A nova presidente da Plataforma Portuguesa de Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (Plataforma ONGD), Ana Patrícia Fonseca, disse hoje, em declarações à Lusa, que a retoma pós-pandemia não pode perpetuar as desigualdades agravadas pela covid-19, defendendo que os países mais vulneráveis têm de integrar a resposta.

"A pandemia veio reforçar muitas das desigualdades que já existiam e a nossa preocupação é que, na retoma, na forma que vamos encontrar para fazer face à pandemia, as comunidades mais vulneráveis dos países mais vulneráveis sejam parte da resposta e que não se perpetuem essas desigualdades", disse Ana Patrícia Fonseca.

Neste contexto, a responsável manifestou "preocupação" com as informações que dão conta de que a vacina contra a covid-19 apenas chegará aos países em desenvolvimento, nomeadamente a África, em março ou abril. "Apelamos para que a vacinação seja universal e de acesso a todos e vemos com alguma preocupação que isso não esteja a acontecer", disse.

Ana Patrícia Fonseca, que representa também a fundação Fé e Cooperação, reconheceu que assume a presidência da Plataforma de ONGD "num cenário muito complexo" em que  "a gestão da crise pandémica" se junta às desigualdades económicas, à gestão das migrações, às alterações climáticas e aos vários conflitos e catástrofes já existentes.

"É de facto um quadro complexo, mas é neste quadro que as ONGD trabalham", disse, adiantando que é seu objetivo "fazer a defesa do espaço da sociedade civil", garantindo que este "é preservado e promovido".

"Esta preservação inclui garantir que as organizações podem atuar de forma independente, que existem mecanismos de participação na definição e implementação de políticas públicas e que os instrumentos de financiamento preservam a capacidade de iniciativa", disse.

Para Ana Patrícia Fonseca, a educação para o desenvolvimento e a cidadania global "é um grande instrumento do reforço das democracias e do espaço da sociedade civil", numa altura em que "a generalização da desinformação é muitas vezes capitalizada por movimentos populistas e extremistas".

A presidente da Plataforma ONGD assinalou também o impacto da pandemia no trabalho das organizações não-governamentais portuguesas, adiantando que foi preciso fazer adaptações.

"No início, as restrições e os confinamentos foram um grande desafio porque as ONGD trabalham em contextos de grande proximidade com as populações. Tivemos de reinventar muito rapidamente a forma como trabalhamos com as populações. Esse impacto foi muito forte no trabalho e houve uma fase de adaptação e reinvenção para não deixarmos de acompanhar as populações", afirmou.

Passado o primeiro impacto, Ana Patrícia Fonseca adiantou que as ONGD já "vão conseguindo trabalhar com as populações", quer nos países onde atuam quer em Portugal, onde a sua ação se centra sobretudo nas escolas, com a educação para o desenvolvimento.

A presidente da Plataforma ONGD adiantou também que o financiamento dos projetos se "mantém como uma preocupação" das organizações, especialmente numa altura em que é preciso fazer face a problemas acrescidos.

"Há um ano não estávamos a contar com esta problemática. São situações novas que exigem mobilização de fundos e preocupa-nos como é que o setor continuará a ser financiado", disse, adiantando que os atuais mecanismos de financiamento em Portugal "servem, se funcionarem e forem reforçados". As ONGD, recorde-se, recebem financiamentos governamentais e da União Europeia, nomeadamente através do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, mediante a apresentação de projetos.

A plataforma portuguesa de ONGD reúne cerca de 60 organizações não-governamentais e é a principal interlocutora da sociedade civil em matéria de cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento. Assim, tem o desejo de que a nova estratégia de cooperação que o Governo está a preparar seja discutida e aprovada pelo parlamento, de maneira a "garantir a legitimação" das opções políticas para esta área.

"A estratégia deve assumir uma ligação mais próxima à Assembleia da República e deve ser discutida e votada pela Assembleia da República de forma a garantir uma legitimação das opções políticas para o setor", disse Ana Patrícia Fonseca.

A presidente desta organização defendeu também um "escrutínio periódico" por parte da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas ao plano de implementação da estratégia de cooperação.

O Governo português está a preparar a Estratégia da Cooperação Portuguesa para o período de 2021-2030 e, apesar de ainda não ter tido acesso à proposta, a Plataforma Portuguesa de ONGD preparou já um conjunto de recomendações, com base numa consulta às cerca de 60 organizações que representa, para apresentar ao secretário de Estado da Cooperação, Francisco André.

"Deve estar alinhada pelos princípios da Agenda 2030 [das Nações Unidas], apostar no estabelecimento de um mecanismo de articulação entre os atores da cooperação e ter uma clara aposta na educação para o desenvolvimento e cidadania global", disse Ana Patrícia Fonseca.

Por outro lado, acrescentou, a estratégia deverá também ter em conta os compromissos internacionais assumidos por Portugal em matéria de financiamento ao desenvolvimento.

"A estratégia deve calendarizar o aumento progressivo de verbas em cada ano que permitam atingir o objetivo de até 2030 dedicar 0.7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para a ajuda pública ao desenvolvimento", disse.

Para Ana Patrícia Fonseca, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) é "um instrumento único" na afirmação da solidariedade global "para o qual não há substituto no combate à pobreza e às desigualdades económicas".

"A APD permite canalizar recursos necessários para as regiões em situação de maior vulnerabilidade sem que seja necessária qualquer moeda de troca, é um mecanismo a fundo perdido e não há outro que o possa substituir", disse.

Citando dados da plataforma europeia de ONGD Concord, que indicam que o valor da APD portuguesa foi de 0.17% em 2019, Ana Patrícia Fonseca sublinhou que "há ainda um caminho que Portugal tem de percorrer" para atingir os compromissos assumidos.

Com Portugal a assumir durante o primeiro semestre de 2021 a Presidência do Conselho da União Europeia, Ana Patrícia Fonseca reforçou as prioridades da Plataforma das ONGD para este período.

Deste modo, a afirmação de uma Europa solidária que respeite os compromissos de desenvolvimento global e garanta o cumprimento da Agenda 2030 das Nações Unidas,  a implementação do Pacto Ecológico Europeu, a adoção de políticas migratórias centradas nos direitos humanos e o combate às desigualdades e à exclusão social são as prioridades defendidas pela Plataforma - que pretende, também, uma aposta na educação para o desenvolvimento e para a cidadania global.