O “Relatório de Outono 2019”, do Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP), analisou a cobertura da rede e caracterizou os recursos humanos, reportando-se a dados vigentes em 31 de dezembro de 2018.

“Mantém-se a constatação da presença de uma Rede Nacional de Cuidados Paliativos com serviços especializados, mas com nível de prestação generalista. Tal afirmação sustenta-se no preconizado de que apenas com dedicação plena a cuidados paliativos se poderá considerar que os cuidados prestados por estes profissionais se enquadram no nível de diferenciação especializado”, sublinha o estudo.

O estudo concluiu, tendo em conta o horário a tempo inteiro preconizado no SNS, de 40 horas semanais para os médicos e 35 horas para os restantes profissionais, que faltam cerca de 430 médicos, 2141 enfermeiros, 178 psicólogos e 173 assistentes sociais na rede.

Em declarações à agência Lusa, o coordenador do OPCP - Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica, Manuel Luís Capelas, salientou como positivo o aumento do número de serviços, a maior abrangência populacional pelas equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos e algumas equipas já terem psicólogo e assistente social a tempo inteiro.

“Mas temos depois o outro lado, que é o corpo principal das equipas que, se já não estava bem em 2017, está pior agora com a redução de forma estatisticamente significativa do tempo médio de alocação semanal a cuidados paliativos”, o que no seu entender pode “pôr em causa a qualidade e o tempo de atendimento” aos doentes.

“Na prática temos 188 médicos, mas quando juntamos o seu tempo alocado semanalmente corresponde a 66, o que é praticamente um terço”, disse, defendendo que deveriam existir 496. Já os enfermeiros são 429, mas o seu tempo alocado só corresponde a 243, praticamente 50%, quando deveriam ser 2.384.

O estudo aponta a existência de, pelo menos, um médico a tempo inteiro em apenas em 17% das Unidades de Cuidados Paliativos (UCP), em 38% das equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos (EIHSCP) e em 42% das equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos (ECSCP).

A nível total dos recursos, 33% têm pelo menos um médico a tempo inteiro, 79% têm pelo menos um enfermeiro, 14% têm pelo menos um assistente social e 11% pelo menos um psicólogo.

“Quando temos em conta a população que, por exemplo, é abrangida pelas equipas comunitárias, que é um grande indicador da evolução dos cuidados paliativos em diversos países, nós verdadeiramente temos uma cobertura populacional que atinge 28% da população”, lamentou.

Para Manuel Luís Capelas, estes são “dados significativos” que demonstram que “não houve um verdadeiro investimento na dotação de recursos humanos” para garantir a acessibilidade aos cuidados.

“O número de doentes é grande, cerca de 140 mil por ano, aos quais acrescem cerca de 700 mil familiares”, mas a taxa de cobertura é “muito reduzida”, não correspondendo “em nada aos mínimos exigidos”, lamentou Manuel Luís Capelas.

“O plano estratégico num curto prazo deveria atingir uma taxa de cobertura de 25 a 50% em qualquer tipo de tipologia, mas tendo em conta os requisitos de recursos humanos, estamos abaixo dos 20%”, sustentou.

Das 111 equipas/serviços de cuidados paliativos (públicos e privados), existentes 2018, o estudo obteve dados de 80 (72.1%). Ao nível das UCP foram obtidas 22 em 33 respostas possíveis (66.7%), das EIHSCP, 35 em 49 respostas possíveis (71.4%), nas ECSCP as respostas foram de 21 em 26 possíveis (80.8%).

Seis distritos do país não têm nenhuma equipa de cuidados paliativos

A cobertura universal de cuidados paliativos “está longe” de ser alcançada e revela “profundas assimetrias” no país, com seis distritos sem nenhuma equipa e outros com taxas superiores a 100%, segundo um relatório hoje divulgado.

“Mais uma vez se verificam assimetrias significativas com seis distritos (Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Leiria e Vila Real) sem nenhuma equipa e outros com taxas superiores a 100%”, nomeadamente Beja e o Açores, revela o “Relatório de Outono 2019”, do Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP), que analisou a cobertura da rede, reportando-se a dados vigentes em 31 de dezembro de 2018.

“No términus do primeiro plano estratégico nacional de cuidados paliativos [2017/2018], embora exista evolução no número de recursos desta tipologia de cuidados, continua-se com uma cobertura, estrutural e profissional, nacional e na generalidade dos distritos, muito abaixo do minimamente aceitável a que acrescem profundas assimetrias, a nível distrital”, salienta o estudo, a que a agência Lusa teve acesso.

O observatório alerta que esta assimetria “não garante uma abordagem especializada integrada e articulada entre as diferentes valências/equipas, por ausência de uma ou mais valências, sendo um sério obstáculo à acessibilidade a estes recursos como um direito humano e condição nuclear para uma cobertura universal de saúde”.

Em declarações à agência Lusa, o coordenador do OPCP - Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica, Manuel Luís Capelas, lamentou a manutenção desta “distribuição completamente assimétrica do tipo de recursos e de alocação de recursos, sejam humanos ou estruturais”.

“Leiria só tem uma equipa inter-hospitalar, não tem uma cama de internamento, não tem uma equipa comunitária, e depois temos outras regiões do país que até têm coberturas superiores àquilo que é estimado pela ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] e que é considerado em termos internacionais”, vincou.

Outro aspeto negativo apontado no relatório prende-se com o facto de haver “apenas um terço das equipas a prestar cuidados paliativos especializados”, lamentou.

Para Manuel Luía Capelas, o Serviço Nacional de Saúde tem de “garantir uma resposta universal aos cidadãos”, considerando que “é um direito humano, é uma prioridade pública, porque são muitas pessoas envolvidas”.

Segundo o responsável, as entidades privadas da saúde também não têm apostado nos cuidados paliativos. “Temos uma franja da população, seja ela do mais baixo nível socioeconómico ou do mais elevado nível socioeconômico que tem grandes dificuldades para aceder a estes cuidados”, sublinhou.

Manuel Luís Capelas advertiu que se está perante “um problema sério”: “Como costumamos dizer é um tsunami que está a cair nos serviços de saúde e nós temos que verdadeiramente pensar nisso, porque nem há a possibilidade de fugirmos para a intervenção privada”, porque a resposta que existe é “muito incipiente”.

“Se derem resposta a 500, 600, 700 doentes” num universo se 140 mil doentes a taxa de resposta é mínima, elucidou.

O relatório considera que, “não existindo evolução significativa de 2017 para 2018, de acordo com os dados revelados”, seria importante haver “uma remodelação do planeamento estratégico elaborado, baseado no rigor na estimação de recursos, tempos alocados e implementação, assim como na integração das recomendações internacionais por forma a se poder garantir uma cobertura universal, a nível nacional, destes recursos”.

Aponta ainda a necessidade de “um registo nacional da atividade assistencial e da caracterização dos profissionais que exercem em cuidados paliativos, aberta à sociedade, respeitando os preceitos legais, por forma a permitir, sem sobrecarga das equipas, a análise dos decisores e a análise independente por parte da comunidade científica”.

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