Convocada pelo Núcleo do Porto da Rede 8 de março, um movimento feminista internacional, teve também a participação de ativistas da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, bem como de vários homens, preocupados com a falta de respostas existentes.

À Lusa, Catarina Barbosa, da Rede 8 de março, disse que 20 anos passados sobre a violência doméstica ter passado a ser um crime público “continua a haver muita coisa errada, desde logo quando uma mulher denuncia”. A ativista enfatiza que é muitas vezes nesse momento que a vida “se torna muito mais perigosa para a denunciante”, uma “situação que, muitas vezes, impede que outras o denunciem também”, disse.

“Além disso, não há casas-abrigo suficientes para acolher toda a gente”, frisou a representante do movimento momentos antes da marcha sair da Praça dos Poveiros em direção à Avenida dos Aliados.

Para ela, se na “população em geral, nas escolas, houvesse mais conhecimento sobre o assunto haveria muito menos casos de violência a acontecer. Por outro lado, nem sempre a resposta é eficaz quando algo de mal acontece”.

E numa sociedade onde a frase “entre marido e mulher ninguém mete a colher” continua de “forma muito errada a dominar nos lares”, salientou Catarina Barbosa, esse detalhe “torna as vítimas ainda mais isoladas”, enfatizou.

Ilda Afonso, da UMAR, falou à Lusa de um trabalho de todos os dias nos “dois centros de atendimento e duas casas-abrigo onde, por ano, são atendidas milhares de pessoas” e também da “prevenção da violência doméstica e de género nas escolas, todo o ano letivo”.

A violência no namoro é “algo que continua a existir em Portugal”, concordou a representante da associação que tem “estudos que mostram que as crianças e jovens ainda têm muitos estereótipos de género, porque é a sociedade em que eles vivem e de onde retiram ideias como mexer no telemóvel da namorada e vigiar são coisas normais”.

“As crianças e jovens acham que ciúme é gostar e isso tem de ser combatido”, deu como exemplo Ilda Afonso de outro problema para continuar a ser trabalhado.

Ainda assim, nem tudo se perdeu, lembrando que as “respostas para as vítimas de violência doméstica começaram no ano 2000 e, portanto, são 20 anos de trabalho contra centenas de anos de desigualdades”.

“Ainda temos muito trabalho para fazer, mas também devemos ser positivos e dizer que muita coisa foi feita e avançou”, referiu.

José Barbosa foi à marcha a título individual e à Lusa sintetizou numa frase o porquê da sua participação: “estou aqui porque apesar do progressismo que temos noutras áreas da sociedade ainda assistimos a uma grande regressão e em Portugal ainda falta fazer muito no que toca à violência contra as mulheres e os números são assustadores ao nível da violência doméstica, assédio e violações no Porto”.

“As casas-abrigo são um ponto de partida para a mudança e deviam receber mais apoio ao nível do Estado, mas também acho que passa por uma mudança a fundo na legislação, na forma como são encaradas, por vezes, algumas acusações de violência doméstica pelas autoridades, pois há agentes que em vez de ajudar relativizam as denúncias”, criticou.

Centenas desfilam em Lisboa pelo fim da violência contra as mulheres

Centenas de pessoas manifestaram-se hoje em Lisboa pelo fim da violência contra as mulheres, que este ano, segundo os números mais atualizados da violência doméstica, já vitimou 14 mulheres em Portugal.

Na marcha que se repete anualmente na data que assinala o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, várias centenas de pessoas marcharam entre o Largo do Intendente e a praça do Rossio, em Lisboa, maioritariamente mulheres, entoando slogans como “Deixa passar, deixa passar, sou feminista e o mundo vou mudar”, “Caladas nos querem, rebeldes nos terão” e empunhando faixas e cartazes a lembrar as vítimas mortais da violência de género.

Só este ano já morreram 14 mulheres vítimas de violência doméstica, referiu Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, que marcou presença na marcha, acrescentando que no total se registam já 20 homicídios, entre os quais o de uma criança, sendo os restantes homens.

Depois de há dias ter ouvido a Procuradora-Geral da República criticar a falta de meios do Estado para o combate à violência doméstica, Rosa Monteiro recusou que o Estado esteja a falhar no essencial nesta matéria e referiu o investimento feito nos últimos anos nesta área, afirmando que “já está a ter reflexos”.

Sublinhou, por exemplo, o maior número de medidas judiciais de afastamento de agressores e de proteção das vítimas, revelados nos dados trimestrais compilados pelo Governo.

“Nunca estamos satisfeitas, porque enquanto continuarem a viver mulheres em situação de violência e a serem assassinadas, evidentemente isso é um sinal que temos que intensificar e não podemos parar este trabalho, que exige uma mobilização coletiva, e para isso estas marchas, para isso as campanhas, para isso todo o trabalho de formação intensa”, disse.

Várias organizações para além dos coletivos feministas que organizam a marcha, desfilaram até ao Rossio, sendo visíveis faixas da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), de um grupo representativo das Mulheres Socialistas (PS), entre o qual figuravam as deputadas Elza Pais e Romualda Fernandes, por exemplo, mas também de um conjunto de mulheres que alertava para a violência obstétrica, tema que tem vindo a ganhar relevância na luta feminista.

Foi sobretudo por essa causa que Sandra Oliveira marchou hoje pelas ruas de Lisboa. Doula (assistente de partos sem formação médica) há 17 anos, diz que esse é o tempo que já leva a observar situações de violência obstétrica contra mulheres, mas também acompanhantes e até bebés, praticada por médicos e enfermeiros, “os abusadores” que “negam a existência do problema”.

Sandra Oliveira criticou as posições da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros, considerando que tomaram “posições corporativistas” e espera que na discussão na Assembleia da República em torno de uma proposta de lei sobre esta matéria “saibam distinguir que não podem ir à mercê dos pareceres de quem é o abusador”.

Para a manifestante, a atitude perante esta problemática tem que ser alvo de uma “mudança generalizada”, que acontece com educação.

Helena Anton disse ter decidido marcar presença, porque “ainda é preciso, em 2021, lutar por todas as mulheres e pela igualdade”, por si, e pelas meninas para quem quer um futuro diferente.

“Quero que no futuro as mulheres tenham liberdade e não sejam maltratadas. É uma luta de todos os dias que tem que se fazer e não só quando há manifestação, uma luta contra o machismo e sistema patriarcal”, disse.

A marcha terminou com a leitura de um manifesto lido pela organização, depois de ter atraído ao longo do percurso a atenção de muitos turistas, que surpreendidos pelo desfile ruidoso, foram parando e registando com os telemóveis a manifestação de hoje.

[Notícia atualizada às 21:34]