As associações foram ouvidas no parlamento no âmbito de uma audição pública, o primeiro ato de vários que levarão a um relatório que está a ser preparado sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal, que será apresentado em julho.

Cíntia Paulo, da Casa do Brasil, uma associação de imigrantes, foi a primeira a falar, referindo que em Portugal há mais de 100 comunidades migrantes mas que apenas Cabo Verde e Brasil podem exercer os direitos políticos de ser eleito e de eleger, acusando os partidos políticos de “falta de interesse” em ter migrantes “nos papeis principais”.

Susana Silva, da Amnistia Internacional, lembrou que a instituição recebe denúncias de racismo e xenofobia e que a quase totalidade de queixas apresentadas não têm qualquer conclusão. “É necessário apurar porque é que há tão poucas condenações”, disse.

Foi o mote para Beatriz Gomes Dias, da DJASS – Associação de Afrodescendentes, dizer que em Portugal ou as políticas não estão a ser bem implementadas “ou há uma negação coletiva e a necessidade de continuar a acreditar que não há uma situação de racismo”.

A responsável fez votos de que o relatório que agora vai ser feito possa “ajudar a desenhar políticas públicas robustas” e disse que os jovens afrodescendentes ficam mais tempo no ensino básico e secundário e que são maioritariamente encaminhados para cursos profissionais, tendo menos acesso às universidades do que os estudantes brancos.

Os estudantes afrodescendentes “são percecionados como com características diferentes, nos quais não vale a pena investir”, afirmou, acrescentando que em Portugal se pensa que é preciso para os negros tarefas mais manuais, “uma espécie de continuidade colonial”.

Um discurso idêntico também de Flávio Almada e Jackilson Pereira, da Associação Cultural Moinho da Juventude, com o primeiro a dizer que quem observa a periferia de Lisboa observa “a continuação do colonialismo”, e que “o mapa da continuidade colonial é na Amadora e na margem sul”, e o segundo a afirmar que se está a generalizar o discurso de “se não querem vão para a vossa terra”.

Flávio queixou-se ainda de a comunidade africana ser tratada “como lixo”, que os locais de realojamento são “guetos” onde os jovens ficam porque caso se desloquem para o centro da capital “são tratados como criminosos”.

Jackilson Pereira falou também dos bairros onde a partir das 21:00 não há transportes e que os jovens negros preferem estar segregados “a ir ao Bairro Alto (centro de Lisboa) para se divertir e serem revistados três vezes”.

“A sociedade está mentalizada de uma forma que quando saímos do sítio onde querem que estejamos há medo”, lamentou.

Felipe Nascimento, representando a Associação Cabo-verdiana, outro dos intervenientes na audição pública, salientou que entre as leis e a realidade há uma grande distância e disse que no mercado de trabalho os negros são os que menos ganham. E concluiu ser contra quotas para negros, no mercado de trabalho.

José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda, diria mais tarde que um sistema de quotas “é algo a considerar”.

E Rita Rato, deputada do PCP, não questionou que “persistem traços de racismo”, agravados pelas desigualdades económicas, disse que se devia acabar com as vias profissionalizantes nas escolas, para onde são encaminhadas as crianças negras, e salientou que combater o racismo é um trabalho de toda a sociedade porque é combater pela democracia.

O relatório está a ser preparado na subcomissão para a Igualdade e não Discriminação. A deputada Catarina Marcelino, que orientou a audiência, disse que no dia 19 de março haverá uma nova audição pública, com a comunidade cigana, e que serão ouvidos também especialistas, académicos, administração pública e Governo. Além de que serão feitas visitas a bairros, a primeira em Bragança, seguindo-se Coimbra, Amadora, Loures e Setúbal, entre outros.

O relatório deve ser apresentado, disse, a 9 de julho.

A questão do racismo tem sido mais falada nos últimos dias na sequência de incidentes entre moradores africanos de um bairro do Seixal, arredores de Lisboa, e a polícia.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.