A perceção foi dada à agência Lusa por dois representantes da cerca de uma centena de elementos da comunidade portuguesa no Líbano (metade deles tem dupla nacionalidade), a antiga advogada Rita Dieb e o fotojornalista João Sousa, que salientaram as “enormes e reais dificuldades para se sobreviver”, agravadas com a pandemia de covid-19.

“Há dificuldades enormes e reais em sobreviver. Há a desvalorização da moeda, não há acesso aos dólares nos bancos, uma hiperinflação, os ordenados não foram atualizados, instabilidade política e social, medos de uma guerra civil e de uma invasão de Israel. Há um cessar-fogo oficial, mas há sempre esse medo real de que possa haver um conflito armado entre os dois países”, sintetizou João Sousa à Lusa.

João Sousa, 43 anos e natural de Lisboa, que trabalha como fotojornalista no diário libanês L’Orient-Le Jour, o único jornal em língua francesa no país, adicionou a estas dificuldades a falta, por um lado, e o aumento por outro dos combustíveis, a falta de energia elétrica e os preços cada vez mais caros mesmo nos alimentos de primeira necessidade.

“A vida aqui (no Líbano) está difícil, dez vezes mais cara e muito mais imprevisível do que era, ou do que estava, há um ano, ou até menos. Estamos com cortes de eletricidade constantes, há falta de combustível. Os cortes são a toda a hora. Os geradores precisam de combustível, mas não há o suficiente”, acrescentou, lembrando as dezenas de estações de serviço que encerraram no último ano.

Também à Lusa, Rita Dieb, luso-guineo-libanesa de 49 anos, antiga advogada natural de Mansoa (60 quilómetros a leste de Bissau) e hoje doméstica, há 17 anos em Beirute, sublinhou que o país está na “bancarrota” e vive uma situação “catastrófica”, em que “parte da população vive na miséria e outra na pobreza”.

“Tem sido muito complicado, a todos os níveis. Tem havido uma hiperinflação nos preços, quer nos alimentos quer nos medicamentos que, além de serem caríssimos, também não se encontram com facilidade. Não temos tido medicamentos nas farmácias, não tem havido distribuição. Um simples analgésico não se consegue encontrar com facilidade. O leite para as crianças tem sido muito difícil de encontrar e, quando se encontra, tem preços exorbitantes”, exemplificou.

“No que diz respeito à comunidade luso-libanesa, pelos contactos que vamos tendo uns com os outros, nas nossas conversas telefónicas, estamos todos a viver num clima de apreensão, inquietação, sofrimento, incerteza. É complicado para todos. Estamos todos dentro do mesmo mar revolto”, acrescentou.

“É comum irmos às compras e não haver determinados produtos, porque não os podem refrigerar, pois os produtos estragam-se. Tem havido, aliás, muitas intoxicações alimentares devido à comida estragada, imprópria para consumo”, sublinhou, por seu lado, João Sousa, a residir no Líbano desde janeiro de 2020.

A desvalorização da moeda – no mercado oficial um dólar é equivalente a 1.500 libras libanesas, enquanto no paralelo varia entre as 18.000 e as 20.000 (já esteve nas 24.000) – só torna a situação “ainda mais complicada”, acrescentou Rita Dieb.

“Cada vez que a libra desce de valor, temos ainda de lidar com a hiperinflação. Os produtos aumentam automaticamente de preço. O que custava 2.000/3.000 libras passa a custar 27.000/28.000 libras. Dez vezes mais é uma marca a reter. É isso que está a acontecer”, corroborou o fotojornalista.

Sobre a crise política e social, Rita Dieb lembra que nada foi feito desde a explosão, há precisamente um ano, no porto de Beirute, que as autoridades libanesas têm atribuído a um incêndio num depósito onde se encontravam armazenadas 2.750 toneladas de nitrato de amónio, deixaram cerca de 300.000 pessoas desalojadas, mais de 200 mortos e de 6.500 feridos, além de mais de duas dezenas de desaparecidos.

“Um ano após as explosões tudo continua na mesma. Ou cada vez pior. Nunca vimos um político no terreno, junto das pessoas que ficaram desalojadas, junto das famílias que, até hoje, continuam a ter filhos, maridos ou pais hospitalizados, alguns em coma ainda. Nunca vimos, ao longo deste tempo, o mínimo de preocupação por parte da classe política para com o povo libanês”, lamentou Rita Dieb.

“Isto foi uma catástrofe enorme, mortos, feridos, desalojados, famílias destruídas, famílias inteiras que desapareceram, pessoas que perderam os seus pertences. É este desinteresse, esta inércia, esta falta de compaixão que mais me impressiona”, acrescentou.

A nomeação de um novo primeiro-ministro, Najib Mikati (a 26 de julho passado) também não convence os libaneses, nem Rita Dieb, nem João Sousa.

“Está na esfera política há décadas. É mais do mesmo. As pessoas sentem que não há mudança de caras. […] As pessoas não só não acham que vá trazer algo de novo. O status quo mantém-se. As personagens políticas continuam no Parlamento e o país está cada vez pior. Há um descrédito total. Não há esperança. Mesmo as pessoas mais positivas, otimistas ou patriotas no Líbano, neste momento não conseguem dizer nada de positivo sobre este país e sobre o futuro. As pessoas estão a viver um inferno. No Líbano não há fundo. Bate no fundo e ainda se afunda mais”, sustentou João Sousa.

Para Rita Dieb o panorama é em tudo idêntico.

“Tenho sérias dúvidas que [Mikati] consiga. Ainda que consiga, duvido muito que isso traga algum benefício para o Líbano. O novo primeiro-ministro faz parte da classe política que reina no Líbano há largos anos. Faz parte de todo este sistema viciado que temos por cá. Para que haja uma mudança, terá de haver uma nova consciencialização dos libaneses nas próximas eleições para que se consiga destituir todo este corpo político, que haja sangue novo para que possa haver uma nova esperança para o Líbano”, sustentou.

* Por José Sousa Dias, da agência Lusa

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