As conclusões constam do estudo “Violência Sexual na Academia de Lisboa – Prevalência e Perceção dos Estudantes”, realizado pela Federação Académica de Lisboa (FAL) entre 2018 e 2019 com a “cooperação observante” de três instituições que desenvolvem trabalho no apoio a vítimas de violência: a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV); Quebrar o Silêncio; e União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).

Na introdução do estudo a FAL explica que o seu objetivo é “abordar fundamentadamente a temática da violência sexual sobre a população estudantil do seu âmbito territorial” – a área metropolitana de Lisboa - e que pretendeu fazê-lo analisando três dimensões: a perceção dos estudantes sobre o que constitui, ou não, violência sexual; o sentimento de segurança e perceção de riscos associados à frequência do ensino superior; e a prevalência com que situações de violência ocorrem.

Do inquérito composto por 18 questões, colocadas a 1.052 estudantes que frequentavam o ensino superior em 2018, com idades entre os 17 e os 30 anos, mas com uma média de 21 anos, resultaram 955 respostas válidas que indicam que os alunos de Lisboa declararam, na sua maioria, já ter sido vítimas de violência sexual pelo menos uma vez.

A violência sexual de caráter físico, que envolve abuso, coação e violação, é aquela que tem menos casos reportados, mas ainda assim, 34,2% dos estudantes inquiridos “identificaram experienciar crimes relacionados, dos quais 12,2% demonstram que ocorreu mais do que uma vez”.

Neste aspeto, os contactos físicos íntimos e indesejados ou a coação para atos sexuais que envolvam penetração sem consentimento são as situações com maior número de casos reportados.

As respostas às questões, que podem ser agrupadas em três domínios – violência sexual física, emocional ou assédio – revelam ainda que são as situações de violência emocional que têm maior prevalência entre os universitários.

Ser alvo de comentários provocatórios de natureza sexual, geralmente apelidados de ‘piropos’, ou o incómodo com o olhar de outra pessoa são as situações de importunação sexual com impacto emocional abordadas no inquérito, as quais já foram vivenciadas por cerca de 80% dos estudantes, e reiteradamente, com 55% a indicar já ter passado pela situação várias vezes.

A maioria (61,4%) também afirmou já ter sido vítima de assédio sexual, seja presencialmente, com situações de exibicionismo, por exemplo, ou recebendo contactos telefónicos, mensagens ou fotografias de cariz sexual indesejado. Para 38,1% estas situações aconteceram mais do que uma vez.

O estudo indica ainda que 89% dos estudantes nunca contaram ou reportaram ter sido vítimas de violência sexual e quando o fizeram, dirigiram-se sobretudo à polícia (39,53%) ou a amigos e familiares (cerca de 35%).

Apenas 11,63% dos casos foram denunciados à instituição de ensino superior.

Os agressores são maioritariamente pessoas conhecidas (32,58%) ou colegas dos estudantes (23,29%), mas incluem também pessoal não docente das instituições (16,74%) e docente (2,18%) e amigos (11,44%). Cerca de 13% das agressões são praticadas pelos parceiros íntimos dos estudantes.

Estacionamentos das universidades em Lisboa são inseguros para generalidade dos alunos

No que diz respeito ao sentimento de segurança dentro da instituição, imediações, ou nos percursos de ida e regresso a casa – uma das dimensões avaliadas no estudo da FAL - são os parques de estacionamento das instituições que mais provocam medo aos estudantes, com 93,27% a declarar já ter sido abordado por alguém no estacionamento e ter sentido medo.

Sobre esta situação específica, a FAL recomenda a “implementação de medidas de segurança mais adequadas às reais necessidades dos estudantes, procurando ampliar a vigilância, iluminação e controlo nos estabelecimentos de ensino, nos ‘campi’, nas paragens de transportes públicos e, em particular destaque, nos parques de estacionamento das instituições de ensino superior (IES)”.

“Este esforço deve ser realizado pelas IES, em estrita colaboração com as autarquias e forças policiais, com apoio da tutela”, acrescentam.

Entre os inquiridos, 56,58% já se sentiu inseguro no percurso para a IES ou para casa, e 40,8% já foi abordado na paragem de autocarro ou metro e sentiu medo.

As instalações da instituição só são apontadas como um local inseguro por menos de 15% dos inquiridos.

Há ainda relatos de casos de estudantes terem sido seguidos dentro da IES ou no percurso entre a instituição e a residência.

Numa outra dimensão, que se refere à perceção que os universitários têm sobre o que constitui violência sexual, a análise às respostas revela que esta tende a aumentar à medida que cresce o contacto ou envolvimento físico.

Se para 97.69% dos estudantes não há dúvida que “envolver-se sexualmente com outra pessoa, sem o seu consentimento” representa uma situação de violência sexual, apenas 37,59% entende que um “piropo” o seja, “não obstante da sua criminalização em contexto nacional” desde 2015.

A perceção da violência aumenta à medida que as questões evoluem de situações de importunação sexual verbal e não verbal, para assédio, como o envio de mensagens e vídeos de cariz sexual, até à coação e à violação.

As respostas dividem-se mais em questões em que não fica clara a questão do consentimento.

“Alguém adormecer enquanto está numa relação sexual e a outra pessoa dar continuidade à relação” é assumida como violência sexual por 82,11% dos estudantes” e uma situação na qual “um docente toque nas mamas de um aluno com o propósito de lhe explicar um procedimento médico, esta é considerada violência por 77,59% dos inquiridos, enquanto que 61,41% consideram violência se virem condicionada a sua forma de vestir por quem partilham relação íntima”, refere o estudo.

“Contudo, não interpretam como violência sexual o pedido de consentimento de um(a) estudante a outro(a) para prática de atos sexuais quando embriagado(a) (72,66%) ou pedir fotografias dos genitais da pessoa com que partilha relação afetiva (73,47%)”, acrescenta.

Entre as recomendações do estudo da FAL estão a promoção de campanhas de sensibilização pelas instituições de ensino superior, mas também do Governo, junto dos estudantes “com vista a educar e desmistificar os conceitos de assédio e violência sexual, bem como qual deve ser a atuação perante uma ocorrência”.

Recomendam também a “criação de metodologias de denúncia de casos nas Instituições de Ensino Superior, com a respetiva divulgação dos procedimentos, procurando alertar para a importância da denúncia”; a “realização de um estudo a nível nacional, procurando a descrição do panorama mais alargado” que possa servir de “suporte a programas do Governo”, assim como a “definição de políticas públicas de combate ao assédio e violência sexual, estabelecendo um plano estratégico concreto e com objetivos bem definidos no âmbito da educação e segurança”.

O estudo é hoje apresentado numa sessão pública na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.