“Porque é que houve a necessidade de fuzilamento ao conceito de museu, aos museólogos e aos cerca de 500 mil euros que foram investidos na anterior solução?”, questionou hoje João Neto durante um debate cívico ‘online’ dedicado à “Revolução no Museu Romântico do Porto”.

A Extensão do Romantismo do Museu da Cidade do Porto, antigo Museu Romântico, reabriu portas a 28 de agosto, tendo sido a sua remodelação criticada pelos diferentes partidos políticos e alvo de uma petição, hoje com mais de 4.000 assinaturas, que pede a reposição da decoração interior oitocentista.

O presidente da APOM, que lamentou a falta de comparência dos intervenientes do projeto no debate, questionou a “necessidade brutal de fazer a descaracterização” do espaço, cuja maior virtude era ligar “identidade, história e património”.

“Julgo que faltou um lado da democracia, o que aconteceu foi uma falta de comunicação ou intencional falta de comunicação que levou a esta situação lamentável. Será que um país como Portugal pode dar-se ao luxo de tornar a sua história descartável? Se calhar sim”, observou, dizendo, no entanto, “nada ter contra” o diretor artístico do Museu da Cidade, Nuno Faria.

“A cidade do Porto não é apenas dos portuenses, para os que gostam do país é de todos os portugueses (…) gostava mesmo de saber o que levou um projeto, que teve um investimento de 500 mil euros, em dois anos ser totalmente apagado. São 500 mil euros de todos nós”, realçou.

Também presente no debate, Francisco Clode de Sousa, museólogo e responsável pelo futuro “Museu do Romantismo da Quinta do Monte” na Madeira, lamentou a destruição de um espaço que tinha “potencial de crescimento”, considerando também um contrassenso que no Porto se “substitua” um museu romântico e no Funchal se tenha “vencido uma luta antiga” para concretizar um museu romântico.

“Nós numa luta antiga para concretizarmos um projeto antigo, estamos à beira de iniciar as obras do museu e, ao mesmo tempo, assistimos a uma enorme deceção que é o único museu do romantismo em Portugal estar a ser desmantelado para que lá se instalem outro tipo de atividades culturais”, considerou.

Por sua vez, Francisco Queiroz, historiador de arte e membro do grupo de estudos do romantismo, afirmou que a reconfiguração do Museu Romântico foi “o pior que fizeram ao Porto nas últimas duas décadas em termos de esbanjamento de dinheiro público e conceito”.

“Perdemos um valor importante que não era só do Porto. Não tenho esperança que se possa reverter a situação, tendo em conta o histórico da câmara relativamente a museus”, disse, dando como exemplo, o Palacete Pinto Leite.

Já André Varela Remígio, conservador e restaurador, salientou que o sucedido no Museu Romântico do Porto “abriu um precedente para todos os museus”, nomeadamente, em relação ao seu espólio e à devolução de peças aos proprietários.

“Em relação à devolução das peças, é um contrassenso do que é a fruição cultural pública e do interesse de um proprietário em doar essa peça a um museu para todos. Um museu é tido como um porto seguro e neste momento deixa de ser. Este caso abriu um precedente para todos os museus nacionais e qualquer proprietário já pode ter receio em doar”, afirmou, acrescentando também que a retirada do espólio tem “consequências incontroláveis”.

Por sua vez, Maria Emília da Costa, professora de história do ensino básico e secundário, lembrou que aquele espaço permitia “aproximar as crianças e jovens à cultura e aos museus” e que os estudantes gostavam imenso e apreciar o seu espólio.

Também a moderadora do debate, Ana Motta Veiga, arquiteta e autora da petição pública, lamentou que tanto o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, como o diretor artístico do Museu da Cidade do Porto, Nuno Faria, tenham declinado o convite para participar no debate cívico, dizendo estar previsto um novo debate para fevereiro do próximo ano.

A Extensão do Romantismo do Museu da Cidade do Porto reabriu portas em 28 de agosto, com o 'Herbário' de Júlio Dinis, numa homenagem ao escritor portuense, este ano figura central da Feira do Livro, tendo desde então estado no centro da polémica.

Em resposta escrita à Lusa, a autarquia indicou que "todo o espólio do museu foi recolhido para ser restaurado e classificado e para ser, novamente, apresentado na própria Extensão do Romantismo, quer noutros espaços do Museu da Cidade, nomeadamente na Casa Marta Ortigão Sampaio, Casa Guerra Junqueiro e Ateliê António Carneiro (atualmente em fase de arranque da intervenção)".

Parte das peças em depósito, que nunca foram da propriedade do município porque estavam emprestadas, foram devolvidas aos seus proprietários, esclareceu.

Instalado na Quinta da Macieirinha, a antiga casa de campo abriu como núcleo museológico em 1972 como Museu do Romântico, centrando a sua narrativa no rei do Piemonte e da Sardenha, Carlos Alberto, que, aí exilado, veio a passar os seus últimos dias.