírus, mas acabava com toda a gente. Não vale a pena pôr os miúdos em casa e esperar que estejam saudáveis daqui por cinco ou seis anos".

"É evidente que o isolamento se associa a um aumento de comportamentos de tipo depressivo"Albino Oliveira-Maia

Para Albino Oliveira-Maia, trata-se, mais do que sublinhar os riscos de ir à escola, de sublinhar os riscos de não ir. "Quando digo ir à escola, coloco isto num âmbito mais geral, porque, em última análise, podemos estar a falar de um comportamento de total reclusão domiciliária. E não é preciso ser psiquiatra, psicólogo ou pediatra para perceber que isso não é saudável para ninguém, em particular para crianças que estão em fase de desenvolvimento. As crianças têm necessidades evidentes de interação social, até de exploração do ambiente, que dificilmente terão resposta se estiverem fechadas durante seis meses ou um ano num apartamento, por mais saudável que seja a relação com os pais ou com os irmãos. E isto é uma parte muito centrada nas questões da saúde mental e do desenvolvimento psicológico. Depois há ainda as questões do desenvolvimento cognitivo e intelectual. A aprendizagem retira frutos de ser feita em contexto social e, por outro lado, não é substituída por uma interação social à distância, em grande medida até por questões pragmáticas", considera o médico psiquiatra.

O diretor da unidade de Psiquiatria do Centro Clínico Champalimaud adverte que ficar fechado em casa quatro, cinco, seis meses ou um ano é uma experiência que, de alguma maneira, pode estar a ser feita de uma forma não controlada. "Mas, espero, não vá ser feita de forma controlada, porque seria absolutamente não ética".

créditos: JOSÉ COELHO/LUSA

"Temos bastante evidência, em casos concretos de crianças que por motivos diversos foram isoladas, do impacto extraordinário que isso tem na sua capacidade de desenvolvimento psicológico, social e cognitivo", diz. Além disso, "há uma série de ensaios ao nível da experimentação animal, onde essas manipulações já foram feitas e pelas quais sabemos que há um custo para o desenvolvimento cerebral, comportamental e provavelmente emocional do isolamento prolongado de um animal e da ausência de outros com quem possa interagir. E sabemos isto, em última análise, por coisas tão simples como ver a preferência de um animal por consumir uma solução açucarada quando está isolado ou quando está na sua caixa com outros animais. Isto tem um impacto comportamental imediato e tem um impacto particular quando ocorre em determinadas fases do desenvolvimento, e esse impacto parece ser duradouro. Ou seja, o comportamento de um animal juvenil que tenha sido isolado durante um período do seu desenvolvimento é distinto quando este é adulto, mesmo que entretanto tenha recuperado a interação com outros animais. Isso é inequívoco. Em relação a uma das questões mais importantes para mim, e que têm mais relevância do ponto de vista clínico, é que é evidente que o isolamento se associa a um aumento de comportamentos de tipo depressivo - não podemos perguntar a um animal se está triste, mas podemos avaliar comportamentos sugestivos da presença de traços de tipo depressivo", afirma o médico psiquiatra.

O medo bom e o medo mau

Quando uma criança de nove, dez, onze anos chora porque não que ir para a escola com medo de apanhar Covid, alguma coisa se passa. "Os mais pequeninos ficam ansiosos, percebem que há qualquer coisa, mas depois entram na escola, veem uma bola e vão todos a correr atrás dela, acabou o drama, esquecem", diz Paulo Oom. "Agora, quando há miúdos em pânico, eles são, na quase totalidade, filhos de pais em pânico", assegura. "Alguém lhes incutiu esse pânico".

"Uma coisa é o medo, que nos protege, outra coisa é o pânico, que nos desorganiza completamente"Paulo Oom

"As notícias, aqui, têm muita importância. Estar todos os dias a dizer: "morreu um de Covid", "morreram três de Covid", "morreram seis de Covid", cria pânico. Não sei até que ponto não é proposital, porque em Portugal morrem em média 250 a 300 pessoas por dia. Qual é o interesse em saber que morreram dois de Covid, geralmente doentes com comorbidade? Se fossem dois mil a morrer de Covid percebo que fosse notícia. Não sei se a necessidade de dar a notícia não é, de algum modo, uma tentativa para criar medo, porque o medo leva a que as pessoas cumpram mais as regras", admite o pediatra.

Só que a diferença entre medo e pânico é grande: "Uma coisa é o medo, que nos protege, outra coisa é o pânico, que nos desorganiza completamente", afirma. "E, a certa altura, estas notícias, sobretudo junto dos mais vulneráveis, não criam medo, criam pânico. Ao criarem pânico já não estão a fazer aquilo que devem. Esta distinção é muito importante", considera.

Albino Oliveira-Maia, investigador em neurociência, explica: "Do ponto de vista psicológico, o medo não é apenas em relação à saúde da criança, é também da criança enquanto veículo de transmissão. O medo é uma experiência muito visceral e a expressão cognitiva do medo pode não ser o reflexo exato dos motivos pelo qual o medo ocorre. Podemos sentir medo e, posteriormente, construir o motivo pelo qual o sentimos. O motivo pelo qual os pais têm medo é centrado na existência do medo e não na lógica dos argumentos. Numa abordagem frequente na psicoterapia, nomeadamente na psicoterapia cognitiva ou comportamental, há circunstâncias em que o medo não se deve desconstruir, porque é adaptativo, protege-nos. E um dos problemas em relação à situação atual é que, em última análise, ninguém tem uma certeza muito concreta daquilo que é totalmente certo ou totalmente errado e as pessoas têm tido acesso a isso porque as opiniões dos peritos têm mudado em relação a muitas coisas (seis meses é muito pouco tempo para conhecer o comportamento de uma doença). Morrem muito poucas crianças com esta infeção e aquelas que morrem tipicamente são as que têm alguma doença grave subjacente. Mas isto é uma coisa nova, os médicos não sabem muito, os epidemiologistas parece que andam muitas vezes às aranhas, acontecem coisas inesperadas à direita e à esquerda. Portanto, até que ponto posso ter a certeza de que dentro de dez ou quinze ou vinte anos o facto de eu, o meu filho ou alguém da minha família ter sido infetado não virá a trazer uma consequência terrível? Isto é um esforço meu no sentido de fazer uma construção cognitiva por trás daquilo que a incerteza traz".

"Do ponto de vista psicológico, o medo não é apenas em relação à saúde da criança, é também da criança enquanto veículo de transmissão"Albino Oliveira-Maia

"Há uma grande incerteza que resulta da ausência de conhecimento e de nós estarmos habituados, particularmente no mundo ocidental, a viver em sociedades que são tendencialmente seguras e previsíveis. E isso, no fundo, traz-nos alguma ilusão sobre o grau de controlo que podemos ter sobre aquilo que vai acontecer. E é uma ilusão, porque, de facto, há uma enorme quantidade de coisas que escapam totalmente ao nosso controlo e que acontecem de uma forma quase aleatória. Esta pandemia trouxe à tona a lotaria que existe ao nível da saúde; podemos não fumar, fazer exercício físico, ter uma boa alimentação e, de uma forma inesperada, contrair uma infeção que veio do desconhecido, na Ásia, e perder a vida ou ter uma consequência importante dessa doença. E mesmo a perspetiva de que isso é improvável ou raro, pelo facto de termos sido expostos a situações de tragédia em alguns locais do mundo ao longo de meses, incutiu nos nossos centros cerebrais dedicados a defender-nos do perigo a sensação de que há aqui uma coisa que põe em causa esta nossa segurança, seja pela sobrevivência, pela saúde ou pelas consequências financeiras do que está a acontecer na sociedade".

Existe, assim, uma linha ténue entre o medo e o pânico, e o efeito pode ser contraproducente. "Aí é quando começamos a entrar mais no âmbito da psicologia clínica e da psiquiatria", diz Albino Oliveira-Maia. "As perturbações de ansiedade, no geral, são circunstâncias em que o medo de alguma coisa, ou até o medo não dirigido, passa a dominar a vida de um indivíduo. E passa a haver uma primazia desse medo em relação a outras necessidades que a pessoa possa ter, sejam de trabalho, de contacto social, de lazer, de relação familiar ou outras. Se um indivíduo vier ter comigo para uma consulta de psiquiatria, for uma pessoa saudável e me disser que vive aterrorizado com a perspetiva de morrer com um enfarte, e que por isso não sai de casa, comprou um desfibrilhador e faz um eletrocardiograma todas as semanas, estamos perante uma circunstância em que fazemos o diagnóstico e tratamos, porque o medo causa um elevado sofrimento e disfunção. Em parte, penso que é isto que estamos a ver. Mas estamos a ver a um nível que é não propriamente individual, mas, de algum modo, social, coletivo: na circunstância da Covid, o sentimento que domina toda a gente é a incerteza".

Sendo assim, qual a terapêutica? "Penso que, até certo ponto, há um excesso de informação, isso é inequívoco. Aliás, a recomendação mais frequente que eu e, tenho a certeza, a maior parte dos profissionais de saúde mental dispensámos às pessoas que ficaram mais ansiosas foi: oiça menos notícias e exponha-se menos à informação sobre este assunto. A informação em excesso pode ser deletéria. E, devo dizer, funcionou", conta o médico psiquiatra.

créditos: JOSÉ COELHO/LUSA

Paulo Oom deixa um recado: "A nossa função é passar a mensagem: protejam-se agora, tenham cuidado, aguentem, cumpram as regras, que não são boas, não trazem felicidade a ninguém, mas que são necessárias, porque isto não é para a vida. Temos de aguentar até ter a vacina. Depois, quando se vacinar dois terços da população, a vida volta a ser o que era (se calhar temos de fazer a vacina todos os anos, mas logo se vê)".

Margarida Gaspar de Matos concorda: "Aos pais aconselho muitíssima serenidade, e se não conseguirem essa tranquilidade dentro deles, têm de procurar colegas meus que os ajudem. Se o adulto fica ajoelhado abraçado à criança a dizer "tu tem cuidado", "vê lá, não morras" é evidente que a criança vai apavorada para a escola. E isso não pode ser. Os adultos têm de ajudar a mediatizar esta segurança e, até, fazer o discurso ao contrário: "tu sabes os cuidados que deves ter, mas lá na escola também te ajudam".

A psicóloga clínica lembra que "temos de pensar nos miúdos": "Por exemplo, para aqueles que vão à escola pela primeira vez, isto deixa uma marca: a escola vai ficar ligada ao álcool, à desinfeção, ao afastamento. Os professores têm de tornar isto muito lúdico, muito afetivo, para as crianças não ficarem a pensar nisto para o resto da vida. O que não é fácil. Mas é possível: tenho um neto de seis anos que foi na semana passada para a escola pela primeira vez e não dormiu a perguntar quantas horas faltavam para voltar à escola. Não pode ser uma coisa de gente stressada, pais a chorar de um lado, funcionários a gritar do outro e as crianças aflitas no meio, isso é uma calamidade nacional".

E, já que falamos de saúde mental, a que sinais devem pais e educadores estar atentos e que podem denunciar que algo não vai bem com o seu educando? Margarida Gaspar de Matos responde: "Nos mais pequeninos, da creche aos seis anos, ficaria mais atenta aos sinais físicos, como perturbações do sono, voltar a fazer chichi na cama (controlo dos esfíncteres), perda de apetite, ficar a chorar de manhã - e deixo um grande incentivo aos pais: não é altura de ficar a chorar com eles, é tempo de nos enchermos de uma coragem que não temos e brincarmos, porque somos nós que temos de dar ao filho a confiança que ele não tem. Não conseguem ainda verbalizar muito bem o que sentem e vão expressar-se através de sinais fisiológicos ou, às vezes, também daquilo a que chamamos a depressão mascarada, que é começarem a fazer imensas birras, ficarem com um grande mau feitio. Nos miúdos à volta do primeiro ciclo, que é quando estão a aprender a noção da regra, além dos sinais de ansiedade, ficaria atenta caso se tornem manientos: comecem a arrumar tudo, a limpar tudo, a lavar tudo de mais, a dar grandes voltas de preparação. Não queremos uma geração obcecada e é nesta fase que muitos desenvolvem perturbações da ansiedade e, não queria usar o palavrão, perturbação obsessiva-compulsiva. As perturbações obsessivo-compulsivas, que começam por volta dos sete/oito anos, são bastante graves, por isso é preciso ouvir os miúdos e perceber que teorias estão a fazer nas suas cabeças. Nos adolescentes, é ver até que ponto estão tão saturados desta situação que começam a relativizar as coisas e a entrar demasiado no risco: saídas com amigos, bebida e comportamentos do género. Não é altura para escapar às regras. Mas um braço-de-ferro com um adolescente é muito duro, por isso é preciso levá-lo a sério, mas tentar afetivamente mostrar a razão, aquilo a que chamo amor firme".

Os grupos de risco também devem ir à escola, com exceções

Além das crianças completamente saudáveis, há também aquelas que estão nos chamados grupos de risco, como asmáticos, diabéticos, trissómicos e tantos outros.

"Nos grupos de risco, a nossa posição é a mesma. Ou seja, se apanhar a doença é provável que seja mais grave, mas, ainda assim, não tem nada a ver com a doença no adulto". Dito isto, há exceções: "Há grupos de risco extremo, como crianças que têm problemas de malformações do coração ou malformações dos pulmões, asmas gravíssimas. Mas estes, como disse, são grupos extremos. E esses são o problema, provavelmente não devem ir à escola, têm de ter ensino à distância, porque se apanharem o vírus não sabemos bem as consequências e o que sabemos a partir dos adultos é que tendo essas doenças terão quadros mais graves. Mas, repito, esses são casos muito extremos. Aquilo a que tenho vindo a assistir nos pais que sigo é terem medo de deixar a criança normal e saudável, ou com problemas muito ligeiros, como renites, irem para a escola", salienta Paulo Oom.

Para os casos extremos, confessa, é muito difícil "dar instruções generalistas". "A criança que não tem doença ou que tem doença ligeira ou que costuma constipar-se muito frequentemente deve ir para a escola, ponto final. Não deve ficar em casa. Todas as outras em que haja dúvidas tem de ser o médico a avaliar e a decidir. Aqui não há verdades absolutas, mas há uma zona cinzenta enorme, uma zona em que há dúvidas e que tem de ser vista caso a caso".

Se nesta altura é fácil falar com os médicos, isso é outra história. O tempo que vivemos "complica muito", uma vez que "não há pediatras públicos. Ou seja, os centros de saúde não têm pediatras desde há uns anos, o que é um erro completo do nosso sistema de saúde. Só espero que um dia isso volte para trás, porque faz muita falta em tempos normais, mais ainda quando estamos em pandemia", confessa o pediatra. "Mas, normalmente, estas crianças de risco extremo têm um pediatra privado, com quem conseguem falar por telefone, ou têm um médico que as segue no hospital".

O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, prefere não falar do ponto de vista pedagógico, que não é a sua área, mas no que toca à saúde avança: "Não é linear. Eventualmente, podem existir dados de outros contextos em que as crianças têm de ficar em isolamento, temos a experiência de crianças que têm imunodeficiências e que, fruto dessa circunstância, não podem estar expostas ambientalmente e acabam por estar muito resguardadas. Isso, obviamente, compromete uma série de coisas, como a socialização. Mas, à partida, estamos a falar de crianças que têm um problema de saúde grave. E, para essas, a questão não é o coronavírus, é tudo o resto: uma pneumonia também pode ser um risco. Nesse sentido, não há razão para agora ser diferente. Ou seja, para uma criança que tem uma doença de risco, as ameaças à sua saúde já existiam antes da pandemia. Agora tem um adicional, mas, apesar de tudo, estamos a falar de uma situação rara. Globalmente considerando, as crianças não são um grupo de risco, estão num grupo particularmente protegido. Mais preocupante seria, eventualmente, a questão dos professores. E estou aqui a incluir crianças com problemas de doenças graves, porque não é por ser asmática ou diabética que, de repente, a criança que deixa e poder contactar com outras. O risco já existia e agora é ligeiramente superior", diz.

Ricardo Mexia lembra o que se passa, por exemplo, com crianças com intolerâncias a alimentos, muitas vezes alergias muito severas a compostos muito presentes em todo o lado e sujeitas um choque anafilático com alguma facilidade. "Essas crianças não vivem em redomas, na prática, vivem na comunidade, têm todas as cautelas possíveis, mas sabem que têm um risco associado".

"Este é mesmo o ano de ouro do regresso das crianças com doença crónica à escola"Margarida Gaspar de Matos

"Ficar em casa não é viável", garante o especialista em saúde pública. "Sabemos que inexoravelmente vai haver casos em escolas. É um dado, vai acontecer. A questão é como vamos responder a isso. Seguramente que a crianças serão aquelas que menos severidades têm, portanto, não é líquido que a doença para elas reverta numa consequência para a sua saúde de forma significativa. Haverá casos em que sim, mas esses são raros e com uma predisposição maior para crianças com uma doença grave preexistente. Mas não vale a pena fazer futurologia, os riscos que correm já vêm do passado, não são de agora". É por isso que mandaria para a escola todos os casos de asma ou diabetes Tipo 1: "Uma coisa é uma imunodeficiência ou uma doença respiratória grave, outra são esse tipo de patologias. Mas, claro, é difícil generalizar e, provavelmente, haverá situações de crianças que deverão protegerem-se mais, um número residual, e que a lei também protege".

Margarida Gaspar de Matos vai mais longe: "Neste momento, a escola está tão desinfetada e tem tanta gente a olhar para tudo, que penso que as crianças com doenças crónicas nunca passaram um semestre tão seguro. E todas estas medidas afastam a também a gripe sazonal e outras doenças. Penso que as crianças nunca estiveram tão seguras, os professores com tanto olho e com tanta formação e com tanta ligação ao centro de saúde. Este é mesmo o ano de ouro do regresso das crianças com doença crónica à escola. Uma vez mais, é preciso ter confiança e os miúdos sentirem que entram num sítio em que pais, professores, assistentes operacionais e alunos funcionam como uma grande família".

Como diz Albino Oliveira-Maia, médio psiquiatra e pai de três filhos entre os oito e os doze anos, todos já em aulas: "A informação por si só não resolve os problemas da ansiedade. Aquilo que acaba por resolver a ansiedade é a exposição ao que mais se teme, ou seja: se estou ansioso que os meus filhos regressem à escola, em última análise a solução é a coisa acontecer".

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