“O fenómeno já está em Portugal. Vejo todos os dias formação de novos grupos no Facebook e outras plataformas com opiniões muito extremas, grupos com opiniões que tentam desconstruir” temas consolidados como a “questão da escravidão por exemplo”, afirmou à Lusa o investigador brasileiro, que lidera uma agência de análise de dados e de tendências a partir das redes sociais.

No país, existem “grupos muito focados em questões religiosas, em agressões às minorias. Isso já está colocado nas redes em Portugal e eu acredito que, quando as eleições começarem, isso vai subir de uma forma muito forte, porque a rede já está armadilhada”, avisou o analista, que faz a comparação com o caso brasileiro, em que a rede WhatsApp contribuiu para a vitória de Jair Bolsonaro na corrida presidencial.

Tratam-se de “bolhas que nós não vemos”, disse Denicoli, dando o caso recente da manifestação dos “coletes amarelos” em Portugal como um exemplo de que o “movimento ‘offline’ é muito diferente do movimento ‘online’”.

“Houve um fracasso ‘offline’” - a promessa de uma grande manifestação falhou - mas no “‘online’ aqueles assuntos foram colocados e as pessoas estão a discutir aqueles assuntos”, explicou.

Fenómeno semelhante aconteceu há alguns anos no Brasil, quando “não havia muita gente” nas manifestações convocadas via redes sociais contra o ‘establishment’.

Mas “as pessoas já estavam seduzidas por aquelas ideias” e isso teve reflexo nas eleições presidenciais brasileiras de outubro.

Em Portugal, “é um fenómeno que começa a corroer os subterrâneos das redes e não vai demorar muito para subir à tona”.

A AP Exata procura “identificar como é que as pessoas agem nas redes sociais” e “o sentimento” dos cidadãos em relação a determinados temas.

Nas recentes eleições brasileiras, “observámos como eram os sentimentos dos eleitores perante as declarações dos candidatos e toda a conversação nas redes sociais” e “conseguimos identificar a intenção de voto a partir do sentimento desses eleitores”, recordou, admitindo que a desinformação contribuiu para alterar o sentido de voto.

“Desde que há eleições, há notícias falsas que circulam, mas não com esta escala. Como o que aconteceu no Brasil, a ponto de influenciar realmente o resultado das eleições”, explicou Denicoli.

“A transparência da informação ficou no século passado. Hoje, [nas redes sociais] qualquer tipo de informação pode concorrer com informação verificada, como a da Lusa”, disse, recordando que os gestores das grandes plataformas, como o Facebook, “não têm interesse em fazer uma regulação mais assertiva e mais ponderada”, preferindo uma “autorregulação que não responde ao que pede a sociedade”.

Hoje em dia, “nós vemos que a democracia começa a sofrer perdas a partir da falta de literacia digital” que afeta o discernimento dos eleitores.

Criam-se “bolhas informativas que agrupam pessoas que têm os mesmos interesses e valores” e as pessoas “têm pouca paciência para serem confrontadas”.

Em Portugal, como no Brasil, os órgãos de fiscalização são “estruturas muito analógicas para lidar com este fenómeno, que é extremamente digital”.

Além disso, as “legislações domésticas não são eficazes”, é “preciso uma abordagem global” entre vários estados, mas isso constitui “um processo que exige muito tempo e a rede é muito rápida” a ultrapassar as novas regulações, salientou Denicoli.

No caso português, em comparação com o Brasil, há uma “população envelhecida” menos expostas às novas tecnologias da informação e o “agendamento da sociedade passa mais pelos jornais e televisões”, os ‘media’ tradicionais.

No entanto, ao contrário do Brasil, o índice de abstenção é muito grande e os jovens são os que menos votam.

Este tipo de estímulos das redes sociais destina-se mais aos mais novos, alertou Sérgio Denicoli, admitindo que pode ser mais fácil em Portugal um voto de protesto dos eleitores jovens, o que pode alterar a distribuição tradicional dos votos.

Os promotores de desinformação “sabem que os jovens são alvos preferenciais e estão trabalhando isso”, avisou.

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