A 01 de janeiro de 2021 completou-se um ano sobre as alterações ao regime do acolhimento familiar e que trouxeram mais direitos e apoios para as famílias de acolhimento, que passaram a estar equiparadas às restantes famílias em direito do trabalho ou prestações sociais.

Em declarações à Lusa, a diretora da Unidade Adoção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) revelou que a instituição está prestes a alcançar o objetivo para quatro anos e que previa uma bolsa de cem famílias de acolhimento.

“Estamos quase a atingir o objetivo dos quatro anos no final do segundo ano. Com as 33 [famílias de acolhimento] que temos, mais as 61 que estão em estudo, mais as que forem entrando no sistema, poderemos ter as cem no final de 2021, o que é muito bom”, destacou Isabel Pastor.

De acordo com a responsável, o número é resultado da campanha que começou em 2019, LX Acolhe, impulsionada pelas alterações legislativas levadas a cabo nesse ano com uma nova forma de encarar o modelo de família de acolhimento, com outro enquadramento, modelo de avaliação, de formação, atribuição de direitos parentais e uma revisão das compensações financeiras pelos encargos assumidos com o acolhimento da criança.

Magda Ferreira, 41 anos, já pensava no assunto há muitos anos, queria ser útil e ajudar, mas não sabia como. O clique deu-se há muito tempo, até porque tem uma “enorme sensibilidade” para com o que se passa com as crianças refugiadas.

Tinha estudado e pesquisado muito, mas não tinha encontrada nada de específico e o tempo foi passando até ao dia em que, a caminho do trabalho, viu, na parte de trás de um autocarro, um cartaz com a campanha do LX Acolhe.

“Depois fui para casa e pesquisei mais. Telefonei, esclareci todas as dúvidas que tinha e decidi candidatar-me”, contou.

Nas suas palavras, decidiu materializar esse desejo, não pela necessidade de ser mãe — não é mãe biológica, mas admite que gostava –, mas pela vontade em ajudar uma criança e evitar uma possível institucionalização.

“O objetivo com o acolhimento não é ser mãe, é mesmo ajudar uma criança, que precisa de ajuda, e uma família, porque são situações que podem acontecer a qualquer um de nós, todos nós temos dificuldades e precisamos de ajuda em determinado momento da vida e sinto que o acolhimento é a forma mais genuína e livre de poder ajudar”, explicou.

Segundo Isabel Pastor, a campanha de 2019 confirma o que a Santa Casa de Lisboa já sabia nesta matéria: “A comunidade estava pronta para isto e só estava à espera que lhe chamassem a atenção para esta necessidade de acolher as crianças em família”.

Antes da campanha, a instituição tinha umas seis famílias disponíveis que se tinham apresentado espontaneamente. Depois houve “de imediato e nos meses que se seguiram mais de 500 manifestações de interesse”.

Apesar do número “muito significativo”, Isabel Pastor explicou que as manifestações de interesse “depois traduzem-se efetivamente em poucas candidaturas”, um fenómeno que “está estudado”, mas que, ainda assim, teve como resultado que fossem selecionadas 33 candidaturas.

No caso de Magda Ferreira, tratou-se de um acolhimento de urgência, em que “basicamente [foi] mãe de um dia para o outro, de um bebé recém-nascido”.

Contou, de forma consciente e clara, apesar de também muito emocionada, que está a cuidar desta criança enquanto ela precisar e que o objetivo é ajudar a encontrar o melhor plano de vida para ela.

Apesar de saber desde o início do processo que é um acolhimento temporário, ignora à partida quanto tempo vai durar, mas desde o primeiro momento — e já vão seis meses — criou uma ligação “fortíssima e total” com aquele bebé.

“É meu filho desde o primeiro dia. Era minúsculo. É meu filho e sou incapaz de pôr limites ou de dizer a mim própria o limite está aqui. Não está, tem todo o meu amor, todo, como eu não pensei ter e não só meu, da família toda, família e amigos”, descreveu.

Magda Ferreira admite que vai “sofrer horrores” quando entregar o bebé, mas agarra-se a “uma coisa que é muito, muito importante”: “Isto não é sobre mim, é sobre este bebé e sobre a família deste bebé”.

“É possível estas crianças voltarem para os pais biológicos, é possível ajudarmos os pais a terem condições para voltarem a ter o filho junto de si e para mim é o primeiro objetivo, acho eu que é o desfecho mais bonito desta história”, defendeu, lembrando que entretanto se evita mais uma criança numa instituição, onde “não há colo constantemente”, nem o mesmo amor.

Para cumprir esta missão, Magda Ferreira considera que é importante ter uma forte rede de apoio, com família e amigos, sentido de liberdade e de autonomia, sem sentimentos de posse em relação à criança, além de disponibilidade emocional e de recursos.

Magda Ferreira contou que tem tido o apoio da empresa onde trabalha e que, desde o primeiro dia, a ajudou, nomeadamente com o pagamento do salário durante o período de 150 dias em que gozou a licença de maternidade que a Segurança Social dizia não ter direito.

Com a ajuda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, conseguiu desbloquear a situação e receber, ainda que com quatro meses de atraso, o apoio social, tal como as alterações feitas à lei em 2019 preveem.

Segundo Isabel Pastor, tem havido “algumas dificuldades” e atrasos na atribuição da licença parental nos casos das famílias de acolhimento, o que atribuiu à burocracia de os formulários não contemplarem esta medida.

A responsável explicou que a licença de parentalidade só se aplica ao acolhimento de crianças até 1 ano, mas defendeu que a lei deveria ir “um bocadinho mais longe”, contemplando, nos casos de crianças mais velhas, 15 dias para a adaptação à família antes de irem para a creche ou o jardim de infância.

“Poderia haver aqui maior proteção, não estou a falar só do acolhimento familiar, a nível da adoção também seria bom que houvesse maior proteção das famílias nesta fase de transição e de adaptação”, defendeu Isabel Pastor, admitindo que, na generalidade, esta medida de proteção tem corrido bem e “as pessoas estão a ter resposta aos seus direitos”.

Apontou, no entanto, que tem havido “dificuldades burocráticas”, nomeadamente na inscrição da criança no agregado da família de acolhimento para efeitos fiscais ou na atribuição do cartão de cidadão, o que “nem sempre é fácil”.

Isabel Pastou adiantou que a SCML terá brevemente um “outro refrescar” da campanha porque todos os dias há telefonemas para saber se está em vigor e porque o acolhimento familiar “exige este acordar permanentemente da comunidade e das pessoas para esta necessidade”.

Já em novembro de 2020, e um ano depois da campanha inicial, tinha havido um relançamento da mensagem, com o mesmo ‘slogan’ — “Acolher uma criança é devolver-lhe a infância” — em que se superaram 500 manifestações de interesse e de onde saíram as 61 candidaturas agora em estudo.

Magda Ferreira não sabe se depois desta experiência voltará a candidatar-se. o foco total está no bebé e no desafio de cuidar dele, que tem sido “enorme” e ao mesmo tempo “maravilhoso”.

Preocupa-a obrigar família e amigos passar pelo sofrimento e pela perda quando o momento da separação chegar, mas para já tenta não pensar nisso: “Ele compensa tudo, é tão querido, tão querido, que compensa tudo”.