Joel Pinto, a trabalhar há 17 anos no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, já assistiu a crises relacionadas com a gripe A ou com o ébola, mas garante: "Nunca vi nada como isto". O "isto" é a pandemia de covid-19 que o obrigou a fazer muitas mudanças nos serviços que coordena, nomeadamente na rouparia.

"Começando pelo material de proteção individual que foi distribuído a funcionários, passando pela troca de roupas constante. É tudo novo. Somos nós quem entrega, distribui e recolhe roupas de cama, pijamas para doentes, fardamentos para médicos, enfermeiros e assistentes operacionais, para tudo", contou à agência Lusa o encarregado operacional de Gaia, que tem a seu cargo a rouparia de quatro unidades: o Santos Silva, a maternidade, o hospital de Espinho e o Centro de Reabilitação do Norte localizado em Valadares.

Conta ainda que a roupa é lavada a maior temperatura e que agora o ciclo de tratamento passou de 24 para 48 horas.

Saber que estes "procedimentos apertados e rigorosos" são cumpridos também no Hospital de São João (HSJ), no Porto, sossega José Gomes, auxiliar do serviço de urgência e com experiência em cuidados intensivos.

Entre fardar e desfardar para acompanhar doentes covid-19 entre serviços ao longo de turnos que, "ultrapassam sempre" as sete horas (dia) ou dez horas (noite), acha que se veste e despe entre 15 a 20 vezes ao dia.

"É isso no hospital, mais a limpeza em casa, os banhos de manhã e à noite, a máquina de lavar sempre a trabalhar porque a minha mulher também é funcionária de um lar na Maia. Mas, a motivação tem de existir e existe sempre. Nós corremos riscos, mas há ali pessoas a precisar de nós, sejam os doentes, sejam os médicos e enfermeiros", descreve à Lusa, num relato positivo semelhante ao de Jorge Sousa, diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos do HSJ.

"Estamos na linha atrás dos serviços clínicos. Na da frente da logística que permite aos clínicos trabalhar. Estamos sujeitos à infeção e ao contágio. É um desafio muito grande, mas é imprescindível", refere à Lusa.

Jorge Sousa trabalha há 10 anos no HSJ. Para adaptar o espaço às necessidades que uma pandemia obriga teve de adaptar as instalações para a chegada de tendas de campanha e contentores, mudar blocos operatórios, fazer novas marcações, trocar mobiliário, gerir os pontos de ar, montar câmaras de vigilância em locais novos e "inventar" soluções para ligar equipamentos médicos.

"As minhas equipas têm demonstrado disponibilidade total", garante, orgulhoso de todos e muito especialmente dos "pelo menos 50" heróis alocados às áreas de covid-19.

Em Itália, a tradição de aplaudir os profissionais de saúde às janelas tornou-se viral nas redes sociais há mais de um mês. Em Espanha, na semana passada, uma equipa de médicos e enfermeiros aplaudiu em Barcelona as equipas da limpeza, momento transmitido em vídeo que correu além-fronteiras.

Em Portugal, aliás, no Porto, e no HSJ, de acordo com dados disponibilizados, trabalham neste hospital "cerca de 6.000 profissionais de saúde", cerca de 40% não são médicos nem enfermeiros, mas estão igualmente na linha da frente.

Já o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNG/E) indicou à Lusa que o seu quadro de pessoal tem 3.806 efetivos, dos quais 1.865 não são médicos nem enfermeiros, e que, diariamente, tem 3.010 pessoas a trabalhar, 1.699 dos quais em tarefas de apoios aos profissionais de saúde.

No Hospital de Santo António, no Porto, que tem muitos dos postos de trabalho a ser assegurados em regime de teletrabalho, há 2.062 efetivos, dos quais 879 não são médicos nem enfermeiros, sendo mais metade desses, 496, assistentes operacionais.

Dizendo que todos são "vitais" para o bom funcionamento do hospital, o responsável pela Logística do Centro Hospitalar Universitário do Porto, que tem todas as áreas não clínicas, adiantou à Lusa que "há muito trabalho invisível" que é feito e que é "fundamental".

Com a alteração substancial de rotinas, métodos e tarefas, Márcio Reis destacou a "entrega e espírito de missão" de todos os profissionais que tem trabalhado "muito", não olhando a fins de semana ou tolerâncias de ponto, para que sejam dadas as respostas necessárias.

Já em Matosinhos, de acordo com a Unidade de Saúde Local que gere o Hospital Pedro Hispano, estão diariamente, e em média, 1.178 profissionais a trabalhar, 576 dos quais noutras funções que não médicas, nem de enfermagem.

Comparando os dados de início de março e abril, os Serviços Hoteleiros, nomeadamente na rouparia e segurança, sofreram um aumento no número de pessoal, passando de nove para 12 e de 16 para 19, respetivamente.

Os trabalhadores de limpeza hospitalar passaram de 88 para 95, tendo metade da equipa alargado o horário para 12 horas diárias e parte dela está sem folgar desde início de março.

A trabalhar há 20 anos como assistente operacional na unidade de cuidados intensivos, Hugo Oliveira contou à Lusa que "muita coisa mudou" com a covid-19, tornando esta situação "absolutamente nova".

Diz que agora tem de se "equipar da cabeça aos pés", mudar de roupa várias vezes ao dia e abordar o doente de maneira diferente. Hugo Oliveira assume que "tudo atualmente demora mais" a fazer.

"Mas, já me consciencializei que tem de ser assim para nosso bem, para o bem do doente e da comunidade em geral", afirmou.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 1,5 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais morreram quase 89 mil. Dos casos de infeção, mais de 312 mil são considerados curados.

Em Portugal, segundo o balanço de quinta-feira da Direção-Geral da Saúde, registaram-se 409 mortes por covid-19, mais 29 do que na véspera (+7,6%), e 13.956 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 815 em relação a quarta-feira (+6,2%).

Dos infetados, 1.173 estavam internados, 241 dos quais em unidades de cuidados intensivos, e 205 doentes já recuperaram, desde que os primeiros casos foram registados a 02 de março.

* Paula Fernandes Teixeira e Suraia Ferreira, da agência Lusa