Ao assinar uma declaração de emergência nacional - algo que o presidente já vinha a ameaçar há várias semanas - Donald Trump passa a ter acesso a distintos poderes previstos em várias leis dos EUA sem necessitar de aprovação prévia do Congresso.

Estes poderes executivos podem ir desde colocar tropas no terreno até interromper telecomunicações. No caso de Trump, o objetivo é desbloquear vários fundos federais para conseguir financiar o muro na fronteira dos EUA com o México, promessa que fez na campanha de 2016. Para além disso, Trump prevê também colocar o exército a construir o muro, tendo como base uma lei dos anos 80.

Trump diz serem necessários 5,7 mil milhões de dólares para financiar este empreendimento, mas o novo acordo bipartidário entre Democratas e Republicanos para aprovar o Orçamento de Estado e impedir um novo 'shutdown' só lhe garante cerca de mil milhões de euros para construir uma parte do muro. Como tal, segundo o website informativo Vox, o presidente vai redirecionar fundos de diferentes áreas governamentais para garantir o financiamento total do projeto.

Como escreve o jornal The Guardian, o fundamento legal desta iniciativa de Trump reside no "National Emergencies Act", lei que o Congresso aprovou em 1976, no rescaldo do escândalo Watergate. No entanto, o documento não define o que constitui uma “emergência nacional”, requerendo apenas à Casa Branca que disponibilize uma justificação legal e ao Congresso que faça uma revisão à declaração de seis em seis meses.

Na prática, aquilo que foi pensado como uma tentativa de refrear os poderes executivos dos presidentes, permitiu o contrário. Desde a aprovação desta lei já foram passadas 59 declarações de emergência nacionais - excluindo as motivadas por desastres ambientais - por vários presidentes, 31 das quais ainda se mantém ativas.

A mais antiga em prática estende-se até 1979, quando o presidente Jimmy Carter assinou um decreto para bloquear ativos iranianos no país depois da crise dos reféns no Irão.

Olhando para dados mais recentes, uma lista compilada pelo centro de investigação Brennan Center diz que Bill Clinton declarou 17 emergências nacionais, George W. Bush 13 e Barack Obama 12. Das mais mediáticas entre estes presidentes, encontra-se a de Obama em 2009 para combater o vírus H1N1 (da gripe suína) ou, antes, a de George W. Bush, a seguir ao atentado de 11 de setembro de 2001, para recrutar reservistas para a guerra no Iraque.

Ao jornal USA Today, Kim Lane Scheppele, professora no Center for Human Values da Universidade de Princeton, disse que as declarações de emergência “são absolutamente comuns, razão pela qual ninguém sequer pestaneja quando ocorrerem - mas depois temos casos assim”.

Os analistas dividem-se quanto às implicações da medida de Trump. Uns consideram um abuso de poder, porque apenas ao Congresso compete a autorização de fundos públicos e Trump terá assim atropelado as competências deste órgão. Outros minimizam a questão, lembrando que, se tiver uma fraca base legal, a declaração pode ser impedida nas barras dos tribunais.

Resultado disso é que, logo após o pronunciamento de Trump, a secretária de Justiça de Nova Iorque, Letitia James, afirmou que recorrerá da decisão do presidente de decretar estado de emergência nacional.

"Declarar emergência nacional sem um motivo legítimo criará uma crise constitucional. Não vamos tolerar este abuso de poder e vamos combatê-lo com todas as medidas legais à nossa disposição".

Provavelmente será nos tribunais onde a oposição à declaração será exercida, já que o seu bloqueio parece ser difícil de acontecer no Congresso. Para impedir a decisão do presidente, o órgão legislativo poderia passar uma declaração conjunta dos dois partidos, mas esta precisaria de ser assinada por Trump.

Para que a autorização do presidente não seja necessária, o apoio ao bloqueio necessitaria de obter uma maioria de dois terços, tanto no Senado como na Câmara dos Representantes, o que parece improvável dado o equilíbrio de poder entre as duas forças polícias.

Não obstante a inviabilidade da via congressional, os Democratas já prometeram lutar contra a declaração, denunciando a decisão do presidente como um golpe à Constituição.

Minutos depois do anúncio presidencial, os líderes democratas no Senado, Chuck Schumer, e na Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, criticaram a declaração de estado de emergência, prometendo que o Congresso “irá defender as autoridades constitucionais”, fazendo prever uma luta judicial contra a decisão de Donald Trump.

“Iremos lutar no Congresso, nos tribunais e junto do público”, afirmaram os líderes, em declarações de reação ao anúncio presidencial. "Isto é claramente uma tomada de poder por um presidente dececionado, que extrapolou os limites da lei para tentar obter o que não conseguiu no processo legislativo constitucional", condenaram.