A apelo à criação deste modelo de amparo humano, como lhe chamou, a par de um tom crítico à forma como o Estado dá respostas sociais às pessoas mais afastadas dos centros, foi feito por Helena Norinha, momentos depois de receber o Prémio Direitos Humanos 2019, no salão nobre da Assembleia da República, em Lisboa.

“Aproveito para reforçar o apelo à urgência de criação de um novo modelo de resposta de amparo humano, o cuidador comunitário, que esteja presente na aldeia, que apoia nas atividades de vida diária que vigia a toma da medicação que articula com outras respostas, que procura socorro em situações de emergência”, exemplificou numa cerimónia presidida por Ferro Rodrigues.

Além do apoio aos mais idosos e pessoas isoladas, este este modelo poderá também ajudar a fixar pessoas no interior do país, afetado pela desertificação.

Este cuidador comunitário, argumentou, “é uma função profissional que, além de ser uma nova solução para as pessoas, é também uma nova oportunidade de emprego e de fixar os mais jovens na aldeia e amparar os mais velhos”.

O prémio foi atribuído, segundo uma nota do parlamento, à Aldeias Humanitar, instituição sediada em Sernancelhe, no distrito de Viseu, pelo seu trabalho humanitário e inovador “na prestação de cuidados de saúde e sociais, no amparo das famílias e pessoas idosas que vivem em situação de vulnerabilidade ou isolamento e abandono, principalmente no interior do país”.

O projeto piloto iniciou-se em 2017 nos concelhos de Sernancelhe e Penedono, tendo sido escolhida pela Agência Social do Douro a Santa Casa da Misericórdia de Sernancelhe para instituição âncora deste projeto piloto. Constituiu-se como instituição em 2018, ano em que iniciou a intervenção humanitária de forma consistente e continuada.

Na cerimónia hoje foram também atribuídas Medalhas de Ouro Comemorativas do 50.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos à Crescer – Associação de Intervenção Comunitária, fundada em 2001, com trabalho na área de inclusão para sem-abrigo, e à Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas, criada em 2007, com trabalho no auxílio de crianças desaparecidas.

O prémio para assinalar o dia dos Direitos Humanos foi criado em 1998 e os galardoados são escolhidos por um júri, de entre deputados da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A presidente do conselho técnico e científico da associação agradeceu a distinção, que dedicou aos colaboradores e recordou Aquilino Ribeiro, no livro “Cinco Réis de Gente”, que descreveu as suas “Terras do Demo” como de “fantasmagoria e de sonho”.

Hoje, afirmou Helena Norinha aos deputados e convidados, a região continua a ter uma “natureza luminosa”, tem caminhos bons, luz elétrica, cultura, mas “há cada vez menos sonhos”.

“Aqui há cada vez menos sonhos. Há menos gente para sonhar”, descreveu.

De seguida explicou a missão da associação de levar amparo a quem vive nas aldeias mais afastadas, na sua maioria idosos, nos concelhos de Sernancelhe e Penedono, planeando agora a associação estender o seu trabalho a Tabuaço, tudo concelhos do distrito de Viseu.

Em tom pausado, afirmou que, ao receber este prémio, não podia deixar de dizer que os modelos de apoio às pessoas “já não são adequados”.

As respostas em saúde, por exemplo, “são labirínticas para os cidadãos, as instituições sociais estão também muito condicionadas com respostas pré-concebidas pelo Estado sem se ter em conta as características ou território daquela pessoa ou família em particular”.

“Precisamos de dar aos cidadãos o lugar a que tem direito: o centro das soluções”, disse.

Os responsáveis da Crescer – Associação de Intervenção Comunitária e da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas também deixaram alguns alertas à plateia de deputados.

Patrícia Sousa Cipriano, da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas, alertou que “de nada servem pomposos e complexos planos de ação” quando pela sua “morosidade e custos” deixam “tantos meninos sem a proteção que a sociedade lhes deve por direito”.

A criança, afirmou, “é demasiado importante para esperar”, defendeu o trabalho de proximidade, de “andar na rua, nas escolas, nos bairros, falar com elas” e alertou que a burocracia é “uma ameaça” à justiça.

Américo Nave, da Associação Crescer, com trabalho na área dos sem-abrigo, alertou que associar “o problema da saúde mental ou das adições” é colocar um estigma em cima de pessoas que já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade”

“É um mito que haja pessoas que não queiram sair da rua. Todas as pessoas desejam uma há digna e segura, onde posam ser tratados como cidadãos”, afirmou, sublinhando que há quem olhe para os sem-abrigo como “invisíveis”.