Numa intervenção no Encontro Anual de Avaliação da Atividade das CPCJ (Comissões de Proteção de Crianças e Jovens), que decorre entre hoje e sexta-feira em Reguengos de Monsaraz, sob o tema “Crianças em Contexto de Crise”, Lucília Gago recordou os dados sobre delinquência juvenil e criminalidade grupal constantes do último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que apontam para um crescimento, e lembrou também que, em contraponto, está em queda o número de internamentos em centros educativos.

Depois de anos como 2011 e 2013, em que os internamentos rondavam os 300 registos, estão agora abaixo da centena, sendo que nos últimos cinco anos, referiu a PGR, o número de jovens em centros educativos mais alto foi registado em abril de 2018, com 155 menores internados, mas a tendência começou a inverter-se, assinalando-se um crescimento mensal desde abril de 2021.

“Protagonismo e predomínio excessivo da intervenção protetiva em detrimento da intervenção tutelar educativa foi uma das explicações avançada pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para a drástica redução que o número de jovens internados então conheceu”, apontou Lucília Gago, não isentando de culpas a atuação das CPCJ, das polícias e até do Ministério Público.

“A tolerância ou complacência silente e inerte, e também muitas vezes recorrente, relativamente a comportamentos violentos protagonizados por jovens sobre outros cidadãos e, não raro, pares indefesos, de mais fraca compleição física ou, na circunstância, em posição de maior vulnerabilidade encerra elevada danosidade desde logo no percurso de vida dos jovens que assumem tais comportamentos, razão pela qual encaramos essa tolerância ou complacência como inaceitável por parte dos diversos operadores do sistema”, defendeu a PGR.

Elencando casos mediáticos recentes de violência de jovens sobre pares, mas também sobre adultos e por vezes agentes de autoridade, Lucília Gago assinalou “o doentio convívio, feito de absurda normalidade, em que a violência grassa e se instala no quotidiano dos mais novos”, no qual se consente “uma atitude de sobrevivência pela violência, de ascensão pela violência e de reconhecimento pela violência” que “não pode ser tolerado e deve ser combatido” pelo Estado, “sob pena de gravosas consequências no tecido social”.

Ainda sobre os casos elencados, a PGR defendeu que estes “tornam concebíveis escaladas comportamentais não travadas, em contexto de intervenção tutelar educativa, a qual, não raras vezes, se constitui numa oportunidade irrepetível no sentido de impedir uma espiral de comportamentos desviantes, sem a qual o desfecho previsível será o ingresso em meio prisional”.

“Escaladas comportamentais também demasiadas vezes não travadas nem sequer sinalizadas ou entendidas como particularmente relevantes quando a criança ou jovem beneficia de intervenção ao nível do sistema de proteção”, alertou ainda.

Sobre as medidas de intervenção possíveis, Lucília Gago apontou “falta de eficácia” à medida protetiva de acolhimento residencial, referindo que uma parte significativa dos jovens internados em centros educativos “transitaram” do acolhimento residencial, sendo que em 2020 era a maioria dos casos (56,5%) nos centros educativos, acrescentando ainda que uma revisão legislativa em 2015 desperdiçou “uma oportunidade única” de alteração de paradigma sobre esta medida.

Para a PGR falhou-se na “previsão de distintos regimes para a sua execução”, acrescentando crer “que esse tema assume uma centralidade que poucos hoje questionarão e que poderá mesmo constituir a pedra de toque na reversão da tendência de aumento da criminalidade grupal violenta e grave”.

“Volvidos mais de 20 anos sobre a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa, as suas potencialidades estão incompreensivelmente muito longe de completamente exploradas, em benefício dos seus potenciais destinatários”, defendeu ainda Lucília Gago.