Talvez seja injusto classificar Nixon (que não tem qualquer parentesco ou afinidade com o ex-Presidente, Richard) apenas como atriz. Com 52 anos, é também uma figura conhecida e uma voz muito ativa em diversas causas, além de ter uma vida privada bastante pública. Como atriz, tem uma longa carreira nos palcos, participou noutras séries televisivas – nenhuma tão famosa como “O sexo e a cidade” – e protagonizou vários filmes (como Emily Dickinson em “A Quiet Passion”, 2016) e televisão (como Nancy Reagan em “Killing Reagan”, 2016).
Viveu com um homem, de quem teve dois filhos, entre 1988 e 2003, mas depois apaixonou-se por uma mulher, Christine Marinoni, e foi com essa que se casou. Marinoni teve um filho com ela. Esta bissexualidade assumida e defendida publicamente tornou-a uma porta-voz do movimento LBGT. Também defendeu desde o início a legalização da marijuana para fins recreativos, opinião que será certamente um dos pontos fortes da sua campanha.
Numa entrevista no “Late Show”, em 11 de abril, Stephen Colber tratou-a com um certo desdém cinicamente divertido, mas Cynthia não se deixou vexar e mostrou ter aquelas respostas rápidas necessárias a qualquer político. Defendeu as duas razões porque defende a legalização. A primeira, puxando ao reconhecido progressismo de que os nova-iorquinos tanto se orgulham, é que já há oito estados que legalizaram a marijuana, enquanto Andrew Cuomo, o atual governador, parece titubear em procrastinações processuais. A segunda, mais profunda e ideológica, tem a ver com a discriminação racial implícita na ilegalidade da droga. De facto, como Cynthia deixa claro, os brancos há muito tempo que gozam de uma legalização implícita, enquanto os negros constituem 80% dos detidos e condenados. Além disso, a legalização e consequente taxação traria milhões de dólares para o Estado e daria emprego a muita gente, incluindo plantadores.
É um ponto de vista que pode impressionar na cidade de Nova Iorque, mas é menos cativante no Estado. É preciso lembrar que as pessoas de fora – tanto os americanos como, sobretudo, os estrangeiros – quando falam de Nova Iorque pensam na cidade de oito milhões e meio de pessoas, a maioria imigrantes de outras partes, mas o Estado tem mais cerca de treze milhões, certamente menos cosmopolitas.
Atualmente, o Estado de Nova Iorque é governado por um democrata, Andrew Cuomo, e a cidade por outro democrata, Bill de Blasio. A questão é que os dois são inimigos irreconciliáveis. Segundo o “New York Times” diferem em tudo, desde habitação social, impostos, escolas e tudo o mais. Detestam-se.
Neste cenário, Cynthia Nixon vem mesmo a calhar para de Blasio, é uma pedra no sapato de Cuomo, e não deixará de ser uma peça no xadrez agressivo que os dois jogam há mais de 16 anos. Ela é amiga de Bill de Blasio, o que levou Cuomo a dizer que foi o rival que a “inventou” só para o prejudicar. Mas, para o Partido Democrata, Nixon também não é uma ideia pacífica, pois irá dividir as forças contra o candidato que os republicanos escolherem.
Além disso, Cuomo, que já anunciou que se vai candidatar para um terceiro mandato (não há limitação), é uma força de respeito. Detém o cargo desde 2011 e o pai, Mário Cuomo, foi governador em três mandatos. Casado com uma Kennedy entre 1990 e 2005, faz assim parte da aristocracia política da Costa Leste.
A capital do Estado é Albany, uma pequena cidade conhecida pela corrupção endémica, argumento que de Blasio, e agora Cynthia Nixon, nunca deixam de citar. O péssimo estado do metro de Nova Iorque, que é um problema estatal e não municipal por causa das elevadas verbas necessárias para o manter operacional, também é um argumento contra Cuomo.
Neste ambiente, Nixon não tem muitas possibilidades. Terá de passar pelas primárias democratas, em setembro. Tal como de Blasio, que não concorre, representa a ala esquerda do partido. Cuomo, que sempre foi da direita dos democratas, recentemente tentou aproximar-se da ala esquerda, ciente de que o partido precisa de atualizar a imagem.
Mesmo assim, é cedo para fazer prognósticos. A postura de outsider joga a favor da atriz; nas últimas eleições norte-americanas, a começar pelas presidenciais, os outsiders têm tido a vantagem de representar uma diferença contra um sistema político que os eleitores não querem mudar – a Constituição é sagrada – mas que reconhecem que está desgastado e funciona mal.
Mesmo que não ganhe, Cynthia dará voz a muito descontentamento, trará para a frente do debate causas que andam muito mal tratadas – como os problemas ambientais, o excruciante mercado da habitação e as várias discriminações que dificultam a vida dos nova-iorquinos. Também traz uma frescura ao debate que fazia falta. Vai obrigar Cuomo a definir-se melhor. O resultado, seja qual for será certamente positivo a cidade.
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