A comandante de avião comercial e o educador de infância são os dois rostos da campanha com que a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) decidiu assinalar o 1.º de Maio, nesta quarta-feira, mostrando que “as profissões não têm sexo”.

Para a campanha do Dia da Trabalhadora e do Trabalhador, a CITE (#cite40anospelaigualdade) escolheu a seguinte mensagem: “O futuro é entusiasmante. As profissões são para pessoas. O equilíbrio entre mulheres e homens é essencial em todos os domínios da vida.”

Na sala do “professor Zé”, na Escola EB1 de Porto Salvo, há lápis de cor com os vários tons de pele possível numa criança. “Luto imenso para haver mais paridade no ensino, não há, é quase só feminino”, lamenta José Bagulho, que abraçou o convite da CITE “com muito entusiasmo e motivação”.

A educação “é uma paixão” e José “sempre quis ter uma profissão que tivesse pessoas”. Ainda assim, “a primeira reunião do ano é sempre um bocadinho complicada, porque [os pais] estão à espera de ver uma dona Fernanda, uma senhora, e aparece-lhes um caramelo gordo, já meio velho”, brinca.

Embora só o confessem na última reunião do ano, a verdade é que os encarregados de educação ficam “apreensivos” quando lhe entregam as suas crianças.

“Será que ele vai ser tão cuidador do meu filho como eu quero que ele seja? Levantam sempre esta questão. É muito estranho ver um homem a lidar com crianças pequenas, será que ele sabe dar beijinhos e abraços e carinhos e aquilo que o meu filho precisa e resolver as situações? Tenho de arranjar estratégias para lhes dar confiança logo na primeira reunião”, conta.

“Normalmente, resulta. Já tenho algumas estratégias para criar empatia com eles: falar mais tecnicamente, (…) mostrar que sei o que estou a fazer, sossegá-los em relação às questões de paternidade, porque nesta profissão o professor e o pai misturam-se muito”, comenta.

Já os miúdos acham “normalíssimo” ter um professor homem. “Não acham nada estranho, nada, nada, nada. Acham divertido. Normalmente gostam bastante de mim, sou bem disposto, (…) sou muito disciplinador de sins e nãos, sem neutros, sem zona cinzenta e eles gostam disso, sabem sempre com o que podem contar, comigo. Não acham estranho que seja um homem. Aqui na sala têm o melhor de dois mundos, um professor homem e uma auxiliar, uma assistente de ação educativa, mulher”, reflete.

Também Joana Guerreiro recebe, “muitas vezes, a maioria das vezes”, uma reação de medo por parte dos passageiros do avião que vai pilotar.

“Sempre que posso e tenho oportunidade faço questão de me verem assim que chegam e quando saem, precisamente para quebrar esse estigma. Antes de entrarem estranham e, quando saem, já vão mais com os pés assentes no chão, mais convencidos, e o ‘feedback’ que tenho é positivo. Nota-se que estavam com uma expectativa bastante baixa e, no fim do voo, normalmente, há sempre uma palavra simpática. Dizem que até consegui estacionar bem o avião, [perguntam] se tenho força para voar o avião”, brinca.

A brincar a brincar, os estereótipos lá estão. “Sinto que tenho que provar que sou tão bom a desempenhar o meu papel como uma mulher”, desabafa José, o “cromo difícil da coleção”, não só para pais, como para colegas, que depositam nele “uma expectativa altíssima”.

Joana não sente essa pressão, porque, quando chegou à aviação, já as rotas se tinham aberto para as mulheres pioneiras. “Já é muito natural, aquilo que esperam de nós já é sabido. Somos formadas iguais aos homens, a nossa profissão é piloto e somos treinadas enquanto tal, sem qualquer distinção de ser rapaz ou rapariga”, garante.

“Caminhamos no bom caminho, já somos bastantes. Tem evoluído mais rápido do que eu estava à espera”, assume, otimista.

O “fascínio pelos aviões” vem de pequena, mas só depois de acabar o curso em Psicologia Social das Organizações é que Joana resolveu enviar candidaturas espontâneas para as áreas de aviação e aeroporto. Foi acolhida como assistente de bordo. “Seis meses depois estava a tirar o brevet”, conta.

Trabalhou e estudou ao mesmo tempo e pagou o curso do seu bolso. “Nunca deixei de ser assistente de bordo para tirar o curso, havia muitas faltas, havia muito trabalho de casa, muito trabalho de casa em sítios paradisíacos, que era o que custava mais, ver os meus colegas todos na boa vida e eu com os manuais atrás, a estudar, no quarto. É difícil, é dedicação, muita dedicação, e muito estudo”, recorda.

#cite40anospelaigualdade

Joana Guerreiro e José Bagulho são os protagonistas da campanha, representando quem exerce “profissões estereotipadamente ligadas ao mundo do trabalho do sexo diferente do seu”, apresenta Joana Gíria, presidente da CITE, em entrevista à Lusa.

“O acesso às profissões deve ser para pessoas, para todas as pessoas, independentemente do seu sexo, porque as profissões não têm sexo e qualquer mulher ou qualquer homem deve ter a sua autonomia na escolha, que deve ser respeitada”, sustenta.

“O mundo do trabalho é composto por homens e por mulheres, ainda não em igualdade, nas leis, sim, mas (…) pretendemos que se passe para aquilo que é a efetividade da igualdade”, realça Joana Gíria, recordando que “o talento está em todo o lado”.

Assinalando que “a educação é fundamental para que jovens raparigas e jovens rapazes determinem a sua vontade” na escolha do que querem ser, Joana Gíria considera que “não é preciso legislar a todo o vapor de cada vez que se nota que as coisas não chegaram àquilo que gostaríamos”, mas é preciso “pôr em prática e efetivar no terreno aquilo que a lei está a promover”.

Passados 45 anos do 25 de Abril, “muita coisa foi mudando, mas muita coisa pode mudar ainda”, resume a responsável pelo organismo da administração pública.

Atualmente, o princípio do salário igual para trabalho igual continua por cumprir, num país onde as mulheres recebem, em média, menos 22,1% do que os homens (segundo dados da Organização Internacional do Trabalho divulgados em março).

“Ao longo dos anos houve profissões que estiveram limitadas aos homens e muita atividade também limitada só para as mulheres. O estereótipo da mulher cuidadora e do homem provedor não tem sido fácil de desmistificar”, reconhece Joana Gíria, sublinhado que “a lei é igual para toda a gente, o que não significa que a mentalidade e o comportamento mudem ao mesmo tempo”.

Além disso, as profissões ligadas ao cuidado, mais exercidas por mulheres, “são menos bem pagas” e "há poucas mulheres, ainda, a exercer atividades muito bem remuneradas”, compara.

Para além da desigualdade remuneratória, Joana Gíria aponta desafios no acesso ao emprego e a cargos de topo. “Em Portugal (…) e no mundo, os homens continuam a exercer em maior número os cargos de chefia e tendem a escolher os seus pares”, o que “tem impacto na recolha de talentos” e no negócio das empresas, pois “há estudos que demonstram que onde há paridade há mais produtividade”, vinca.

“O mundo económico de alguma maneira tem-se vindo a adaptar, mas não com a velocidade que gostaríamos”, observa.

Para Joana Gíria, “o grande problema da discriminação radica fundamentalmente na questão da conciliação, porque efetivamente ainda esperamos que as mulheres sejam supermulheres”. Ora, insiste, é preciso chamar homens à esfera privada e chamar mulheres à esfera pública, promovendo assim uma partilha equilibrada das tarefas domésticas e dos cuidados familiares.

“Aquilo que nós esperamos das mulheres é que cuidem das crianças, dos ascendentes, das pessoas dependentes e que também tenham tempo para trabalhar e ser brilhantes naquilo que fazem”, diz. “Dos homens esperamos que sejam bons trabalhadores e produtivos, mas a sociedade não está à espera que sejam bons cuidadores”, compara.