Na sessão solene de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que a todos cabe exigir "justiça igual, sem privilegiados nem desfavorecidos, solidamente fundamentada e célere", assegurando-se para tal aos seus agentes "estatuto, condições e meios".

O chefe de Estado centrou o seu discurso na necessidade de afirmação, na prática, dos valores do Estado de direito democrático e, ao longo de dez minutos, elencou os princípios que, no seu entender, a sociedade coletivamente deve promover no plano da justiça e aqueles que deve rejeitar.

Como valores fundamentais a proteger, logo no início mencionou "a afirmação da independência dos tribunais e dos juízes", bem como "a afirmação da autonomia do Ministério Público, essencial ao respeito dos magistrados que o integram". Depois, passou àquilo que se deve recusar.

"De todos nós depende não aceitarmos como boa a primeira impressão, a primeira notícia, o primeiro juízo da opinião pública, cedendo à tentação de substituir os tribunais pelo nosso julgamento pessoal ou de grupo. De todos nós depende não criarmos expectativas, pré-compreensões, preconceitos definitivos antes ou durante investigações, apresentação de todas as posições em apreço, sua ponderação e decisão judicial até à última palavra do último tribunal a intervir", declarou.

Perante o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e os mais altos representantes do setor da justiça, prosseguiu: "De todos depende resistirmos a endeusar ou diabolizar os que assumem a justiça como missão de vida, confundindo essa missão com uma ou algumas pessoas, criando amores e desamores, sujeitos a inevitáveis ilusões e desilusões, euforias e frustrações".

"De todos nós depende evitarmos olhar para a justiça como se olha para a política partidária. Ou a relação laboral, ou o despique social nas mais variadas áreas. De todos nós depende não contabilizarmos condenações, absolvições, provimentos de recursos, não acolhimento de pretensões como se de um ato eleitoral ou de uma pugna ideológica se tratasse", acrescentou.

Por outro lado, segundo o Presidente da República, deve ser exigido por todos "um estatuto funcional e financeiro" que corresponda ao que se reclama dos agentes da justiça: "Isenção, discrição, sentido de serviço, primado da instituição sobre a projeção pessoal, sacrifício de outras carreiras alternativas, privadas, públicas, políticas, competência, trabalho, dedicação sem limites".

Marcelo Rebelo de Sousa insistiu que não pode ser negado ou adiado aos agentes da justiça "estatuto, condições e meios" e desaconselhou que lhes seja sugerido "o caminho sempre problemático de formas de intervenção socio-laboral".

O chefe de Estado salientou a responsabilidade de cada cidadão no conhecimento e cumprimento das regras e na "recusa da corrupção", vincando este ponto. "Digo bem: a recusa da corrupção", repetiu.

O Presidente da República pediu aos cidadãos para darem a mesma importância à justiça que dão à educação, à saúde ou à segurança social e o mesmo peso aos tribunais que dão a outros órgãos de soberania.

Nesta ocasião, reiterou também o seu apelo a "entendimentos de regime neste domínio"

No final, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que "uma cultura cívica de exigência quanto à justiça" é essencial para a manutenção e para o aprofundamento da democracia e avisou para os riscos de uma "justiça mínima", sem meios e lenta.

"Desse autocomprazimento se passará insensivelmente para as margens da democracia. Crescerão os julgamentos sem tribunais, as campanhas contra e a favor, à sua margem, os sebastianismos, os providencialismos dos acusadores ou dos vitimizados, os alaridos, depois clamores e apelos salvíficos dos injustiçados", alertou.

(Notícia atualizada às 19:13)