O Aparece — Saúde Jovem abriu portas há 20 anos para atender problemas específicos dos jovens, entre os 12 e os 24 anos, de forma rápida e por uma equipa formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, serviço social e uma assistente técnica.

Sete em cada dez jovens chega ao centro por iniciativa própria. Os restantes são referenciados pela escola, pelo médico de família, hospitais, tribunais e comissões de proteção de menores, disse à agência Lusa a fundadora e coordenadora do Aparece, Maria São José Tavares.

Atualmente, são acompanhados no Aparece cerca de 3.500 jovens. Os três “grandes motivos” que os conduzem àquele espaço, a funcionar no Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa, são questões ligadas à sexualidade, problemas relacionais e de doença mental.

“A doença mental é provavelmente a doença mais prevalente na adolescência”, disse São José Tavares, adiantando que 15% dos jovens atendidos no centro têm acompanhamento psicológico.

Os comportamentos aditivos também fazem parte dos problemas levados pelos jovens, havendo um que atualmente se destaca: o “uso abusivo dos audiovisuais”, como os telemóveis ou os ‘tablet’.

“É provavelmente neste momento o comportamento aditivo mais frequente nos adolescentes” e “uma das nossas grandes preocupações e intervenções”, disse a médica.

Há quase duas décadas no Aparece, a psicóloga Susana Silva disse à Lusa que os problemas dos jovens têm vindo a complexificar-se, o que exige uma resposta multidisciplinar.

“Os jovens saem cada vez mais tarde de casa dos pais, são cada vez menos autónomos financeiramente, comparando com outras fases, mas ao mesmo tempo há cada vez mais exigências é como se fosse uma contradição”, disse Susana Silva.

Por um lado, “são mais infantilizados, porque se mantêm até mais tarde em casa dos pais, mas por outro lado, as exigências escolares, a pressão para a eficiência, para os resultados, para serem competentes, a dificuldade no mercado trabalho, tudo isto se tornou bem mais difícil e desafiante”.

A esta situação juntam-se as questões sociais e das próprias famílias que de alguma maneira também sentem muitas dificuldades em gerir o seu tempo laboral e acompanhar os jovens, disse Susana Silva.

Todas estas situações, aliadas por vezes à falta de dinheiro, “conduzem muitas vezes a perturbações do comportamento”, sublinhou.

Outra situação que tem sido crescente no Aparece é a questão da multiculturalidade, que, segundo Susana Silva, representa “um desafio grande” para a equipa.

“São adolescentes provenientes de outras culturas, de outras línguas, de outras origens, que nos fazem equacionar como trabalhar com eles numa fase em que a questão da identidade é muito importante”.

Também psicóloga no Aparece, Elsa Mota destacou a capacidade que os jovens têm de mobilizar os seus recursos internos para pedir ajuda.

“A adolescência é um período da vida em que há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, há muitas exigências. É o deixar de ser criança e de ter as almofadas que eram os pais e passarem a estar mais sozinhos e com muito mais pessoas à volta”, sentindo-se por vezes “um bocadinho perdidos” neste percurso de vida.

O que se pretende é que o Aparece seja “um espaço de reflexão”, onde os adolescentes possam “falar sobre aquilo que os preocupa” e partilhar as suas dificuldades.

Na consulta, disse Elsa Mota, os pais também são “muito ouvidos” para que possam “interagir uns com os outros” no sentido de o jovem poder fazer “o seu percurso com menos sofrimento possível”.

“Crescer implica sempre sofrimento e, por isso, que seja de uma forma mais satisfatória e mais harmoniosa possível”, concluiu.

Raparigas são quem mais recorre ao centro de atendimento Aparece

As raparigas são quem mais recorre ao centro de atendimento “Aparece”, onde chegam quase sempre sozinhas à procura de ajuda para problemas muitas vezes relacionados com a contraceção ou com o receio de uma gravidez indesejada.

Em cada dez utentes, apenas dois são rapazes. Todas as outras são raparigas à procura de ajuda. Em vinte anos, a equipa multidisciplinar atendeu milhares de jovens em cerca de 70 mil consultas e quando olha para trás vê que muita coisa mudou.

A sexualidade continua a ser o principal motivo das consultas, mas hoje muitos jovens já pedem ajuda antes de iniciar a sua vida sexual, contou à Lusa Maria de São José Tavares, fundadora e coordenadora do centro de atendimento “Aparece – Saúde Jovem”, destinado a jovens entre os 12 e os 24 anos.

“Quando abrimos há 20 anos havia um tempo entre o início da vida sexual e a procura de ajuda médica que às vezes era superior a um ano”. Atualmente, a grande maioria procura apoio num tempo inferior a um mês, disse Maria de São José Tavares, considerando esta mudança “um ganho de saúde enorme”.

A este propósito, observou que nos últimos três anos não houve nenhuma gravidez indesejada entre as jovens acompanhadas no centro.

Desde que o Aparece abriu portas em junho de 1999, a procura não tem parado de crescer. Por dia, há em média três novas consultas e o crescimento sustentado anual tem sido de 15%.

Para isso, contribui o facto ser um centro inclusivo, não ter limites geográficos e os jovens não precisarem de marcar consulta e poderem falar de qualquer problema num espaço confidencial e sem burocracias.

À sua espera tem uma equipa com “muita experiência” e “muito motivada” para os atender e responder às suas necessidades, disse a médica.

Maria do Céu Silva, assistente técnica, é a primeira a acolhê-los. Está há dois anos no Aparece, mas conta com a experiência adquirida no hospital pediátrico Dona de Estefânia, onde esteve 28 anos.

“Sempre gostei muito de crianças e de jovens (…) sou muito feliz aqui”, disse Maria do Céu, que não tem um minuto de descanso no Aparece.

“Todo o dia o telefone toca, todos os dias aparecem muitos jovens” que “têm sempre resposta”. Se estão numa “situação de SOS” são atendidos no próprio dia, se não for é marcada uma consulta no espaço de duas semanas devido à atual escassez de recursos humanos.

Na sala espera, vários adolescentes aguardavam silenciosamente pela consulta, para alguns a primeira, apoiando-se no telemóvel para ajudar a passar o tempo.

Francisco Lopes, 13 anos, chegou acompanhado pelos pais para a segunda consulta. À Lusa, contou que foi “atendido bastante bem” e que se sentiu “à vontade” para “falar de tudo o que queria”, de uma forma “livre, sem pressão” num espaço “bastante simpático e acolhedor”.

O bem-estar sentido por Francisco foi testemunhado pela mãe, Lúcia Carvalho: “senti que gostou muito e que se sente muito bem, porque é um espaço onde pode falar sobre as questões dele, que são únicas” e que, por vezes, os pais ou os professores não sabem como responder.

“Devia haver mais espaços como estes, fazem muita falta principalmente nestas idades, em que precisam de apoio e nós não sabemos o que havemos de fazer com a vantagem de ser gratuito”, defendeu.

Rute Silvério, 17 anos, está a ser acompanhada no Aparece há dois meses, altura em que se mudou de Vila Real para Lisboa.

“Como ainda não consegui alterar a morada no Cartão do Cidadão e estou grávida, e não tinha acesso a outras consultas, o Aparece faz-me o seguimento da gravidez e de tudo aquilo que preciso”, disse, com um sorriso.

Para Rute, uma das mais-valias do centro é os jovens não terem de esperar três ou quatro meses por uma consulta quando precisam de “alguma coisa”, bastando ligar (217211883) ou enviar um e-mail (seterios.aparece@arslvt.min-saúde.pt)”.

“É mais dinâmico, o acolhimento é mais especializado e muito mais direto”, disse Rute, segura de que vai continuar ali a ser seguida.

Os adolescentes sem consulta marcada são recebidos pela enfermeira Manuela Santos, que faz a triagem das situações para perceber se é necessário terem resposta naquele dia.

Alguns chegam “muito nervosos, normalmente meninas na área do planeamento”, umas porque “não estão a usar nada” e têm receio de estar grávidas, outras “vêm pedir contraceção de emergência”, contou a enfermeira.

“Quase todos os dias temos situações que nos marcam, situações muito graves, muito complexas”, algumas delas relacionadas com violência familiar ou de namoro, disse Manuela Santos, confessando que às vezes é preciso “respirar fundo” para descomprimir.

Milhares de jovens atendidos numa consulta pensada para eles há 20 anos

Há 20 anos abriu em Lisboa o primeiro centro de atendimento amigável destinado a adolescentes. Desde então, o “Aparece” ajudou milhares de jovens em 70 mil consultas, onde puderam partilhar necessidades e receios.

Para ser atendido, o jovem não necessita de marcar consulta, apenas precisa de “aparecer” no centro, onde tem à sua espera uma equipa - formada por médicos, enfermeira, psicólogas, serviço social e administrativa - disposta a ouvi-lo e ajudá-lo a encontrar solução para o seu problema.

A criação deste centro, que começou por funcionar no Centro de Saúde da Lapa, em Lisboa, foi “uma ideia fantástica, porque o atendimento juvenil tem particularidades que não podem ser confundidas com qualquer outro atendimento”, disse em entrevista à agência Lusa Manuela Peleteiro, diretora do Centro de Saúde de Sete Rios, onde funciona atualmente o Aparece.

"O Aparece foi o primeiro no tempo mas também na dinâmica que teve”, tendo sido igualmente “importantíssimo pela replicação que teve noutras unidades na região de Lisboa”, salientou.

Manuela Peleteiro fez um balanço muito positivo das duas décadas do centro de atendimento, mas lamentou as “imensas sacudidelas” que a equipa tem tido ao longo dos anos, como “todas as unidades” do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

À Lusa, Manuela Peleteiro falou dos objetivos e estratégias que têm, mas reconheceu que “muitas vezes os recursos humanos não acompanham as ideias”, porque são escassos.

No entanto, garantiu que “com nuances, com altos e baixos, com vários tipos de colaboração, o Aparece tem conseguido chegar a bom porto”.

Inicialmente, o Aparece tinha 13 médicos, dos quais dois a tempo inteiro. Hoje tem apenas a médica de família Maria de São José Tavares, a coordenadora e impulsionadora do centro, e conta com apoio de três médicos em tempo parcial.

A fazer formação em Medicina Geral e Familiar, Inês Pereira escolheu o Aparece para estagiar e aponta várias vantagens além de ajudar a equipa.

“O atendimento que é feito no Aparece ajuda-nos a ter uma visão diferente da que temos no dia-a-dia da consulta”, disse Inês Pereira, apontando as vantagens da confidencialidade e do facto de os jovens se sentirem “integrados e acolhidos”.

Este ambiente permite “compreender muito melhor o adolescente”, disse, rematando: “toda a funcionalidade da relação aqui é muito mais acessível, muito mais rica, muito mais dinâmica”.

Maria de São José Tavares recordou as razões que levaram à criação deste centro, cujo nome nasceu do provérbio “Cresce e aparece”.

Os centros de saúde eram ambientes pouco propícios a criar uma relação com os jovens. “Todos nós sentíamos e íamos falando da baixa cobertura dos adolescentes nos centros de saúde”, onde era “muito difícil chegar” porque à sua frente havia sempre “muitos adultos, muitos problemas de saúde, muitas doenças crónicas e muitos idosos”, lembrou.

O centro nasceu para criar uma resposta “facilitada, rápida e de qualidade” e ultrapassar os tempos de espera dos centros de saúde, disse a coordenadora do Aparece.

Por outro lado, o centro veio dar resposta aos jovens que não se sentiam à vontade para falar com o médico de família, por temerem que os seus problemas chegassem ao conhecimento dos pais.

“Não é que o médico de família não respeite a sua confidencialidade, mas na fantasia deles não é fácil contar ao médico, que também atende a sua família”, disse a responsável, sublinhando que no Aparece se sentem num “ambiente de maior confidencialidade e privacidade”.

Maria de São José Tavares lamentou a escassez de recursos humanos, tendo em conta a importância do serviço, que muitas vezes consegue apoiar os jovens antes de “os problemas se tornarem incontroláveis”.

O “grande benefício” do Aparece é ser “capaz do diagnóstico precoce, da prevenção e, fundamentalmente, de acompanhar o adolescente na consolidação do seu percurso e no reforço das suas competências”, defendeu.

*Helena Neves Marques/ Lusa