É “um projeto que nos orgulha e que deve orgulhar o país, porque será, que nós saibamos, a primeira ETA neutra no consumo de energia a alimentar 3,5 milhões de habitantes”.

As palavras são de Pedro Fontes, diretor de Inovação e Desenvolvimento da EPAL (do grupo Águas de Portugal – AdP). Di-las à agência Lusa na ETA da Asseiceira, de onde sai a água que bebem Lisboa e mais de 80 municípios.

Pedro Fontes fala à Lusa do projeto ClorH2O, que associa a produção de hidrogénio à produção de reagentes consumidos nas operações da EPAL, nomeadamente o tão necessário cloro. O lançamento do concurso para pôr em marcha tudo isto está para breve.

No quadro da Estratégia Nacional para o Hidrogénio, o Governo dirigiu um convite a empresas ou entidades portuguesas ou europeias, cujos projetos propostos se traduzam num valor acrescentado para o país. O grupo AdP respondeu, nomeadamente, com o projeto Asseiceira ClorH2O.

O hidrogénio que vai ser produzido pode ser incorporado na rede de gás natural, mas também pode ser usado no chamado autoconsumo em mobilidade sustentável, substituindo as viaturas da empresa movidas a combustíveis fósseis por outras movidas a hidrogénio.

Na Asseiceira, perto de Tomar, no grande mas discreto complexo de tratamento das águas da albufeira de Castelo de Bode (pode tratar 625.000 m3/dia), Pedro Fontes começa por explicar: “o projeto de coprodução de hidrogénio na ETA da Asseiceira nasce dentro daquilo que é a nossa cadeia de valor”.

“Nós somos consumidores muito relevantes de cloro (300 a 400 toneladas de cloro gás por ano), o cloro coloca-nos problemas do ponto de vista de segurança e também de emissões carbónicas, é um reagente intensivo do ponto de vista da energia associada à sua produção, e a opção da EPAL foi eliminar o uso de cloro gás nas suas operações, produzindo-o localmente”, acrescenta.

Atualmente a EPAL compra tambores de cloro em forma líquida e armazena-os na ETA, com os riscos que isso possa acarretar. Quer agora produzir o cloro, necessário para desinfeção e tratamento da água, à medida que dele necessita, construindo para tal um eletrolisador, o mesmo que vai fazer também hidrogénio.

Essa possibilidade levou os responsáveis da empresa a pensar na melhor forma de valorizar o hidrogénio, uma aposta do Governo, que no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE) organiza no dia 07 uma conferência sobre hidrogénio verde (produzido a partir de energias renováveis).

E essa valorização, nas palavras do responsável à Lusa, será na descarbonização da frota, “talvez dentro de dois anos”, será, talvez mais cedo, na produção de energia, ou será na injeção nas redes de gás natural, – “já foram feitos contactos nessa perspetiva” -, até porque o grande gasoduto que entra em Portugal pelo sul está a 300 metros da ETA.

Seja nos carros, na produção de energia, na injeção nas redes energéticas, “o relevante a reter é que há uma valorização energética possível desse hidrogénio, seja ela qual for”.

E esse hidrogénio será verde? Pedro Fontes diz que sim: “Temos neste momento em construção uma míni hídrica que aproveitará toda a energia disponível da água que segue hoje tratada da ETA da Asseiceira”.

Ou seja, diz, todos os caudais são turbinados com uma potência de geração de 1.5 megawatts, complementada com um pequeno parque fotovoltaico, o que vai eliminar todo o consumo (externo) da ETA, de energia, todo o consumo da captação de Castelo de Bode e todo o consumo da produção do cloro e do hidrogénio como coprodução. Ou seja, diz também, não há energia elétrica a partir de materiais fósseis associada à produção do cloro e do hidrogénio.

O projeto da turbina já tem alguns anos, mas no seu desenvolvimento, com o apoio do Instituto Superior Técnico, os técnicos da EPAL perceberam que podiam gerar energia não só para a ETA em si mas também para captar a água (que consome cinco vezes mais energia que a ETA).

O projeto Asseiceira ClorH2O tem pouco mais de seis meses e tem como base o eletrolisador. Pedro Fontes explica que a produção de cloro e de hidrogénio usa “exatamente a mesma tecnologia”, um eletrolisador por membranas.

“A diferença é que enquanto num eletrolisador para hidrogénio o alimentamos com água desmineralizada, quando estamos a produzir cloro alimentamos com água desmineralizada e com sal, sal comum”.

E é aqui que entra, conta o diretor de Inovação e Desenvolvimento, o “objetivo segurança”. Porque armazenar cloro gás “constitui um risco adicional de segurança” e armazenar sal “não constitui risco nenhum”.

Com tudo pronto, a Asseiceira irá produzir 90 quilos por dia de hidrogénio verde, um valor “relevante” do ponto de vista energético, e irá produzir cloro “na exata medida” que precisar.

Há cerca de três anos, a greve de motoristas de matérias perigosas “trouxe um bocadinho mais a nu as fragilidades associadas às cadeias de abastecimento”.

Sempre que há uma greve, diz Pedro Fontes, há uma perturbação, mas a greve desse ano foi pior, para um serviço que não pode parar (abastecimento de água).

Mas o que fez “acender os faróis todos” foi mesmo a pandemia de covid-19 e o encerramento de fronteiras do ano passado, que mostraram que não era viável depender de cadeias de produção e de logísticas de transportes.

“Quando o fecho de fronteiras aconteceu, nunca esteve em causa a qualidade da água, nem aqui nem em todo o grupo AdP. Porque todos os mecanismos foram imediatamente ativados para que não houvesse interrupção. Mas de facto muito desse cloro estava, na altura, a vir de um fornecedor em Espanha”, diz.

O projeto “sustentável” Asseiceira ClorH2O torna a EPAL mais resiliente a perturbações das cadeias de abastecimento. E o valor estimado de investimento ronda os seis milhões de euros.

Se existe racionalidade económica, racionalidade ambiental e também de segurança porque não? Pergunta Pedro Fontes. E dá de seguida a resposta: “É, no fundo, fazer”.

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