Joe Biden tomou posse esta quarta-feira num clima de alta (in)segurança. As imagens de Washington contrastam com as de outras inaugurações: sem público e fortemente armada. Da história do dia 20 de janeiro de 2021 não vai ficar a multidão a pintar das cores da América os espaços verdes do Capitol Hill — muito menos as comparações sobre que Presidente levou mais apoiantes para saudar o início do seu mandato.

Faltavam alguns minutos para as 12:00 locais (17:00 em Lisboa) quando Biden colocou a mão sobre uma edição da bíblia de 1893, que a sua mulher Jill segurou, para jurar defender a Constituição, perante o presidente do Supremo Tribunal, John Roberts, e sob o olhar de Kamala Harris — e de todo o mundo.

Foi a nona vez que Joe Biden prestou juramento sob esta Bíblia, a primeira em 1973, no primeiro de sete mandatos como senador, e a última em 2013, no segundo mandato como vice-presidente de Barack Obama. Beau Biden, o filho que morreu em 2015, usou a mesma Bíblia quando prestou juramentado como procurador-geral de Delaware em 2007. "Todas as datas importantes estão lá", disse Biden ao apresentador Stephen Colbert em dezembro de 2020. E este "novo dia" também será inscrito numa das suas páginas.

Dos EUA, Biden sublinhou o Unidos

Este foi "é um novo dia para a América". A frase foi escrita três horas antes da posse como Presidente, na sua conta da rede social Twitter, momentos depois de Joe Biden ter assistido a uma cerimónia religiosa em Washington, e marcou o tom do dia — ou do discurso de tomada de posse.

“A vontade do povo foi ouvida, e a vontade do povo foi atendida. Aprendemos novamente que a democracia é preciosa e a democracia é frágil. Nesta hora, a democracia prevaleceu”, disse Biden, acrescentando que o dia da sua tomada de posse, “é o dia da América, o dia da democracia, um dia na história e na esperança, de renovação e determinação”.

Biden dirigiu-se ao país, aos aliados (Estados Unidos podem “voltar a ser um aliado em que se pode confiar”) e a Donald Trump (que optou por não marcar presença), num discurso conciliador onde, sublinhe-se, a união voltou a estar entre os desejos do Presidente dos EUA. O 46.º chefe de Estado apelou ainda ao diálogo e à compreensão dos seus adversários políticos, prometendo ser  o “Presidente de todos os americanos”.

“Este é o nosso momento histórico de crise e desafio. A unidade é o caminho a seguir e devemos enfrentar esse momento como Estados Unidos da América”, acrescentou o Presidente, pedindo para que esse momento de unidade prevaleça.

“Aqui estamos nós, poucos dias depois de uma multidão turbulenta pensar que poderia usar a violência para silenciar a vontade do povo”, disse referindo-se ao ataque do Capitólio. "Sabemos agora, meus amigos, que a democracia prevaleceu", continuou utilizando o seu mais famoso jargão ['folks'].

O nome de Donald Trump nunca foi referido durante as palavras de Biden, o que não quer dizer que não se dirigissem a si. Algumas passagens do discurso, como a seguinte, falam por si.

"Há verdade e há mentiras. Mentiras ditas pelo poder e pelo lucro. E cada um de nós tem o dever e a responsabilidade enquanto cidadãos, enquanto americanos, e especialmente enquanto líderes — líderes que juraram honrar a nossa Constituição e proteger a nossa nação — de defender a verdade e derrotar as mentiras".

O chefe de Estado prometeu ainda que “a democracia e a esperança” não morrerão no seu mandato e que será sempre "sincero" com os norte-americanos.

"Juntos vamos escrever uma história americana de esperança, não de medo, de unidade, não de divisão, de luz, não de trevas. Uma história de decência e dignidade, de amor e conciliação, de grandeza e bondade".

A vice-Presidente não foi esquecida no discurso da inauguração. "Não me digam que as coisas não podem mudar", disse referindo-se Kamala Harris.

Harris, é primeira mulher — e, juntando-se a esse facto, a primeira afro-americana e asiático-americana — a ocupar o cargo de vice-Presidente dos Estados Unidos, depois de um percurso marcado por romper regras e tradições na vida política norte-americana.

Dos vestidos aos fist bumps. As entrelinhas da inauguração

"Agradeço aos meus antecessores de ambos os partidos pela sua presença aqui. Agradeço-lhes do fundo do meu coração. Vocês conhecem a resiliência da nossa Constituição e a força da nossa nação, tal como o Presidente Carter, com quem falei ontem à noite, mas que não pode estar connosco hoje, mas a quem envio uma saudação por toda uma vida de serviço", disse Biden.

Sem Donald Trump presente, Mike Pence foi a mais alta figura da ex-administração que esteve na tomada de posse da nova Administração. Dos restantes ex-Presidentes, só Jimmy Carter faltou (por fazer parte do grupo de risco, tem 96 anos). Barack Obama, George W. Bush e Hilary Clinton (bem como as respetivas ex-Primeira-Damas) estiveram na inauguração. Entre os convidados, saliente-se ainda Bernie Sanders (que concorreu à nomeação democrata com Biden e Harris).

A tomada de posse não é a Passadeira Vermelha dos Óscares, mas o que cada um veste não é apenas uma questão de estilo. Kamala Harris apareceu com um vestido púrpura (de design americano) e a cor também foi escolhida por Michelle Obama e por Hillary Clinton. O roxo — que é a cor que resulta da conjugação de vermelho, cor do Partido Republicano, e azul, cor do Partido Democrata — simboliza o bipartidarismo e é aplicado na pintura do mapa dos EUA para mostrar os estados oscilantes, os chamados swing states. Para além disso, representa a a conciliação política — algo que esta Administração pretende.

Entre dois juramentos e discursos, houve tempo para alguns apontamentos musicais com Lady Gaga (que cantou o hino), Jennifer Lopez e Garth Brooks. A diversidade não se pauta apenas pelos seus géneros géneros musicais (pop e country). Os músicos representam em si uma sociedade que abraça a diferença, seja ela cultural ou identitária.

Nota ainda para Amanda Gorman, a poetisa de 22 anos que recitou "The Hill We Climb" ("A Colina que Subimos"). O poema da sua autoria aborda subtilmente o ataque ao Capitólio. De acordo com a imprensa norte-americana, a jovem terminou o poema a 6 de janeiro, dia do ataque, e não queria que o incidente passasse em branco nesta cerimónia. Gorman juntou-se a nomes como Maya Angelou e Robert Frost e tornou-se na sexta poetisa a declamar numa tomada de posse presidencial e na mais jovem a concretizar este feito.

Da escolta policial de Kamala Harris há um nome que se destaca, apesar de anónimo até 6 de janeiro. Eugene Goodman foi um dos polícias que 'defendeu' o Capitólio. O oficial aparece num dos vídeos que se tornaram virais enfrentando sozinho um grupo de manifestantes pró-Trump.

Até esteve para não acontecer, mas Biden (e depois Harris) caminhou pela Pennsylvania Avenue e cumprimentou os presentes. Entre eles, alguns membros da imprensa e a quem deu um fist bump (um toque com os punhos cerrados). Depois de quatro anos em que os media ocuparam quase o lugar do inimigo do Presidente, este cumprimento não pode ser encarado como um simples gesto. Para além disso, esta era uma 'imagem de marca' de Obama.

Por falar em afetos, não faltaram abraços — e alguns beijinhos — entre Joe e Jill Biden. Pode não querer dizer nada, para além da prova do seu amor, mas ganha algum simbolismo se pensarmos que Donald e Melania tinham alguma dificuldade em mostrar a sua proximidade (o que se tornou num meme nestes últimos quatro anos).

Mais, minutos depois de Joe Biden tomar posse como Presidente dos EUA, a Casa Branca relançou a sua página na Internet, em que recupera uma versão em espanhol, que tinha sido eliminada por Donald Trump. O espanhol é falado por mais de 50 milhões de pessoas nos Estados Unidos, e a sua remoção da página oficial da Casa Branca foi assunto de muitas críticas na época.

A fechar o dia, os primeiros decretos assinados pelo 46.º Presidente, 17 ao todo, reverteram, na grande maioria, decisões tomadas pelo seu antecessor. Foram assinadas ordens executivas para que os EUA regressem ao Acordo de Paris (abandonado em 2017) e à Organização Mundial de Saúde (saíram em 2020). Foi ainda revogada a proibição da entrada de pessoas provenientes de países de maioria muçulmana e decretado o uso obrigatório de máscaras em prédios federais e para funcionários do governo central. "Não há tempo a perder. É preciso começar logo a trabalhar", justificou Biden.

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