Durante a leitura da sentença, que decorreu na ausência do arguido, a juíza disse que os factos narrados na acusação para sustentar a acusação de burla "foram dados como não provados".

“Não resultou provado que quando o arguido foi contactado pelo ofendido e, após este relatar os problemas de saúde, tivesse garantido que a sua doença não passava de uma maldição, prometendo uma cura”, disse a magistrada.

A juíza citou ainda um acórdão da Relação do Porto que refere que “na sociedade do mundo Ocidental, do século XXI, é do conhecimento geral, que os factos, os acontecimentos surgidos na vida de todos e cada um, tal como os fenómenos naturais, não são resultado da ação de espíritos nem forças negras e que o ser humano, enquanto unidade biopsíquica, não faz milagres, não é dotado dos poderes sobrenaturais que só existem no mundo da fantasia, descritos nos contos infantis, de todos conhecidos”.

À saída da sala de audiências, o advogado do arguido mostrou estar “bastante” satisfeito com a decisão proferida pelo tribunal singular.

“O tribunal soube distinguir de uma forma exemplar entre o plano da espiritualidade, das convicções religiosa e da fé que cada um pode ter, do mundo jurídico e, portanto, do processo penal, das regras criminais, que não podem ser perturbadas pela convicção religiosa de cada um”, afirmou Pedro Teixeira.

Além deste caso, o advogado disse que havia mais pessoas que diziam ter sido burladas pelo seu cliente, desconhecendo, no entanto, se existem mais processos pendentes.

O processo que foi julgado agora teve início numa queixa apresentada por um homem de 61 anos, residente em Ovar, que diz sofrer de esclerose múltipla e que contactou o arguido para “tentar obter alguma melhoria”, uma vez que os tratamentos médicos não estavam a fazer efeito.

“Ele disse-me que eu tinha uma grande maldição e enquanto isso não fosse tratado a minha filha também iria sofrer muito. Aquilo tocou-me”, disse o ofendido, que pagou 50 euros pela consulta e 4.000 euros, para o arguido dar início ao tratamento.

Perante o tribunal, o arguido assumiu apenas que o que ficou combinado foi “um acompanhamento humano”, afirmando que o dinheiro entregue pelo ofendido foi para mandar rezar uma missa todos os dias durante um ano, além de orações e produtos naturais.

“Quanto a uma cura isso não foi falado lá, porque eu não sou santo. Eu trabalho através da espiritualidade e de produtos naturais”, disse o “vidente”.

Acrescentou ainda não haver uma cura para o problema do ofendido e que aquilo que sempre foi dito é que “ele poderá ter uma qualidade de vida muito superior àquilo que tinha atingido até ao momento”.

O “vidente”, que chegou a ter locais de atendimento em Fátima, Aveiro e Porto, difundia a sua atividade através da rede social Facebook, na rádio e em painéis publicitários, onde se referia a si próprio como sendo “uma caneta de Nossa Senhora” e anunciando que os seus dons e o seu poder têm mudado centenas de vidas, publicitando ainda imagens alegadamente suas em que se apresenta com evidentes semelhanças físicas com a imagem mais popular de Jesus Cristo.